A Teologia do abraço

22 de Maio de 2018
POPE FRANCIS

Você sabe qual é o significado do abraço no contexto bíblico?

Já parou para pensar que dificilmente uma pessoa te abraça? Há quem se contente com um “tudo bem?”, outros com um “oi” e não passa disso. Já pensou se com todas as pessoas que encontrássemos tivéssemos a bondade de cumprimentá-la com um abraço ou, se preferir, um amasso?

No contexto bíblico, o abraço significa misericórdia. Vale recordar aqui o abraço do Pai no filho pródigo. As mazelas, as decepções, os pecados, a arrogância, a precariedade, a soberba, se dissolveran no abraço do Pai misericordioso.

Não tenho dúvida de que aquele sujeito sem nome (pode ser eu ou você) que pegou a parte da herança e partiu para o mundo contemplou a verdade interpretada por Martha Medeiros: “Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve”. O abraço esmagante do Pai devolveu ao filho desgraçado o dom da vida, da eternidade.

O abraço, segundo alguns especialistas, faz bem para a saúde psíquica e física. Ele tem o poder de aumentar os níveis de uma substância chamada oxitocina, que tem a particularidade de reduzir os estados de stress e ansiedade, aumentando a felicidade e o bem estar das pessoas. Pessoas com um nível elevado de oxitocina têm a probabilidade de desenvolverem um comportamento maior de ligação entre as pessoas. Você sabia disto?

Mário Quintana faz questão de aludir o abraço a um laço. Diz ele: “Meu Deus! Como é engraçado! Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço… uma fita dando voltas. Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço. É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço”.

Penso que, nos tempos hodiernos, nossos casais precisam se abraçar. Precisam encostar um coração no outro (Rita Apoena). Já imaginou acalmar os corações atribulados por uma discussão, encostando um coração no outro? Corações atribulados se entendem e se acalmam no compasso da vida, que se renova dentro de um abraço.

Certa vez, havia um casal de idade mediana nas dependências de uma Praça. Eles viram quando ali estava uma menina, baixinha, com cabelos de fios dourados, muito pacífica. Passavam-se minutos e minutos, e ela ali persistia. Quando menos esperavam, salta de um ônibus um menino com trajes de viajante, mochilas nas costas, e apressadamente se direciona até a menina. Em fração de segundos, um atracou o outro num abraço, e os dois ficaram por um bom tempo sem trocar palavras. Certamente fazia muito tempo que o casal de namorados não se encontrava.

O normal seria que eles trocassem belas saudações, nobres palavras, ricas frases. Mas eles optaram pelo abraço. Pois o abraço permitia que eles se sentissem. Quando vemos uma sociedade (famílias, grupos, religiões) machucada, triste, sem rumo, sem esperança, nós podemos dizer que estamos vendo (e vivenciando) uma sociedade que perdeu a capacidade de se sentir. O poeta português Fernando Pessoa já dizia: “quem sente muito, cala; quem quer dizer quanto sente, fica sem alma nem fala, fica só, inteiramente”!

Já Drummond se atreve dizer que “se você sabe explicar o que sente, não ama, pois o amor foge de todas as explicações possíveis”.

Traduzindo: amar não é teoria, é sentir.  Abraçar é amar. Abraçar é discursar sem palavras. Abraçar é poder entrar no outro sem pisar no seu terreno. Abraçar é ser mais gente. Abraçar é uma forma de teologar… pois até Deus quis morar no abraço!

Por Vinícius Figueira e Fernanda Venturim Vantil, via A12

Como podemos ajudar as almas do Purgatório?

Pe. François Xavier Schouppe | 9 de Maio de 2018

Se Deus consola tão benignamente as almas do Purgatório, sua misericórdia brilha com ainda mais força no poder, que Ele concede a sua Igreja, de encurtar a duração de seus sofrimentos. Desejando executar com clemência a severa sentença de sua justiça, Ele consente em abater e mitigar a dor; fá-lo, porém, de maneira indireta, através da intervenção dos vivos. A nós Ele concede todo o poder de socorrermos nossos irmãos aflitos com sufrágios, isto é, por meio de impetração e satisfação.

