Arquivo mensais:junho 2018
Aborto no Brasil
Atualmente, há um movimento articulado que transforma leigos e ativistas em “especialistas” pela mídia. Todos estes atores juntos distorcem e literalmente inventam informações, algumas vezes por ignorância, outras com verdadeiro dolo. Uma área da ciência na qual este movimento ocorre com total força é na obstetrícia, principalmente nos temas do aborto e da via de parto. Feministas, ativistas pró-aborto, pesquisadores ligados a instituições pró-aborto, mídia com viés de esquerda, dentre outros, descaradamente, manipulam dados em busca da liberação do aborto no Brasil em qualquer situação. Mesmo os especialistas de renome consultados possuem viés fortemente favorável à causa, não havendo espaço para o contraditório. Reparem que os entrevistados neste tema são sempre os mesmos. Quando alguém que pensa “fora da caixa” dos ativistas tem oportunidade de falar, provoca um espanto tão grande que transforma uma entrevista que deveria ser técnica em um cenário de ativismo como ocorreu comigo nesta entrevista sobre via de parto na GloboNews:
O que causa bastante estranhamento nesta discussão é que são alijados dela especialistas de renome. Como um exemplo simbólico, há um projeto de Lei (PL 7633/2014) em tramitação na Câmara dos Deputados de autoria do Deputado Jean Wyllys sobre via de parto que declaradamente utilizou como assessores na confecção a ABENFO (Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras) e a Associação Artemis (ONG declaradamente feminista), não dando qualquer espaço aos que realmente serão vítimas caso o projeto seja aprovado (médicos obstetras). Como médico obstetra, doutor em ginecologia e mestre em saúde coletiva escrevo este artigo com o intuito de dar a visão de um especialista sobre o tema e esclarecer os dados relacionados ao aborto no Brasil.
1. Não há uma epidemia de internações por aborto no Brasil
O primeiro ponto que deve ser sempre lembrado é que o aborto espontâneo é muito comum. Podemos encontrar relatos na literatura de até metade das gravidezes evoluir para aborto. Isso pode se dar por diversos motivos, mas os principais são: alterações genéticas e cromossômicas, infecções maternas, traumas, dentre várias outras. E saber isso ajuda a desmascarar o primeiro mito dos ativistas a favor do aborto: não há muitas internações por aborto no Brasil. Dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS nos mostram que em 2016 houve cerca de 186 mil internações pós-aborto para realização de curetagem (procedimento para retirada de restos ovulares) e aspiração manual intrauterina (mesmo propósito, mas menos agressivo). Levando em conta que tivemos cerca de 3 milhões de partos neste mesmo ano, o número pode ser considerado pequeno (6,2%). Portanto, não há qualquer epidemia de internações por aborto. Na maioria das vezes, a mulher aborta antes do atraso menstrual e nem se dá conta.
Os ativistas mentem descaradamente ao afirmar que grande parte deste número é advindo de abortos provocados. Não há qualquer possibilidade de sequer estimar qual a porcentagem destes casos que pode ser creditada ao aborto ilegal. Exatamente por ser ilegal, a paciente comumente não relata que foi provocado. E mesmo quando há o relato, o médico jamais vai divulgar por conta do sigilo médico. O dado que o Datasus recebe, portanto, é do total de abortos (espontâneos, legais, ilegais, etc.). Cada morta por suspeita de aborto ilegal deve ser enviada obrigatoriamente para necropsia no IML por se tratar de morte violenta. Somente nestes casos pode ser feita a associação inequívoca da morte com o aborto ilegal. O médico hospitalar não pode fornecer a declaração de óbito em casos de mortes violentas, exceto nos raros casos em que não é possível enviar a paciente ao IML.
2. O número de mortes maternas por aborto é muito menor do que a mídia diz
A mídia é especialista em divulgar dados infundados sobre o aborto. Esta reportagem do jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, comete erros em série. Inicia com a chamada “4 mulheres morrem diariamente por complicações do aborto”. O corpo do texto – aquele que boa parte das pessoas não lê – entretanto, afirma algo bem diferente: “o Sistema de Notificação de Mortalidade (SIM) (…) indica 54 mortes comprovadas de mulheres em decorrência da interrupção da gravidez em 2014”. O Estadão não diz exatamente de onde tirou o número que sustenta a chamada (“números do Ministério da Saúde obtidos pelo Estado”), mas é fácil deduzir: simplesmente usaram a totalidade de mortes maternas em 2015 (um total de 1738 mortes) que englobam qualquer causa, sendo as principais identificadas: eclampsia (164), hipertensão (162) e hemorragia pós-parto (127). As mortes por “falha de tentativa de aborto”, “outros tipos de aborto” e “aborto não especificado” somaram 53 no ano de 2015, um número quase 33 vezes menor.
Na gravidez, a mortalidade ocorre principalmente no parto e próximo pelos motivos mencionados (hipertensão, hemorragia, eclâmpsia, dentre outros). O aborto é somente a quinta causa clínica de mortalidade materna. Culpar o aborto pela mortalidade materna é jogar uma cortina de fumaça nos reais problemas que transformam o sistema de saúde brasileiro em um assassino de gestantes: péssima assistência, maternidades em grande parte parecendo uma pocilga, pré-natal em que é praticamente impossível conseguir ser atendido por um obstetra, falta de leitos em grande parte dos municípios, falta de treinamento de profissionais que fazem a assistência ao parto, retirada do obstetra da assistência ao parto em prol de parteiras e enfermeiros para baratear o custo em demérito da saúde, imposição do parto vaginal mesmo em situações em que não há condições com o objetivo de baratear os custos em saúde, dentre outros.
