Há mais de um século a ciência defende e reitera: a vida inicia com o processo de fertilização ou concepção. Isso vale para todos os animais de reprodução sexuada incluindo nós seres humanos.
Para desprazer de certas agendas políticas e ideológicas os avanços da ciência não têm colaborado muito. Quanto mais avança a ciência e suas tecnologias mais claro tem se tornado o fato do início da vida ser a fertilização.
Não é a toa que foi dado o nome de contraceptivo ou anticoncepcional às famosas pílulas. Embora as pílulas tenham sido criadas e introduzidas no mercado por pessoas que defendiam o aborto de forma bastante ampla, o termo demonstra a preocupação que se tinha: evitar a concepção de embriões.
A história envolvendo o advento da contracepção artificial e da luta pelo direito do aborto é repleta de polêmicas e posturas que atentam contra os direitos humanos e princípios éticos, como pode ser visto ao conhecer um pouco de Margaret Sanger, intitulada a criadora da pílula e mentora do movimento e indústria da contracepção e do aborto no mundo atual.
Definitivamente não é necessário debater sobre a alma humana, sobre as origens transcendentes da vida ou sobre a posição de qualquer religião acerca desses temas. Embora essas abordagens também adicionem sentidos de grande relevo, se restringirmos o debate apenas aos conhecimentos científicos e a razão humana já teremos elementos suficientes para ver o início da vida humana e dialogar com nosso momento atual, usos e costumes, movimentos culturais, interesses e ideologias envolvidas.
Início da vida na concepção na visão da ciência
As evidências científicas e recentes avanços não só indicam que o início da vida ocorre na concepção como nos trazem muitas formas de ver isso. Se partirmos da simples descrição biológica vemos que é na concepção ou fertilização, com a união dos gametas, que passa a existir um novo DNA. Um embrião é formado ainda fora do útero materno. Esse embrião carrega toda sua carga genética, ou seja, nenhuma informação genética é passada ao embrião ou o feto após este marco da concepção.
Antes mesmo da nidação do embrião, a mulher começa a sentir sua mamas duras e doloridas. Isso ocorre devido às alterações hormonais iniciadas a partir da fertilização, que visam, dentre diversas finalidades, preparar as mamas para a amamentação. Ou seja, a mulher está grávida desde o momento da união dos gametas.
Também podemos compreender o início da vida entendendo como se dá a fertilização in-vitro. Nos casos de barriga de aluguel, por exemplo, é feita artificialmente a fertilização e o embrião é transferido para o útero de outra mulher. Se o início da vida ocorresse no meio da gestação, como dizem alguns, a mulher que é “barriga de aluguel” teria a incrível e contraditória capacidade de dar a vida ao bebê sem ser sua mãe biológica, pois ele não tem sua carga genética e não é seu filho biológico.
Os motivos pelos quais algumas pessoas acabam optando por uma fertilização in-vitro são, por exemplo, ausência de útero (mulher que teve de retirar o útero por alguma doença, por exemplo), defeitos congênitos como malformações uterinas, repetidas falhas de implantação em tentativas anteriores etc. Analisando os motivos para tal prática podemos ver que uma mulher que não tem capacidade de gestar uma criança pode ser mãe biológica de uma criança. Isso mostra que a implantação do embrião, por exemplo, ocorrida entre 5 a 7 dias após a concepção, é apenas uma etapa da formação dessa vida já em desenvolvimento. Não é o útero materno que “dá a vida” a cada um de nós, até porque se assim fosse, a mulher teria obtido informação genética do progenitor e “dado a vida” posteriormente e sozinha – a vida seria dada pela mãe e não pelo casal, outra interpretação bastante incoerente.
Desde o momento em que o embrião é composto por uma única célula, essa vida humana já tem sexo definido. A ciência atual já consegue mapear no embrião um grande número de características dessa pessoa, como a existência de síndromes, tendência à obesidade e até mensurar o potencial de desenvolvimento da inteligência da pessoa quando crescida.
Entusiastas e defensores da manipulação embrionária, dos contraceptivos e do acesso ao aborto vêm defendendo diferentes abordagens sobre o início da vida ou sobre a dignidade da vida humana.
A teoria da nidação, por exemplo, defende que somente na implantação do embrião é que ele deve ser considerado vida humana e sua eliminação até ali se assemelha a eliminar qualquer célula do corpo. Negligenciam fatos incontestáveis que diferenciam um embrião de qualquer outra célula. Essa comparação em geral ocorre, ou por completa falta de conhecimento sobre a ciência, ou por conta de interesses em conclusões convenientes, para justificar o uso de determinados métodos de controle de natalidade e ideologias, por exemplo.