A palavra sufrágio, em linguagem eclesiástica, é um sinônimo para oração. Entretanto, quando o Concílio de Trento declara que as almas no Purgatório são assistidas pelos sufrágios dos fiéis, o sentido da palavra é mais abrangente, incluindo, de modo geral, tudo o que formos capazes de oferecer a Deus em favor daqueles que partiram desta vida. De fato, nós podemos oferecer a Deus não somente nossas orações, mas todas as nossas boas obras, na medida em que elas sejam impetratóriasou satisfatórias.

Para entender essas expressões, tenhamos em mente que cada uma de nossas boas obras, quando praticadas em estado de graça, possui ordinariamente um triplo valor aos olhos de Deus:

  1. A obra é meritória, ou seja, aumenta o nosso mérito, dando-nos direito a um novo grau de glória no Céu.
  2. É impetratória (de “impetrar”, “obter”), ou seja, como uma oração, ela tem a virtude de alcançar graças de Deus.
  3. É satisfatória, ou seja, tem a capacidade de satisfazer à Justiça Divina e pagar o débito de nossas penas temporais diante de Deus.

mérito é inalienável e permanece como propriedade da pessoa que realiza a ação. Os valores impetratório e satisfatório, ao contrário, podem beneficiar a outrem, em virtude da comunhão dos santos.

Entendido isso, coloquemo-nos uma questão prática. Quais são os sufrágios por meio dos quais, de acordo com a doutrina da Igreja, nós podemos ajudar as almas do Purgatório?

“A Virgem, São Nicolau Tolentino e as almas do Purgatório”, por Bartolomeo Guidobono.

A essa pergunta nós respondemos: eles consistem em orações, esmolas, jejuns e penitências de qualquer tipo, indulgências e, acima de tudo, o santo sacrifício da Missa. Todas as obras que nós realizamos em estado de graça, Jesus Cristo permite que as ofereçamos à Majestade Divina para o alívio de nossos irmãos no Purgatório.

Por essa admirável disposição, ao mesmo tempo em que protege os direitos de sua justiça, nosso Pai celestial multiplica os efeitos de sua misericórdia, que é exercida então, ao mesmo tempo, em favor da Igreja padecente e da Igreja militante. A assistência misericordiosa que Ele permite prestarmos a nossos irmãos sofredores é, de fato, de excelente proveito para nós mesmos. Trata-se de uma obra não apenas vantajosa para os falecidos, mas também santa e salutar para os vivos. Sancta et salubris est cogitatio pro defunctis exorare, “É santa e piedosa a ideia de rezar pelos defuntos” (2Mc 12, 46, Vulg.).

É possível ler, nas Revelações de Santa Gertrudes (cf. Legatus Div. Pietatis, l. 5, c. 5), que, tendo uma humilde religiosa de sua comunidade coroado com uma morte piedosa sua vida exemplar, Deus dignou-se mostrar à santa o estado da falecida na outra vida. Gertrudes viu a alma da monja adornada de inefável beleza e querida por Jesus, que a fitava com amor. Entretanto, por conta de uma leve negligência sua, ainda não expiada, ela não podia entrar no Céu, sendo obrigada a descer à sombria morada do sofrimento. Mal havia ela desaparecido nas profundezas, porém, a santa viu-a voltar e subir em direção ao Céu, transportada pelos sufrágios da IgrejaEcclesiae precibus sursum ferri.

Até no Antigo Testamento orações e sacrifícios eram oferecidos pelos mortos. A Sagrada Escritura relata como louvável a piedosa ação de Judas Macabeu depois de sua vitória sobre Górgias, general do Rei Antíoco. Os soldados haviam pecado, tomando dos espólios alguns objetos oferecidos aos ídolos, coisa que pela lei eles estavam proibidos de fazer. Então Judas, chefe do exército de Israel, mandou que se fizessem orações e sacrifícios pela remissão de suas culpas e pelo repouso de suas almas.