Outra matéria, agora d’O Globo, divulga um falso número de mortes maternas ligando-as ao aborto: “65 mil mulheres morreram no Brasil por complicações ao dar à luz, durante ou após a gestação ou causadas por sua interrupção.”. É notório que a mortalidade materna do Brasil é vergonhosa, mas nem em Chade, o país com a pior mortalidade materna do mundo, o número chegaria a este valor. Como dito anteriormente, houve 1738 casos de mortalidade materna no Brasil em 2015, o que já é um vexame absoluto tendo em vista que a mortalidade materna do Japão é de cerca de 3 mortes por 100 mil nascidos vivos.
3. O aborto legal no Brasil não é tão seguro quanto pregam
A mesma reportagem do Estadão afirma que o aborto legal é um “procedimento seguro”. Um detalhe mostra exatamente o contrário: utilizando dados do DataSUS de 2015 para mortes decorrentes do aborto (Figura 1) nota-se que houve 3 mortes por aborto por causas médicas e legais, ou seja, aqueles realizados no hospital com teoricamente todo o cuidado. Dado que estas mortes decorreram dos 1700 casos de abortos realizados de forma legal, temos uma taxa de 176 mortes em 100 mil! É um número espantoso que deveria obrigar os gestores a fazerem uma inspeção em todos os centros de realização de aborto legal no que se refere a material humano, ambiência e outros fatores. Este dado desmente o obstetra entrevistado na matéria que relata “ocorrer 0,5 mortes a cada 100 mil abortos legais e seguros”. Para efeito de comparação, os cerca de 60 mil homicídios anuais no Brasil correspondem a uma taxa de 30 mortes em 100 mil.
Figura 1: Três mortes por abortos por causas médicas e legais em 2015. Fonte: DataSUS
Cabe salientar que o CID (Classificação Internacional de Doenças) de aborto por razões médicas e legais (O08) compreende aqueles feitos por estupro, anencefalia e causas médicas que são exatamente os previstos na lei brasileira. Não sendo leviano como muitos ativistas a favor do aborto, lanço a hipótese destes casos poderem ser de doenças graves maternas que obrigaram a interrupção da gravidez, mas é algo a verificar e somente o Ministério da Saúde pode fazê-lo. Por outro lado, é possível que grande parte dos bons obstetras se negue a fazer abortos decorrentes de supostos estupros por objeção de consciência, direito previsto em lei para casos que não se caracterizam como emergência.
Até mesmo a mais alta autoridade na área da saúde, o ministro Ricardo Barros, soltou pérolas sobre o tema. Em entrevista dada ao Estadão, o ministro afirmou: “Recebi a informação de que é feito 1,5 milhão de abortos por ano. Desse total, 250 mil mulheres ficam com alguma sequela e 11 mil vão a óbito.” Como já vimos, o número total de abortos é um completo chute. Pode ser mais, pode ser menos. Pode ser qualquer coisa. Mas os outros dois números são irresponsáveis e fogem a qualquer lógica. O suposto número de 11 mil óbitos é quase 10 vezes maior que a real mortalidade materna total do país (1738 mortes em 2015). E número de mortes por “falha de tentativa de aborto”, “outros tipos de aborto” e “aborto não especificado”, como já vimos, foi de 53 em 2015. A ocorrência de uma morte, embora possa ter sua causa subnotificada, tem probabilidade de erro muito menor porque a declaração de óbito é necessária para efetuar o enterro, e a informação é enviada imediatamente para as estatísticas oficiais. Já o suposto número de 250 mil mulheres com sequelas supera, inclusive, o total de internações anuais por todos os tipos de abortos: 186 mil. É sabido que o aborto tem uma taxa de sequelas muito baixa e, na maioria das vezes, de menor importância. Portanto, estes números sequer podem ser chamados de chutes. É, na melhor das hipóteses, uma completa ignorância sobre o tema. Ou pior: um reflexo do fato de muitas áreas técnicas da saúde da mulher são aparelhadas por militantes pró-aborto. É fundamental que estes postos sejam ocupados por pessoas técnicas com rigor científico.
4. Os estudos sobre o aborto divulgados pela mídia geralmente são enviesados
Os números dos estudos sobre o aborto geralmente adquirem vida própria e são utilizados da forma mais irresponsável possível pela mídia e por ativistas. De forma geral, é importante, ao ler um estudo, ver quem são seus autores, seus possíveis conflitos de interesse, estudos anteriores, como foram financiados, quais agências de fomento públicas ou privadas patrocinaram seus estudos, a ideologia que possuem, se são “queridinhos” pela mídia e muitas outras variáveis muitas vezes difíceis de serem avaliadas pelos leigos.
Outro fator importante a observar é se o pesquisador é da área. É comum, no Brasil, na área de obstetrícia, os pesquisadores serem epidemiologistas, antropólogos, sociólogos, doulas, dentre outros. Muitas destas pessoas sequer sabem o que é a barriga de uma grávida do ponto de vista clínico. E, não mais que de repente, passam a ser sumidades na área da obstetrícia de dentro de suas salas refrigeradas. Pessoas que jamais viram um parto passam a dizer, por exemplo, quando se deve fazer parto vaginal ou cesariana. Algo semelhante ao que ocorre na área de segurança em que indivíduos que nunca patrulharam uma rua passam a ser considerados pela mídia “especialistas” na área.
Deve-se atentar também para o fato de que entidades mundiais de grande renome também possuem conflitos de interesses, algo perigoso dado que elas possuem poder e norteiam políticas de saúde pública pelo mundo, tornando muito difícil alguém contrário ter voz para criticar seus dados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma grande alarmista nesta questão do aborto ajudando por vezes a espalhar dados não reais. Na questão do parto, por exemplo, desde 1985 a OMS exigia que os países seguissem uma taxa irreal de no máximo 15% de cesarianas. Somente em 2016, após muita pressão, ela acabou com esta meta que impossível de ser cumprida sem expor mulheres a risco. Nenhum país desenvolvido do mundo possui taxas de cesarianas menores que 15%. A única vantagem desta taxa era baratear a assistência médica e arrumar emprego para parteiras e enfermeiros ao retirar o obstetra. Não consigo me lembrar de nenhum caso recente de filho ou parente de político que tenha tido parto vaginal, mas eles são os primeiros a defendê-lo para os mais pobres.