Refutando a teoria da nidação ou implantação
Para defesa da teoria da nidação como marco inicial da vida se usa basicamente dois argumentos: 1) uma suposta viabilidade ou autonomia; 2) os casos de gêmeos univitelinos.
A alegação da viabilidade baseia-se em probabilidades e chances de sucesso, pois argumenta que por existir um alto número de concepções que não chegam a se implantar e são naturalmente eliminadas, esses embriões não seriam ainda vida humana. A lógica da chance de sucesso para determinar o que algo é ou deixa de ser parece bastante frágil. Nada deixa de ser o que é em função das probabilidades e chances de sucesso ou sobrevivência.
A teoria da implantação também argumenta acerca dos casos dos gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos), uma vez que na concepção têm-se um embrião e quando chega o momento da implantação no útero este embrião se divide, ou se replica, como uma clonagem, resultando em dois gêmeos idênticos, por exemplo. Não é preciso pensar muito para ver que certamente havia uma vida humana até aquele momento. É similar ao processo de clonagem artificial. Na clonagem, feita com animais, ninguém questiona se o animal que deu origem ao clone era uma vida ou não antes da existência de seu clone. Então por que haveria de se questionar a existência de uma vida humana na fase pré-implantação nos casos de gêmeos monozigóticos?
Enquanto a teoria da nidação tenta caracterizar o início da vida por meio de um marco, ou uma etapa, a ser ultrapassada dentro do processo de desenvolvimento humano, outras teorias como a do 14º dia, ou a teoria formação do sistema neural, defendem que seria um determinado avanço no desenvolvimento do próprio ser humano que lhe conferiria o caráter de vida humana, ou direitos e dignidade. Uma relativização perigosa e subjetiva.
Debates sobre início da vida
Um artigo de Barreto (2017), recentemente publicado no Brasil, fez um levantamento de diversas teorias sobre o início da vida. Arrisco dizer que muitas delas não poderiam sequer ser chamadas de “teoria sobre início da vida”. Veja a breve descrição de diversas teorias trazidas neste artigo:
Entre os critérios mais utilizados para delimitar o marco inicial da vida humana destacam-se a concepção propriamente dita ou o surgimento do novo genoma, muito utilizados por coincidirem com o critério biológico; a nidação do embrião à parede do útero materno, por sua acolhida na comunidade humana; o surgimento das células cardíacas ou das células nervosas diferenciadas, utilizado por simetria aos critérios de morte cardíaca ou encefálica; a viabilidade pulmonar para a vida extrauterina, porquanto o feto teria condições de vida independente do suporte biológico materno. (grifos nossos)
Segundo estes autores vemos que a teoria da concepção tem amparo na biologia enquanto a da nidação tem amparo em “acolhida na comunidade humana”. Ou seja, muita gente concorda. Não por acaso essa é a teoria adotada pela indústria farmacêutica que fornece “contraceptivos”.
Barreto (2017) relaciona vinte supostas teorias sobre início da vida que foram encontrados em artigos acadêmicos ou livros. Digo supostas teorias porque de fato, a grande maioria delas sequer merecem ser chamadas de teoria sobre início da vida, como é o caso da teoria do “Ser Moral”. Essa teoria usa como critério a “linguagem para comunicar vontades” e defende então o início da vida quando a criança atinge dois anos de idade. Outra teoria relacionada no estudo possui como critério para início da vida o nascimento, outra defende critério da “percepção visual”, em 28 a 30 semanas de idade gestacional, outra o sono-vigília do feto (em 28 semanas). Tem para todos os gostos.
A incoerência da teoria das células cardíacas e das células nervosas é clara e simples. Baseia-se numa tentativa de analogia com a morte cardíaca ou cerebral. Negligencia portanto, as grotescas diferenças existentes entre um cadáver de um ser humano nascido e que por condição adversas teve seu sistema cardíaco ou cerebral prejudicado, com um ser humano que está formando seu sistema neural e terá, em pouco tempo, de forma natural, atividade cerebral e cardíaca normais de um ser humano nascido.