Vejamos como esse fato é contado na Escritura:

No dia seguinte ao sábado, Judas e seus homens foram recolher os corpos dos que tinham morrido na batalha, a fim de sepultá-los ao lado dos parentes, nos túmulos de seus antepassados.

Foi então que encontraram, debaixo das roupas dos que tinham sucumbido, objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, coisa que a Lei proíbe aos judeus. Então ficou claro, para todos, que foi por isso que eles morreram.

Todos louvaram, então, a maneira de agir do Senhor, justo Juiz, que torna manifestas as coisas escondidas.

puseram-se em oração, pedindo que o pecado cometido fosse completamente cancelado. Quanto ao valente Judas, exortou o povo a se conservar sem pecado, pois tinham visto com os próprios olhos o que acontecera por causa do pecado dos que haviam sido mortos.

Depois, tendo organizado uma coleta individual, que chegou a perto de duas mil dracmas de prata, enviou-as a Jerusalém, a fim de que se oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim, pensando muito bem e nobremente sobre a ressurreição. De fato, se ele não tivesse esperança na ressurreição dos que tinham morrido na batalha, seria supérfluo e vão orar pelos mortos. Mas, considerando que um ótimo dom da graça de Deus está reservado para os que adormecem piedosamente na morte, era santo e piedoso o seu modo de pensar.

Eis por que mandou fazer o sacrifício expiatório pelos falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado. (2Mc 12, 39-45)

A família foi criada por Deus para ser a base da sociedade

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“Em torno da família se trava hoje o combate fundamental da dignidade do homem” (São João Paulo II)

O Dia Internacional da Família, 15 de maio, é uma boa oportunidade para lembrarmos da importância fundamental da família para a vida de cada pessoa e da sociedade. A família é sagrada, porque foi criada por Deus para ser a base de toda a sociedade. Ninguém jamais destruirá sua força, por ser ela uma instituição divina.

O Concílio Vaticano II chamou a família de “Igreja doméstica” (LG, 11), onde Deus reside e é reconhecido, amado, adorado e servido; e ensinou que “a salvação da pessoa e da sociedade humana estão intimamente ligadas à condição feliz da comunidade conjugal e familiar” (GS,47).

São João Paulo II chamou a família de “Santuário da vida” (Carta às Famílias,11) e “patrimônio da humanidade” (LG,11). Ele disse: “A família é uma comunidade insubstituível por qualquer outra”. Jesus habita com a família cristã, nascida no Sacramento do Matrimônio; Sua presença, nas Bodas de Caná da Galileia, significa que o Senhor quer estar no meio da família, ajudando-a a vencer todos os seus desafios.

Imagem e semelhança

Desde que Deus desejou criar o homem e a mulher à Sua imagem e semelhança (Gen 1,26), Ele os quis em família. Tal qual o próprio Deus, que é uma família em três Pessoas Divinas, assim também, o homem, criado à imagem do seu Criador, deveria viver em uma família,  em uma comunidade de amor, já que ‘Deus é amor’ (1 Jo 4,8) e o homem lhe é semelhante.

A família é o eixo da humanidade, a sua célula mater, é a sua pedra angular. O futuro da sociedade e da Igreja passam inexoravelmente por ela. É ali que os filhos e os pais devem ser felizes. Quem não experimentou o amor no seio do lar terá dificuldade para conhecê-lo fora dele.

A família é a comunidade, na qual, desde a infância, os filhos podem assimilar os valores morais, em que pode começar a honrar a Deus e usar corretamente da liberdade. A vida em família é iniciação para a vida em sociedade (cf. CIC 2207). Depois de ter criado a mulher da costela do homem (Gen 1, 21), Deus a levou para ele. Este, ao vê-la, suspirou de alegria: “Eis agora aqui, disse o homem, o osso dos meus ossos e a carne de minha carne; ela se chamará mulher” (Gen 1,23). Após essa declaração de amor tão profunda – a primeira na história da humanidade – Deus, então, mostra-lhes toda a profundidade da vida conjugal: “Por isso, o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher; e já não são mais que uma só carne” (Gen 1,24).