5. O estudo mais utilizado no Brasil para estimar a quantidade de abortos se baseia em premissas sem qualquer comprovação científica, vulgo “chute”
Um estudo bastante utilizado como fonte por ONGs pró-aborto é o de Monteiro, Adesse e Drezett (2015) publicado pela revista “Reprodução & Climatério”. A primeira crítica que faço ao estudo é que ele parece denominar o aborto ilegal como aborto “induzido” sendo que o aborto legal também pode ser induzido. Em outro momento ele se refere a “induzido e clandestino” quando seria mais clara a denominação “aborto ilegal”. Mas a situação fica crítica quando notamos que todos os resultados são baseados em estimativas que usam premissas ditadas pelo Guttmacher Institute, uma instituição fundada pela principal rede de abortos dos Estados Unidos, a Planned Parenthood. O cálculo multiplica por 5 o número de internações hospitalares usando uma premissa não validada de que, no Brasil, a cada 5 mulheres que realizam um aborto ilegal, 1 vai procurar assistência médica; e estabelece outras premissas duvidosas sem qualquer comprovação científica: um chute onde 25% dos abortos são espontâneos e há 12,5% de subnotificação.
Baseado nestas regras, sem qualquer comprovação científica, o estudo concluiu que a quantidade de abortos ilegais pode ter variado de 687 a 865 mil em 2013 e que este número tem caído com o passar dos anos provavelmente por haver um melhor acesso a métodos contraceptivos. A mídia adota este estudo como uma verdade que não merece qualquer tipo de contestação. Se eu fosse realizar uma estimativa, baseado no número real de 186 mil internações por aborto anuais no Brasil, calcularia que cerca de 25% delas foram causadas por abortos ilegais e multiplicaria este número por 2 para incluir aquelas que não procuraram o hospital, o que daria 93 mil abortos ilegais por ano. Para chegar a este cálculo partiria do princípio que, atualmente, o método mais utilizado para o aborto ilegal é o misoprostol (Cytotec) e ele tem uma baixa taxa de complicações, mas muitas mulheres que o utilizam sangram, ficam com medo de ainda terem “alguma coisa” no útero e procuram o hospital para se certificarem do sucesso do método. Outras realmente têm algum tipo de ocorrência mais séria e precisam de atendimento médico.
Quem realmente atende pacientes nota que o número de abortos espontâneos é muito maior, mesmo porque não é muito difícil diferenciar o espontâneo do ilegal. As próprias pacientes costumam falar a verdade quando perguntadas por uma questão de sobrevivência. O médico precisa saber e elas confiam nos obstetras sabendo que a grande maioria jamais quebrará seu juramento de sigilo. Eu, mesmo sendo terminantemente contra o aborto, jamais deixaria de atender uma paciente com complicações para utilizar o que ela me falou contra ela.
6. Os dados sobre o aborto no Brasil não possuem a qualidade necessária para retirar conclusões inequívocas
Um ponto muito importante que deve ser minuciosamente explicado, já que grande parte destes estudos se valem de documentos oficiais, é como os dados oficiais sobre o aborto surgem.
No Brasil, o aborto é crime salvo nas situações previstas em Lei. Portanto, como já dito, em 2015 houve cerca de 1700 abortos legais. Todo o resto será classificado pelo CID-10 em categorias clínicas ou não classificadas compreendidas entre O0-0 e O0-8. Não há nenhuma classificação para aborto ilegal. O aborto médico e legal está na categoria O0-4 e só compreende os casos de estupro, anencefalia e risco de vida materno. Logo, o número de abortos ilegais em qualquer estudo não passa de um chute.
Há dados bons e dados péssimos. O médico é o único responsável por preencher a declaração de óbito e diagnosticar se o paciente está vivo ou morto, havendo poucos erros neste diagnóstico. A via de parto (cesariana ou vaginal) também costuma ser mencionada pelo médico de forma clara. Mas quando a questão é mais complexa e é difícil obter o real diagnóstico, a confiança é muito menor. No caso do aborto, é muito provável que o médico assistente coloque como diagnóstico no prontuário algo como “restos ovulares”, “aborto espontâneo”, “aborto incompleto”, “mola”, dentre outros. O médico não tem a preocupação de escrever no prontuário exatamente como no CID-10 nem é esta a sua obrigação, sua obrigação é salvar vidas! Entretanto, cada prontuário se torna fonte para totalizar os 186 mil casos de abortos por ano no Brasil.
Fora isto, cabe lembrar que os responsáveis por encaminhar os dados para o Ministério da Saúde não são os médicos que atendem o paciente diretamente, mas os burocratas dos hospitais. Letras de médicos são normalmente difíceis de serem decifradas e, muitas vezes, o diagnóstico que o médico deu não está na lista que o burocrata consulta para enviar a informação, o que faz com que ele chute. Inclusive, se não o fizer, o hospital pode nem receber o pagamento pela internação. Dificilmente o responsável pelo envio da informação ao Ministério da Saúde procurará os médicos que atenderam diretamente a paciente para se certificar do que houve e, mesmo que o faça, o médico dificilmente lembrará. Afinal, estamos falando de hospitais com milhares de atendimentos por mês.
Ou seja: qualquer estudo baseado nestes dados sofrerá um absurdo viés que o ferirá de morte: o viés de informação. E são estes dados que alimentam os Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Informações Hospitalares (SIH), as bases que os pesquisadores pró-aborto utilizam para fazer suas estimativas. A literatura sobre as inconsistências nos dados é farta. Um estudo de 2016 mostrou que há fraca correlação entre o descrito na declaração de óbito e o preenchido no sistema. Outro estudo do mesmo ano mostrou uma taxa de acerto menor do que 70% nas declarações de óbito feitas por médicos professores de uma Universidade Federal, sendo que a causa da morte apresentou erro de preenchimento acima de 50%. É lógico concluir que os erros no preenchimento de prontuários relacionados ao aborto sejam iguais ou ainda maiores.
