Mãe de quíntuplos recusa aborto seletivo: “Eu já amava todos eles”

O que você faria se tivesse 26 anos e o médico lhe dissesse “Você está grávida de 5 bebês”?

Kim Tucci e seu marido Vaughn já tinham três filhos, um menino e duas meninas, quando decidiram que queriam um novo membro na família – quem sabe um menino, para empatar com as meninas.

Ela descobriu, porém, que o menino viria, mas muito bem acompanhado por quatro meninas!

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No entanto, temendo pela saúde dos bebês e de Kim – que tinha sido diagnosticada com endometriose –, os médicos sugeriram que ela fizesse um aborto seletivo.

“Depois do primeiro ultrassom, me aconselharam a considerar o método seletivo para dar a dois dos bebês chances melhores de viver. Assisti a um vídeo no YouTube sobre o procedimento e comecei a chorar. Jamais poderia fazer isso! Eu estaria sendo egoísta por não dar a dois deles 100% de chance de sobrevivência? Tudo o que eu sabia é que eu já amava todos eles e que a cada batida dos seus corações me conectava ainda mais com eles”, relata Kim em sua página no Facebook Surprised by Five.
Com a recusa a dar fim à vida de qualquer um dos bebês, a gestação quíntupla de Kim seguiu em frente. Os cinco irmãos nasceram em uma cesárea em janeiro de 2016 – um procedimento hercúleo que contou com uma equipe médica de 50 médicos e enfermeiros.

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“Meu corpo lutou a mais dura das batalhas para trazer cinco bebês a este mundo com segurança”, disse a mãe, eu tinha 26 anos na época. Keith, Penelope, Beatriz, Tiffany e Allison passaram pouco mais de dois meses na UTI neonatal antes de ir para casa.

Surpresa
No seu primeiro ultrassom, Kim recebeu a notícia de uma maneira completamente inesperada. “O médico começou a contar: um, dois, três, quatro… cinco! Eu ouvi direito? Cinco? Minhas pernas começaram a tremer incontrolavelmente e tudo que eu conseguia fazer era rir”, conta ela. “Eu podia ver o entusiasmo no rosto do meu marido, que me disse: ‘A gente consegue!’”

Kim traça a sua estima pelo valor da vida até a época em que teve o seu primeiro filho, Kurt, aos 18 anos de idade. Ele nasceu prematuro – oito semanas antes do esperado – em uma cesárea de emergência.

Embora tenha nascido com deficiência auditiva, Kurt superou bem o tempo na UTI neonatal, mas o mesmo não pode ser dito de todos os seus colegas de hospital.

“Havia várias mães adolescentes na UTI neonatal. Eu visitava Kurt várias vezes por dia e apenas sentava ao seu lado e segurava a sua mão. Uma vez, testemunhei o momento em que uma jovem mãe recebia a notícia devastadora de que os médicos não poderiam fazer mais nada por sua filha – ela tinha nascido cedo demais”, conta Kim.

“Deixei o hospital sem ver Kurt e sentei nos degraus, chorando. Passei a valorizar sempre mais a vida desde esse momento de puro sofrimento”.

As evidências do início da vida na concepção vs. opiniões e subjetividades

Há mais de um século a ciência defende e reitera: a vida inicia com o processo de fertilização ou concepção. Isso vale para todos os animais de reprodução sexuada incluindo nós seres humanos.

As evidências do início da vida na concepção vs. opiniões e subjetividades

Para desprazer de certas agendas políticas e ideológicas os avanços da ciência não têm colaborado muito. Quanto mais avança a ciência e suas tecnologias mais claro tem se tornado o fato do início da vida ser a fertilização.

Não é a toa que foi dado o nome de contraceptivo ou anticoncepcional às famosas pílulas. Embora as pílulas tenham sido criadas e introduzidas no mercado por pessoas que defendiam o aborto de forma bastante ampla, o termo demonstra a preocupação que se tinha: evitar a concepção de embriões.

A história envolvendo o advento da contracepção artificial e da luta pelo direito do aborto é repleta de polêmicas e posturas que atentam contra os direitos humanos e princípios éticos, como pode ser visto ao conhecer um pouco de Margaret Sanger, intitulada a criadora da pílula e mentora do movimento e indústria da contracepção e do aborto no mundo atual.

Definitivamente não é necessário debater sobre a alma humana, sobre as origens transcendentes da vida ou sobre a posição de qualquer religião acerca desses temas. Embora essas abordagens também adicionem sentidos de grande relevo, se restringirmos o debate apenas aos conhecimentos científicos e a razão humana já teremos elementos suficientes para ver o início da vida humana e dialogar com nosso momento atual, usos e costumes, movimentos culturais, interesses e ideologias envolvidas.

Início da vida na concepção na visão da ciência

As evidências científicas e recentes avanços não só indicam que o início da vida ocorre na concepção como nos trazem muitas formas de ver isso.  Se partirmos da simples descrição biológica vemos que é na concepção ou fertilização, com a união dos gametas, que passa a existir um novo DNA. Um embrião é formado ainda fora do útero materno. Esse embrião carrega toda sua carga genética, ou seja, nenhuma informação genética é passada ao embrião ou o feto após este marco da concepção.

Antes mesmo da nidação do embrião, a mulher começa a sentir sua mamas duras e doloridas. Isso ocorre devido às alterações hormonais iniciadas a partir da fertilização, que visam, dentre diversas finalidades, preparar as mamas para a amamentação. Ou seja, a mulher está grávida desde o momento da união dos gametas.