A família é sagrada

Deus lhes disse: “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gen 1,28). Por isso, a única e verdadeira família, segundo a vontade de Deus, é aquela fruto da união matrimonial de um homem com uma mulher. Não existe outro tipo de família no plano de Deus.

Este é o desígnio de Deus para o homem e para a mulher, juntos, em família: crescer, multiplicar, encher a terra, submetê-la. E, para isso, Deus deu ao homem a inteligência para projetar e as mãos para construir o seu projeto. O Senhor vive no lar nascido de um matrimônio. Nessas palavras de Deus – “crescei e multiplicai-vos” – encerra-se todo o sentido da vida conjugal e familiar. Dessa forma, Deus constituiu a família humana a partir do casal, para durar para sempre, por isso, A FAMÍLIA É SAGRADA!

Vemos aí, também, a dignidade baseada no amor mútuo, que leva o homem e a mulher a deixarem a própria casa paterna, para se dedicarem um ao outro totalmente. Esse amor é tão profundo, que dos dois faz-se uma só carne, para que possam juntos realizar um grande projeto comum: a família.

União

Daí, podemos ver que sem o matrimônio, forte e santo, indissolúvel e fiel, não é possível termos uma família forte e santa, segundo o desejo do coração de Deus. Tudo isso mostra como o Senhor está implicado nesta união absoluta do homem com a mulher, de onde surgirá, então, a família. Por isso, não há poder humano que possa eliminar a presença de Deus no matrimônio e na família. Deus vive no lar nascido de um matrimônio, e a Virgem Maria também.

Isso nos faz entender que, a celebração do sacramento do matrimônio, é a garantia da presença de Jesus no lar ali nascente. Como é doloroso perceber, hoje, que muitos jovens, nascidos em famílias católicas, já não valorizam mais esse sacramento e acham, por ignorância religiosa, que já não é importante subir ao altar para começar uma família!

Toda essa reflexão nos leva a concluir que, cada homem e cada mulher, que deixam o pai e a mãe, para se unirem em matrimônio e constituir uma nova família, não o podem fazer levianamente, mas devem o fazer somente por um autêntico amor, que não é uma entrega passageira, mas uma doação definitiva, absoluta, total, até a morte.

Marcada pelo sinete divino, a família, em todos os povos, atravessou todos os tempos e chegou inteira até nós, no século XXI. Só uma instituição de Deus tem essa força. Cristo entrou na nossa história pela família; fez o primeiro milagre numa festa de casamento e viveu 30 anos numa família. O Concilio Vaticano II disse: “Se é certo que Cristo ‘revela plenamente o homem a si mesmo’, faz através da família onde escolheu nascer e crescer” (GS,2). “Desta maneira, a família constitui o fundamento da sociedade” (GS,52). “A salvação da pessoa e da sociedade humana está intimamente ligada à condição feliz da comunidade conjugal e familiar” (GS,47).

Papa João Paulo II

O Papa São João Paulo II dizia: “A família é o âmbito privilegiado para fazer crescer todas as potencialidades pessoais e sociais que o homem leva inscritas no seu ser”.

São João Paulo II disse: “Em torno da família se trava hoje o combate fundamental da dignidade do homem” (FC,18). Há uma ameaça tremenda contra a família moderna: aborto, ideologia de gênero, divórcios,casamentos de pessoas do mesmo sexo, drogas, adultérios, inseminação artificial, e toda uma campanha internacional contra a família, o casamento e a maternidade.

Quando a família é destruída, os filhos sofrem, e muitos deles se encaminham para a criminalidade. Por isso, se a família – segundo a vontade de Deus – for destruída, então, a sociedade sofrerá suas consequências. Todos os cristãos são obrigados a lutar pela preservação da família segundo o coração de Deus.