7. Não é preciso fazer boletim de ocorrência para fazer um aborto legal e a maioria dos obstetras é contra a ampliação da lei do aborto
Em 2016, um estudo avaliou todos os 68 centros de aborto legal no Brasil. Chamou atenção o fato de que, dos 1283 prontuários de aborto legal analisados no estudo, 1212 tiveram estupro como justificativa, 55 anencefalia, 9 risco materno e 7 por outras malformações graves que não a anencefalia. É absolutamente impossível saber quantos destes estupros foram reais e quantos foram mero subterfúgio para obter o aborto. Como o próprio Ministério da Saúde orienta que não há necessidade de apresentar o Boletim de Ocorrência (BO) para obter um aborto legal por estupro, este número tende a ser cada vez mais desconhecido.
Os autores do mesmo estudo relatam a capacitação escassa das equipes e a dificuldade para obter um médico-obstetra para integrar as equipes, dado que grande parte dos médicos escolheu a profissão para salvar vidas. Sobre este tema, um ginecologista que realiza abortos legais recentemente relatou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que a objeção de consciência não é motivo relevante para não realizar abortos citando uma pesquisa que diz que “65% dos ginecologistas acham a legislação penal do aborto restritiva demais”. O que ele não disse é que a pesquisa foi realizada em 2003 e 2005, e está bem claro nela que os obstetras consideravam isso principalmente em situações de malformações fetais graves (77% em 2003, 90% em 2005), uma questão decidida pelo STF em 2012, enquanto somente 9,7% (em 2015) declarou ser a favor do aborto em qualquer circunstância. Eu, por exemplo, sou obstetra, não concordo com ampliação e me recusaria a fazer um aborto por objeção de consciência conforme a lei me autoriza. De acordo com a pesquisa citada, a maioria dos obstetras também pensa assim.
8. O famoso estudo de Débora Diniz e salada de números que ele criou
Em 2016, foi publicado um estudo amplamente divulgado pela mídia que tem como autores Débora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro. Avaliando 2002 mulheres alfabetizadas de diferentes áreas urbanas brasileiras e autointitulado “Pesquisa Nacional do Aborto 2016”, o estudo concluiu que 20% das mulheres entre 35 e 39 anos de idade (definidas como “próximas aos 40 anos de idade”) fez um aborto ao longo da vida.
Primeiro: é muito complicado avaliar por meio de questionários qualquer ato que seja ilegal. Mesmo que as pesquisadoras tenham tomado cuidado para aumentar a sensação de sigilo e utilizado a “técnica da urna” (questionário em papel respondido pelas próprias entrevistadas e depositado em uma urna lacrada), o medo existe.
Entretanto, vamos assumir que o resultado esteja correto. O problema vem logo a seguir, quando o próprio estudo e a mídia extrapolaram os resultados para todo o Brasil, relatando um valor absurdo de “503 mil abortos por ano” ou “quase um aborto por minuto” como publicou a Carta Capital: “Estima-se que, aos 40 anos, uma em cada cinco tenha feito ao menos um aborto ao longo da vida, ou 4,7 milhões de brasileiras. Somente no ano passado, 503 mil optaram pela interrupção da gravidez. Foram ao menos 1,3 mil abortos por dia, 57 por hora, quase um por minuto. Essas brasileiras são, acima de tudo, mulheres comuns. Os dados foram revelados pela Pesquisa Nacional do Aborto 2016, um dos maiores levantamentos sobre o tema no Brasil, realizado pelo Anis – Instituto de Bioética em parceria com a Universidade de Brasília e financiado pelo Ministério da Saúde.”
A suposição que me causou mais espanto e, obviamente, a mídia não se tocou ou ignorou, é que o estudo mostrou que cerca de 50% das mulheres que fizeram o aborto precisaram ser internadas para concluí-lo. Esta taxa é exatamente o valor que supus baseado na minha experiência como obstetra, com a diferença que, se usarmos os dados oficiais do Ministério da Saúde para fazer a extrapolação, temos 93 mil abortos ilegais por ano e não 503 mil. Lembrando que o número real de abortos ilegais não é conhecido.
Cabe salientar, utilizando a técnica que menciono no item 4, que o realizador deste estudo (“Anis – Instituto de Bioética”) se autodeclara como uma “ONG feminista” que desenvolveu “a estratégia da ADPF 54, em cuja decisão, em 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à interrupção da gestação para mulheres grávidas de fetos anencéfalos”.
9. Nada indica que a legalização do aborto diminuirá a quantidade de abortos
Este é outro ponto que os ativistas adoram afirmar: “a legalização reduzirá o número de abortos”. O bom senso e a lógica, entretanto, mostram que o número aumentaria. Logo, os ativistas citam estatísticas do Uruguai, França, Portugal e outros países que mostrariam que ocorre uma diminuição. O problema é que tal argumentação utiliza as mesmas “estimativas” (chutes) do número de abortos ilegais que menciono ao longo do texto. Ou seja, dados não confiáveis. Não há veracidade neste argumento.
Conclusão
Espero que este texto tenha ajudado a trazer alguma luz sobre os abortos no Brasil. Trouxe minha experiência de pesquisador, obstetra que já trabalhou em algumas das maternidades mais movimentadas do estado do Rio de Janeiro e ex-dirigente da Comissão de Parto, Puerpério e Abortamento da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.