Quando o assunto é acesso ao aborto fala-se bastante sobre a teoria da sensibilidade à dor verificável em 20 semanas de gestação. Primeiramente existem certas controvérsias científicas sobre o início da capacidade de sentir dor uma vez que são vistos reflexos a estímulos dolorosos com 7ª semana de gestação. Contudo, essa teoria é usada em muitos países para legalizar o aborto até 20 semanas, depois quando conseguem legalizar o aborto até 24 ou 30 semanas, os defensores da teoria da sensibilidade a dor em 20 semanas desaparecem ou passam a alegar simplesmente a autonomia da mulher, esquecendo-se do argumento que usaram outrora.
Contradições abortistas à parte, as principais teorias discutidas são a da concepção e a da nidação. Como vimos, a teoria da nidação conta com forte apelo da comunidade e da indústria, embora não goze de fundamentos sólidos. A teoria da nidação é conveniente para muita gente poderosa, como toda a indústria de contraceptivos hormonais, DIUs, pílulas do dia seguinte, indústria da fertilização in-vitro, cientistas que interessados na manipulação embrionária. A teoria da concepção, por sua vez, é tão sólida quanto inconveniente aos interesses institucionais capitalistas.
A beleza do genoma humano
Outra forma que ajuda a visualizar que o início da vida se dá na concepção é conhecendo um pouco melhor o genoma humano. A Dra. Lygia da Veiga Pereira, no livro Sequenciaram o genoma humano, explica que em nosso genoma existem 30 a 40 mil genes com instruções para a formação e funcionamento de todo o processo de desenvolvimento do ser humano. Todos os detalhes como “altura, cor da pele, cor dos olhos, quantidade de cabelo, tamanho do nariz, distribuição de gordura no corpo, formato do rosto, capacidade respiratória, cardíaca etc” (Pereira, p. 11) .
Poderiam ser descritos centenas de exemplos de como seu genoma perfeitamente descrevia você desde o momento em que seus pais o conceberam um embrião unicelular.
Pereira (2005) destaca que “nosso genoma, o conjunto dos nosso genes, é composto por DNA, que por sua vez é constituído” por “3 bilhões de elementos ordenados sequencialmente”, aos quais poderíamos escrever na forma de letras e equivaleria a “800 Bíblias”. A partir da “primeira célula” do embrião “serão derivados todos os trilhões de células que compõem um indivíduo adulto”.
A descrição da informação genética presente em cada um de nós, no momento em que fomos concebidos, tornou-se conhecida por meio do famoso médico cardiologista Dr. Enéas Carneiro, que ao término de completa e detalhada descrição demonstra que um cromossomo humano pode conter informação equivalente a 4 mil livros de 500 páginas cada um. Tratam-se das instruções e características de cada ser humano.
Chamar isso de um amontoado de células é leviano demais. Infelizmente já vi pessoas formadas em biologia, aqui no Brasil, compararem um embrião com um esperma ou com parasitas. Isso é lamentável. Enquanto o corpo humano trabalha para eliminar um eventual parasita, o corpo da mulher se transforma completamente, desde o primeiro dia da concepção de um embrião, para nutrir e acolher essa nova vida. As diferenças são brutais.
Quando dizem que não há consenso científico sobre o início da vida, lembre-se que isso se fundamenta em um debate em que se defende o início da vida no nascimento ou aos dois anos após nascido. Se não há consenso é por teimosia de alguns que, sem argumentos razoáveis, insistem em defender o que julgam mais conveniente às suas ideologias e preferências.
04 de abril de 2018. Todos os direitos reservados. Marlon Derosa e Dra. Ana Derosa
Informações:
Barreto, V., 2017. O marco inicial da vida humana: perspectivas ético-jurídicas no contexto dos avanços biotecnológicos. Caderno de Saúde Públia 2017; 33(6):e00071816. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/csp/v33n6/1678-4464-csp-33-06-e00071816.pdf>. Acesso em 18 mar. 2017.
Derosa, M. (Org.)., 2018. Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades. Ed. Estudos Nacionais. Cap. 4. Quando começa a vida segundo a ciência, por Dra. Ana Derosa.
Derosa, M. (Org.)., 2018. Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades. Ed. Estudos Nacionais. Cap. 15. A relação entre aborto e câncer de mama, por Dra. Angela Lanfranchi, Dr. Ian Gentles e Elizabeth Ring-Cassidy.
Derosa, A. 2017. Quando começa a vida humana? A ciência responde. Estudos Nacionais.
Pereira, L. 2005. Sequenciaram o genoma humano – E agora?. Coleção Polêmica. 2a edição. Moderna: São Paulo, SP.