Fonte: aleteia.org

Adoração, devoção e veneração: existe diferença?

Conhecer com profundidade o que significa devoção, veneração e adoração pode fazer toda a diferença em nossa vida espiritual

Parece muito óbvio o significado das palavras: devoção, veneração e adoração, mas não é tão simples assim. A devoção verdadeiramente católica foi perdendo-se ao longo do tempo, dando origem a várias expressões de culto, subjetivas, confusas e desconexas, as quais, na prática, acabam se tornando cada vez mais infrutíferas e estéreis. Sendo assim, precisamos redescobrir o verdadeiro sentido da devoção católica aos anjos e aos santos, e o que esse culto de veneração tem a ver com o de adoração, devido somente a Deus. Dessa forma, nossa espiritualidade poderá retomar o vigor da devoção dos santos e produzir muitos frutos, contribuir para a salvação das almas e para maior glória de Deus.

Adoração, devoção e veneração existe diferença
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com

A devoção católica e a perda de seu sentido

A palavra “devoção” tem raiz no latim devotione, e significa afeição, dedicação, sacrifício e culto. Na teologia e na espiritualidade católica, devoção é um ato de religião. São Tomás de Aquino diz que devoção é “a vontade pronta para se entregar a tudo que pertence ao serviço de Deus”1, ou seja, ao culto divino. Sendo assim, toda a verdadeira devoção tem como fim último o próprio Deus.

Na Idade Média – período que a maioria dos historiadores contemporâneos insiste erroneamente em chamar de “Idade das Trevas” –, as práticas de devoção se davam quase que exclusivamente no culto comunitário. Na chamada cristandade, o ato de religião, de dar a Deus o que é de Deus, era prestado por toda a sociedade. No entanto, a partir desse período histórico, a sociedade corrompeu-se gradativamente, chegando a um arrefecimento da fé tal, que o culto público não era mais viável. Como resposta às necessidades desse tempo, surgiu na Igreja o movimento que ficou conhecido como devotio moderna.

A devotio moderna rapidamente se espalhou por toda a Europa Ocidental. Nesse contexto histórico, surgiu o conhecido livro “Imitatio Christi” ou “Imitação de Cristo”, atribuído a Tomás de Kempis, cônego regular de Santo Agostinho. Esta obra destinava-se a todos, sem exceção, principalmente àquelas pessoas que desejavam transformar e santificar o seu quotidiano. No entanto, a devotio moderna não teve somente bons frutos, como o célebre livro de Kempis. O Movimento propunha um modelo de vida religiosa que colocava sacerdotes e leigos no mesmo nível, sem distinções hierárquicas. Além disso, a tradução de trechos das Sagradas Escrituras para outros idiomas e o subjetivismo nas práticas de devoção, de certa forma, abriram caminho para o protestantismo.

Em nossos dias, a maioria das pessoas não entende mais o significado da palavra devoção. Para grande parte dos católicos de hoje, as práticas devocionais não passam de sentimentalismo subjetivista, que não os leva a uma verdadeira conversão. Sendo assim, é urgente recuperar o sentido da palavra devoção, como vontade pronta de entregar-nos inteiramente a Deus, para então passarmos à prática.

Este ato da vontade pode ter como frutos a paz, alegria, sentimentos e consolações. No entanto, não necessariamente todos os atos de devoção terão esses frutos. Na experiência espiritual, sempre sob influxo da graça divina, a devoção pode ser acompanhada de sentimentos e consolações, como normalmente acontece nos iniciantes mais generosos. No entanto, na devoção pode acontecer também a aridez espiritual, que é bem diferente da tibieza ou mornidão, especialmente com as pessoas mais adiantadas espiritualmente.

Existem várias expressões de devoção na Igreja Católica, que podem ser divididas em duas categorias: a devoção de veneração, que é prestada aos anjos e santos; e a devoção de adoração, que é devida e prestada unicamente a Deus.