O Brasil só mudará o panorama de mortes maternas se houver investimento (não necessariamente estatal) pesado em saúde sem mentiras como “iremos diminuir a mortalidade materna se legalizarmos o aborto”, “precisamos diminuir as cesarianas” (inventando termos como “violência obstétrica” para qualquer ato médico muitas vezes necessário como episiotomia e outras manobras obstétricas) e retirando o obstetra da assistência ao parto colocando no lugar enfermeiros e obstetrizes para gastar menos. Como este texto deixa claro, estas ações são articuladas e os ativistas pró-aborto possuem ótimas relações na mídia, judiciário, artistas, opinião pública, “intelectuais” e outros formadores de opinião. Convém combatê-las com a melhor arma de todas: a verdade.
O dia em que São João Paulo II profetizou o futuro da Irlanda
No último dia 25 de maio, o povo irlandês foi às urnas e votou pela chacina de seus filhos. Mas nós talvez não devêssemos ficar tão surpresos. O Papa São João Paulo II já havia profetizado tudo o que aconteceu.
Em 1979, o Papa João Paulo II olhou fixamente para uma multidão de 300 mil jovens, durante uma Missa em Galway, na Irlanda. “Lançando o olhar para vós”, ele disse na ocasião, “eu vejo a Irlanda do futuro. Amanhã, vós sereis a força viva de vosso país; vós decidireis o que será a Irlanda.”
Infelizmente, aquela mesma geração, e a dos filhos que ela educou desde então, acaba de decidir qual será o futuro da Irlanda. Não é difícil imaginar o luto deste Papa santo, estivesse ele fisicamente aqui conosco, para testemunhar o que o povo irlandês decidiu no último dia 25 de maio.
É estranho, muito, muito estranho, ver os vídeos e as fotografias de multidões de jovens irlandeses dançando, gritando e derramando lágrimas de alegria — alegria! — por uma façanha que nenhum outro país, nem o mais liberal e corrupto, conseguiu realizar: a autorização, por maioria esmagadora de votos, da chacina de seus irmãos e irmãs não-nascidos.
Na Irlanda, 64% dos eleitores compareceram às urnas no dia do referendum e, desses, 66% votaram para revogar a emenda constitucional (84% das pessoas entre 18 e 24 anos votaram “sim”) que protege o direito à vida do nascituro — quase exatamente a mesma proporção que votou, apenas três décadas atrás, para aprovar a Oitava Emenda. De lá para cá, tanto mudou, e tão rápido!
Eu, evidentemente, tinha meus pressentimentos. Apesar de toda a sua história católica e de sua evangelização por São Patrício, a Irlanda não estava imune ao poder onipresente da cultura popular, bem como à sedução da nova ideologia, de liberdade pessoal e autonomia sexual radicais, que tem devastado o Ocidente. Muitos dos sinais de alerta estavam presentes, incluindo a recente legalização do divórcio e do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo. Mas nem eu — nem ninguém, pelo que parece — esperava uma derrota tão definitiva e esmagadora para os não-nascidos.
O alerta profético de São João Paulo II à Irlanda
Mas talvez nós não devêssemos ficar tão surpresos. O Papa São João Paulo II já havia profetizado tudo isso que aconteceu.
Nessa mesma homilia aos jovens, o Papa explicou, em seus dolorosos detalhes, precisamente o que aconteceria caso a Irlanda abandonasse a Cristo e suas raízes cristãs.
O Papa alertou à juventude que “as tradições religiosas e morais da Irlanda, a própria alma da Irlanda, serão desafiadas por tentações que não poupam nenhuma sociedade de nossa época”. Os jovens ouvirão que “é preciso fazer mudanças”, que eles devem “gozar de maior liberdade”, que devem ser “diferentes” dos próprios pais, “e que depende de vós, e só de vós, decidir a respeito de vossas vidas”.
Muitos dos que estavam ali, disse o Papa, seriam tentados a abandonar a Cristo e a desprezar sua educação, sua família e sua cultura cristãs. No entanto, ele alertou, “uma sociedade que, desse modo, perdeu os seus mais altos princípios religiosos e morais, tornar-se-á presa fácil de manipulações e domínio por parte de forças que, sob o pretexto de maior liberdade, a tornarão pelo contrário mais escrava ainda”.
O Papa chegou mesmo a prever que, no futuro da Irlanda, esse ataque teria como foco especial o domínio da sexualidade. “O atrativo do prazer, que deseja ser satisfeito todas as vezes e em toda a parte onde se encontrar, será forte e poderá apresentar-se-vos como parte do progresso a caminho de maior autonomia e libertação das normas.” Essa tentação viria especialmente dos “meios de comunicação social”, que apresentariam uma visão de mundo em que “cada um vive para si mesmo e em que a desenfreada afirmação de si próprio não deixa espaço para o interesse pelos outros”.
É essa, de fato, a lição que centenas incalculáveis de milhares, senão milhões, de bebês irlandeses aprenderão nos próximos anos.
Em sua homilia, o Papa também incluiu uma frase desanimadora, dadas as coisas que se passaram desde então. Falando da tentação de se afastar de Cristo, o Papa disse que “isso pode acontecer especialmente se virdes contradição, na vida de alguns companheiros vossos, entre a fé que professam e o modo como vivem”.
Eu me pergunto se o Papa sabia quão proféticas viriam a ser essas palavras. Muitas pessoas notaram que a Igreja Católica teve um papel surpreendentemente tímido no debate sobre a Oitava Emenda. “A Igreja, com exceção de uma pastoral e outra, ficou taticamente ausente”, escreveu o comentarista irlandês John Waters para o First Things.
A razão disso não é segredo para ninguém. Em anos recentes, a credibilidade moral da Igreja se perdeu. Revelações de abusos físicos e sexuais ocorridos dentro de instituições geridas pela Igreja, e acobertados por ela, minaram catastroficamente o seu poder de dizer qualquer coisa em matéria moral. A mídia está sempre pronta, em casos como esse, para lançar os próprios erros da Igreja em rosto.