A devoção de veneração e o culto às imagens sagradas

A palavra veneração é derivada do latim veneratio – que em grego se diz δουλια (douleuo ou dulia) – e significa “honrar”. A devoção de veneração ou “dulia” é o culto prestado aos santos e aos anjos, enquanto servos de Deus na ordem sobrenatural. Entre os santos, o Patriarca São José tem proeminência na Igreja Católica, por ter sido pai adotivo de Jesus Cristo e guardião da Sagrada Família. Por isso, São José recebe o culto “protodulia” ou “suma dulia”, que significa a primazia e a superioridade do seu culto em relação aos outros santos. Outra exceção é veneração prestada a Santíssima Virgem Maria, que – por sua dignidade excelsa de Mãe de Deus, que a coloca acima de todos os anjos e santos, inclusive de São José – recebe o culto de hiperdulia, do grego υπερδουλεια, que significa a mais alta veneração prestada aos santos.

A devoção de veneração é expressa externamente pela reverência às imagens dos santos e dos anjos (estátuas, esculturas, pinturas, ícones). O culto de veneração é prestado também às relíquias dos santos.

O culto das imagens sagradas na Igreja Católica não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos (Dt 6, 13-14). Pois, “a honra prestada a uma imagem remonta ao modelo original” e “quem venera uma imagem, venera nela a pessoa representada”. A honra prestada às imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que é devida somente a Deus. “O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas as vê sob o seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não se detém nela, mas se orienta para a realidade de que ela é imagem”2. Sendo assim, o culto de veneração aos anjos e aos santos em suas sagradas imagens não é um fim em si mesmo, mas tem por finalidade a elevação das almas a Deus e a maior glória da Santíssima Trindade.

A devoção de adoração e o culto de veneração

A palavra “adoração” é derivada do latim “adoratio”, que tem sua raiz nos termos “ad oro”, e significa “oro ou rogo-te”, em grego se diz λατρεια (latria) – e significa “adorar”, é um termo bíblico e teológico que significa a devoção ou culto que é prestado somente a Deus. O próprio Jesus Cristo nos deu essa Lei: “Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto” (Lc 4,8; cf. Dt 6,13).

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que “a adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-Lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e Dono de tudo quanto existe, Amor infinito e misericordioso”3.

Adorar a Deus é reconhecer, com respeito e submissão absoluta, o nosso nada, que só por Deus existimos. Adorar a Deus é louvá-Lo, exaltá-Lo e humilhar-nos na sua presença, confessando com gratidão que Ele fez grandes coisas em nós e que o seu Nome é santo, como fez a Virgem Maria no Magnificat (cf. Lc 1, 46-49). Além disso, a adoração do Deus único liberta-nos do fechamento em nós mesmos, da escravidão do pecado e da idolatria do mundo4.

Assim, vimos que toda a verdadeira devoção tem Deus como seu fim último. Sendo assim, a devoção de veneração, prestada aos anjos e aos santos, somente tem valor se nos faz crescer na fé, na esperança e na caridade, se nos leva a amar Deus de todo nosso coração, com toda nossa alma, com todo nosso espírito (cf. Mt 22, 37; Dt 6, 5) e ao próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 39; Lv 19, 18). Na veneração dos anjos e dos santos, glorificamos Deus, que é o fim último não somente da nossa devoção, mas também de toda a nossa existência. Dessa forma, compreendemos que a devoção de adoração diferencia-se da de veneração somente na forma que prestamos nosso culto a Deus: na adoração, prestamos culto a Deus em si mesmo; e na veneração, a Ele também, mas em suas criaturas. Assim, entendemos que não há nenhuma contradição entre o mandamento divino: “Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto” (Lc 4,8; cf. Dt 6,13), e a devoção católica de veneração aos anjos e aos santos.

Referências:
1 SANTO TOMÁS DE AQUINO. ST II-II, Q 82, A 1.
2 PAPA JOÃO PAULO II. Catecismo da Igreja Católica, 2132.
3 Idem, 2096.
4 Cf. idem, 2097.

Fonte: cancaonova.com