Mas isso ainda não explica inteiramente a ausência conspícua de muitos pastores na batalha pela vida. “Imperdoável foi esse silêncio ter se estendido aos púlpitos”, disse John Waters. Mas também essa triste traição parece ter sido predita por João Paulo II. O Papa notou que, entre as muitas pessoas a dizer à juventude que suas práticas religiosas são “irremediavelmente antiquadas” e embaraçam “a vossa maneira de ser e o vosso futuro”, estariam “até pessoas religiosas” — inclusive, eu suponho que o Papa soubesse, alguns padres e bispos.
Um remédio simples
A homilia do Papa não foi, no entanto, só desgraça e melancolia para o futuro da Irlanda. As mensagens dos grandes profetas nunca são assim, mesmo quando eles são implacáveis em seus diagnósticos.
Face a todas as forças articuladas contra o Evangelho e à “doença moral” que “espreita” a sociedade irlandesa, os jovens devem voltar-se à única fonte de felicidade autêntica: Cristo. “Em Cristo descobrireis a verdadeira grandeza da vossa humanidade”, exortou o Papa. “Cristo possui as respostas aos vossos problemas e a chave da história; tem o poder de elevar os corações. Ele continua a chamar-vos, continua a convidá-los, Ele que é ‘o caminho, a verdade e a vida’.” Ainda que o chamado de Cristo seja “exigente”, disse o Papa, a juventude não deve ter medo, pois “só com Ele a vossa vida terá significado e será digna de ser vivida”.
Uma mensagem simples, é verdade, mas do que mais precisamos?
Para os pró-vida irlandeses, que derramaram seus perfumes e suas lágrimas em vão na defesa do nascituro, e que devem viver agora em um país moralmente alheio a eles, o que mais lhes resta senão Cristo? Para aqueles de nós, fora da Irlanda, que lutaram, jejuaram e rezaram pela terra de São Patrício, na esperança de que ela continuasse a ser um farol de luz e de esperança para o Ocidente, o que mais nosresta senão Cristo?
Os poderes deste mundo são fortes e, por ora, eles prevaleceram. Mas o Papa tinha uma mensagem também para aqueles de nós que talvez sintam que, “diante das experiências da história e das situações concretas, o amor perdeu a sua força e é impossível praticá-lo”. Não é assim, disse esse grande santo, pois, “com o tempo, o amor ganha sempre a vitória, o amor não sucumbe nunca”.
Para a Irlanda pró-vida, o dia 25 de maio foi um dia de trevas, de muitas trevas. O mais tenebroso dos dias. Mas o amor ainda vive. Os pró-vida devem agora se adaptar ao novo regime e encontrar novas formas de expressar esse amor no futuro da Irlanda: continuando a lutar, evidentemente, por leis pró-vida, com unhas e dentes, mas também encontrando formas novas e criativas de trazer amor a homens e mulheres sem esperança que começarão a procurar por “soluções” falsas nos matadouros da Irlanda… ensinando-os a amar a si mesmos e a seus filhos. Muitas vidas serão salvas dessa forma, assim como tem acontecido em outros lugares do mundo.
“Levemos esta intenção”, concluiu o Papa, depois de pedir aos irlandeses que continuassem a escutar a mensagem do Evangelho, “aos pés de Maria, Mãe de Deus e Rainha da Irlanda, exemplo de amor generoso e dedicação ao serviço dos outros”. Esse era o melhor caminho naquela ocasião, e é o melhor caminho para nós também agora.
Nossa Senhora do Silêncio de Knock,
rogai por nós, rogai pela Irlanda!
O último pedido de Santa Mônica
Antes de morrer, a mãe de Santo Agostinho não se preocupou com seu corpo, “não desejou ter rico monumento, nem mesmo ter sepultura na própria pátria”. Seu último desejo era outro, bem diferente…
Na Nova Lei nós temos o santo Sacrifício da Missa, do qual os vários sacrifícios da lei mosaica eram apenas frágeis figuras. O Filho de Deus o instituiu, não só como uma digna homenagem prestada pela criatura à Divina Majestade, mas também como uma propiciação pelos vivos e pelos mortos, isto é, como um meio eficaz de aplacar a Justiça Divina, afrontada por nossos pecados.
O santo Sacrifício da Missa era celebrado pelos defuntos desde o tempo da fundação da Igreja. “Nós celebramos o aniversário do triunfo dos mártires”, escreve Tertuliano no século III (De Corona, c. 5), “e, de acordo com a tradição de nossos pais, nós oferecemos o santo Sacrifício pelos defuntos no aniversário de suas mortes.”
“Não resta dúvidas”, escreve por sua vez Santo Agostinho (Serm. 34, De Verbis Apost.), “que as orações da Igreja, o santo Sacrifício, as esmolas distribuídas pelos falecidos, aliviam essas santas almas e incitam Deus a tratá-las com mais clemência do que merecem os seus pecados. Trata-se da prática universal da Igreja, uma prática que ela observa por haver recebido de seus antepassados, isto é, dos Apóstolos.”
Santa Mônica, a valorosa mãe de Santo Agostinho, quando estava prestes a expirar, não pediu a seu filho senão uma só coisa: que ele se lembrasse dela diante do altar do Senhor. Este santo Doutor, por sua vez, ao relatar em suas Confissões (l. IX, c. 11-13) esse incidente comovedor, suplica a todos os seus leitores que se unam a ele e encomendem sua mãe a Deus durante o santo Sacrifício da Missa.
Querendo voltar para a África, Santa Mônica foi com Santo Agostinho até Óstia, a fim de embarcar; mas ela caiu doente e rapidamente sentiu que seu fim estava se aproximando. “Enterrai este corpo em qualquer lugar”, ela disse a seu filho, “e não vos preocupeis com ele. Faço-vos apenas um pedido: lembrai-vos de mim no altar do Senhor, seja qual for o lugar em que estiverdes”: ut ad altare Domini memineritis mei.
Não nos parecia justo celebrar o funeral com lamentos e choros, pois essas demonstrações servem usualmente para deplorar a morte como infelicidade ou aniquilamento total, ao passo que essa morte não era uma desgraça, nem era para sempre. Estávamos certos disso pelo testemunho de seus costumes, pela sinceridade de sua fé e por outros motivos bem fundados. O que é que me fazia então sofrer interiormente, senão a chaga recente causada pela ruptura inopinada de um hábito tão suave e querido da vida em comum? […]
Curado já o meu coração dessa ferida, pela qual podia ser repreendido por um apego demasiadamente carnal, derramo agora diante de ti, meu Deus, por tua serva, um tipo bem diferente de lágrimas, aquelas que brotam de um coração comovido pelos perigos que corre todo homem que deve morrer em Adão.
É verdade que ela, regenerada em Cristo, ainda antes de ser libertada da carne, vivia de tal modo que o teu nome era glorificado na sua fé e nos seus bons costumes. Contudo, não ouso afirmar que desde o tempo em que a regeneraste pelo batismo não tenha escapado de sua boca alguma palavra contra a tua Lei. […] Ai do homem, mesmo de vida irrepreensível, se tu o julgares sem misericórdia! […]
Por isso, Deus do meu coração, minha glória e minha vida, esquecendo por um momento as boas obras de minha mãe, pelas quais te dou graças alegremente, peço-te perdão por seus pecados. Ouve-me, pelos méritos daquele Médico das nossas feridas, que foi suspenso no madeiro e que, sentado à tua direita, intercede por nós.
Sei que ela agiu sempre com misericórdia e que perdoou de coração as faltas contra ela cometidas. Perdoa-lhe também as suas faltas, se algumas cometeu em tantos anos de vida depois do batismo. Perdoa, Senhor, perdoa, eu te suplico, e “não chames a juízo a tua serva” (Sl 142, 2). Que a misericórdia triunfe sobre a justiça. Tuas palavras são verdadeiras, e prometeste misericórdia aos misericordiosos. […]
Eu creio que já fizeste tudo o que peço, mas acolhe, Senhor, as livres oferendas de meus lábios. Aproximando-se o dia de sua morte, minha mãe não se preocupou em ter seu corpo suntuosamente revestido ou embalsamado com aromas, não desejou ter rico monumento, nem mesmo ter sepultura na própria pátria. Não nos pediu nenhuma dessas coisas, mas desejou somente que nos lembrássemos dela diante de teu altar, ao qual ela não deixou um só dia de servir, porque sabia que aí se oferece a Vítima santa, pela qual ‘foi destruído o libelo contra nós’ (Cl 2, 14). […]
Que ela repouse em paz ao lado do marido, antes e depois do qual a ninguém ela desposou. Serviu a ele, oferecendo-te os frutos da paciência a fim de ganhá-lo para ti. E inspira, meu Senhor e meu Deus, inspira aos teus servos, aos meus irmãos, aos teus filhos, aos meus senhores, a quem sirvo com o coração, com a voz e com a pena, a fim de que, ao lerem estas páginas, se lembrem, diante de teu altar, de Mônica tua serva, e de Patrício, outrora seu esposo, pelos quais me introduziste misteriosamente nesta vida. Que se lembrem com piedosa emoção dos que foram meus pais nesta vida transitória […].
Assim, o último desejo de minha mãe será satisfeito, graças às minhas Confissões, e mais abundantemente com as orações de muitos, do que somente com as minhas.
Essa bela passagem de Santo Agostinho mostra-nos qual era a opinião desse grande Doutor quanto aos sufrágios oferecidos pelos defuntos, e fazem-nos ver claramente que o maior de todos os sufrágios é o santo Sacrifício da Missa.
“Ainda bem que não consegui abortá-lo”, revela mãe de Cristiano Ronaldo
Em lançamento de livro sobre a história da família, ela conta que tomou um chá abortivo para interromper a gestação, mas felizmente não funcionou
“Foi uma grande alegria, e ainda bem que não consegui abortar. Porque ele foi uma estrela que iluminou a nossa vida”. A frase foi dita por Dolores Aveiro, mãe do jogador de futebol Cristiano Ronaldo, à Gazeta Esportiva, durante o lançamento do livro “Mãe Coragem”, em São Paulo. A biografia, escrita pelo jornalista angolano Paulo Sousa Costa, conta a história de vida de Dolores e de Cristiano Ronaldo, passando pelo momento em que ela quase abortou o filho.
No livro o autor conta sobre a violência física sofrida por Dolores por parte do pai e da madrasta e de seu casamento na adolescência com o primeiro namorado. Aos 20 anos ela já era mãe de três filhos e levava uma vida precária e com um marido ausente. Passados 10 anos do nascimento da então filha caçula, Dolores se viu grávida da quarta criança e, não querendo mais passar pelo que já estava vivendo com os outros três, decidiu pelo aborto.
Ela então procurou por um médico que se recusa a interromper a gravidez. Disposta a não ter o filho, Dolores resolveu tomar um chá caseiro que não surtiu efeito e a forçou a seguir com a gestação.
Com o tempo, Cristiano Ronaldo acabou se tornando a alegria da família e a estrela que os iluminou, relata. “Por isso, quero aconselhar as mulheres a não fazerem isso, porque nunca se sabe o filho que vai ter. Acho que sou a ‘mulher coragem’, e quero dizer a todas as mulheres que lutem! As coisas mais valiosas que temos na vida são nossos filhos”, explicou à Gazeta Esportiva.
O livro tem como principal objetivo ser uma inspiração para outras mulheres, para que sejam fortes como ela foi. Além desse episódio na vida da família Aveiro, o livro conta sobre o início da carreira de Cristiano Ronaldo e do momento em que Dolores precisou deixar o filho que tinha apenas 10 anos, ir embora para Lisboa jogar futebol. Há ainda a ida para a Inglaterra, o tempo em que ela passou por um câncer e a alegria de ver o filho que quase foi abortado, se tornar pai em 2010.
Irlanda libera o aborto no país
Quem assistiu neste fim de semana à população da Irlanda sair às ruas com faixas nas mãos, braços erguidos e lágrimas nos olhos (principalmente se assistiu pelas lentes deformadas dos noticiários da TV aberta ou dos sites de notícias liberais), talvez tenha ficado com a impressão de que alguma coisa boa estivesse acontecendo. Os irlandeses teriam avançado nos “direitos das mulheres”, assegurando-lhes plena “liberdade sexual e reprodutiva”, superando “décadas de preconceito” no país et cetera.
Tantos eufemismos, porém, eram para dizer uma só coisa: que a Irlanda derrubou a Oitava Emenda de sua Constituição e… legalizou o aborto.
Talvez seja necessário lembrar, não só aos irlandeses, mas a todo o mundo, que a verdade não depende de maioria de votos.
O texto constitucional que 66,4% da população irlandesa pôs abaixo, por meio de um referendo, dizia expressamente o seguinte: “O Estado reconhece o direito à vida do não-nascido e, com a devida consideração ao igual direito à vida da mãe, garante em suas leis respeitar e, na medida do possível, defender e reivindicar esse direito”. Agora, ao invés, o que se lerá no mesmo lugar é: “Condições podem ser estabelecidas por lei para regular a terminação da gravidez.”
A nova mudança legal vem consolidar o afastamento definitivo da Irlanda de suas raízes cristãs. Um jornal brasileiro chegou a dizer que o “‘sim’ da Irlanda ao aborto” foi “um duro golpe para a Igreja Católica”.
Como cristãos católicos, precisamos reconhecer: ver o aborto legalizado, onde quer que seja, é de fato um golpe, e dos mais pesados. Mas seria o caso de nos perguntarmos se esse é um golpe apenas para a Igreja Católica e para conservadores — como a mídia em geral parece dar a entender —, ou se estamos a falar de algo maior, que afeta, no fundo, muito mais do que uma religião ou um segmento político.
Uma manchete dizendo, por exemplo, que o “sim” da Irlanda ao aborto é um duro golpe para crianças que ainda não nasceram, seria por acaso menos realista? O que é, afinal, um aborto, senão um golpe, literalmente falando, certeiro e mortífero, desferido contra um ser humano no ventre de sua mãe? A emenda constitucional que acaba de cair na Irlanda reconhecia claramente “o direito à vida do não-nascido”. A partir de agora, cabe perguntar, o que será feito desse direito? Simplesmente desaparecerá?
Por isso, o “sim” da Irlanda ao aborto é também um duro golpe para os direitos do homem. (Embora a expressão esteja hoje um tanto quanto desgastada, manipulada politicamente por grupos nem sempre preocupados de fato com a dignidade do homem, a crítica é cabível porque não há nada que repugne tanto ao senso de justiça que todo ser humano leva dentro de si do que o assassinato de um ser humano inocente, como acontece no aborto.)
Se Deus não existe, tudo é permitido, inclusive matar nossos próprios filhos.
A Irlanda pode até ter derrubado a Oitava Emenda, mas talvez seja necessário lembrar, não só aos irlandeses, mas a todo o mundo, que a verdade não depende de maioria de votos. Nem se todas as nações da terra tornassem legal o aborto (por unanimidade!) ele deixaria de ser o que é. Uma lei que autoriza um homicídio não o torna menos indigno ou menos imoral. Muito pelo contrário, são os Estados que perdem crédito e autoridade quando fazem concessões desse tipo, promulgando leis positivas diretamente contrárias à lei natural, inscrita na natureza mesma do ser humano.
Pode parecer antiquado falar disso nos dias de hoje, mas reconhecer o direito natural, “uma justiça anterior e superior à lei escrita”, é a única forma de evitar que totalitarismos como o nazismo, por exemplo, voltem a florescer. É a única forma de impor um limite ao poder dos Estados e impedir que seus decretos sejam “elaborados arbitrariamente” [1]. Ou, no caso da Irlanda, é a única forma de dizer “não” à “ditadura da maioria”, como se algo errado em si pudesse tornar-se moralmente legítimo só porque um, dois ou três terços de uma comunidade assim o quiseram e determinaram.
Como pessoas e sociedades inteiras possam ficar tão cegas assim, a ponto de não compreenderem mais a maldade de uma prática como o aborto, não é muito difícil entender. Embora o ser humano seja capaz, sempre e em todos os lugares, de reconhecer os princípios mais básicos da lei natural, o conhecimento de suas aplicações, no entanto,
[…] não é o mesmo em todos os homens e pode ser prejudicado por causas acidentais, como a força das paixões, os maus costumes ou o diverso desenvolvimento da razão e da civilização. É o que explica o fato de alguns povos terem chegado a considerar lícitos o furto ou a antropofagia [2].
Estão corretos os jornais, portanto, ao associar o resultado do referendo deste fim de semana à queda da prática religiosa na Irlanda. Quando uma sociedade se afasta de Deus e de uma moral objetiva, como a que oferece a doutrina católica, seus próprios elementos de civilização vão se perdendo…
Assim, não nos deveria assustar se, no futuro, alguns povos voltassem “a considerar lícitos o furto ou a antropofagia”. Se Deus não existe, afinal, tudo é permitido — até matar nossos próprios filhos. Quando deixam de acreditar em Deus, as pessoas passam a acreditar em qualquer coisa.
Referências
José Pedro Galvão de Sousa, Direito natural, direito positivo e estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 5.
Ibid., p. 16.