Também podemos compreender o início da vida entendendo como se dá a fertilização in-vitro. Nos casos de barriga de aluguel, por exemplo, é feita artificialmente a fertilização e o embrião é transferido para o útero de outra mulher. Se o início da vida ocorresse no meio da gestação, como dizem alguns, a mulher que é “barriga de aluguel” teria a incrível e contraditória capacidade de dar a vida ao bebê sem ser sua mãe biológica, pois ele não tem sua carga genética e não é seu filho biológico.

Os motivos pelos quais algumas pessoas acabam optando por uma fertilização in-vitro são, por exemplo, ausência de útero (mulher que teve de retirar o útero por alguma doença, por exemplo), defeitos congênitos como malformações uterinas, repetidas falhas de implantação em tentativas anteriores etc. Analisando os motivos para tal prática podemos ver que uma mulher que não tem capacidade de gestar uma criança pode ser mãe biológica de uma criançaIsso mostra que a implantação do embrião, por exemplo, ocorrida entre 5 a 7 dias após a concepção, é apenas uma etapa da formação dessa vida já em desenvolvimento. Não é o útero materno que “dá a vida” a cada um de nós, até porque se assim fosse, a mulher teria obtido informação genética do progenitor e “dado a vida” posteriormente e sozinha – a vida seria dada pela mãe e não pelo casal, outra interpretação bastante incoerente.

Desde o momento em que o embrião é composto por uma única célula, essa vida humana já tem sexo definido. A ciência atual já consegue mapear no embrião um grande número de características dessa pessoa, como a existência de síndromes, tendência à obesidade e até mensurar o potencial de desenvolvimento da inteligência da pessoa quando crescida.

Entusiastas e defensores da manipulação embrionária, dos contraceptivos e do acesso ao aborto vêm defendendo diferentes abordagens sobre o início da vida ou sobre a dignidade da vida humana.

A teoria da nidação, por exemplo, defende que somente na implantação do embrião é que ele deve ser considerado vida humana e sua eliminação até ali se assemelha a eliminar qualquer célula do corpo. Negligenciam fatos incontestáveis que diferenciam um embrião de qualquer outra célula. Essa comparação em geral ocorre, ou por completa falta de conhecimento sobre a ciência, ou por conta de interesses em conclusões convenientes, para justificar o uso de determinados métodos de controle de natalidade e ideologias, por exemplo.

Refutando a teoria da nidação ou implantação

Para defesa da teoria da nidação como marco inicial da vida se usa basicamente dois argumentos: 1) uma suposta viabilidade ou autonomia; 2) os casos de gêmeos univitelinos.

A alegação da viabilidade baseia-se em probabilidades e chances de sucesso, pois argumenta que por existir um alto número de concepções que não chegam a se implantar e são naturalmente eliminadas, esses embriões não seriam ainda vida humana. A lógica da chance de sucesso para determinar o que algo é ou deixa de ser parece bastante frágil.  Nada deixa de ser o que é em função das probabilidades e chances de sucesso ou sobrevivência.

A teoria da implantação também argumenta acerca dos casos dos gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos), uma vez que na concepção têm-se um embrião e quando chega o momento da implantação no útero este embrião se divide, ou se replica, como uma clonagem, resultando em dois gêmeos idênticos, por exemplo. Não é preciso pensar muito para ver que certamente havia uma vida humana até aquele momento. É similar ao processo de clonagem artificial. Na clonagem, feita com animais, ninguém questiona se o animal que deu origem ao clone era uma vida ou não antes da existência de seu clone. Então por que haveria de se questionar a existência de uma vida humana na fase pré-implantação nos casos de gêmeos monozigóticos?

Enquanto a teoria da nidação tenta caracterizar o início da vida por meio de um marco, ou uma etapa, a ser ultrapassada dentro do processo de desenvolvimento humano, outras teorias como a do 14º dia, ou a teoria formação do sistema neural, defendem que seria um determinado avanço no desenvolvimento do próprio ser humano que lhe conferiria o caráter de vida humana, ou direitos e dignidade. Uma relativização perigosa e subjetiva.

Debates sobre início da vida

Um artigo de Barreto (2017), recentemente publicado no Brasil, fez um levantamento de diversas teorias sobre o início da vida. Arrisco dizer que muitas delas não poderiam sequer ser chamadas de “teoria sobre início da vida”. Veja a breve descrição de diversas teorias trazidas neste artigo:

Entre os critérios mais utilizados para delimitar o marco inicial da vida humana destacam-se a concepção propriamente dita ou o surgimento do novo genoma, muito utilizados por coincidirem com o critério biológico; a nidação do embrião à parede do útero materno, por sua acolhida na comunidade humana; o surgimento das células cardíacas ou das células nervosas diferenciadasutilizado por simetria aos critérios de morte cardíaca ou encefálica; a viabilidade pulmonar para a vida extrauterina, porquanto o feto teria condições de vida independente do suporte biológico materno. (grifos nossos)

Segundo estes autores vemos que a teoria da concepção tem amparo na biologia enquanto a da nidação tem amparo em “acolhida na comunidade humana”. Ou seja, muita gente concorda. Não por acaso essa é a teoria adotada pela indústria farmacêutica que fornece “contraceptivos”.

Barreto (2017) relaciona vinte supostas teorias sobre início da vida que foram encontrados em artigos acadêmicos ou livros. Digo supostas teorias porque de fato, a grande maioria delas sequer merecem ser chamadas de teoria sobre início da vida, como é o caso da teoria do “Ser Moral”. Essa teoria usa como  critério a “linguagem para comunicar vontades” e defende então o início da vida quando a criança atinge dois anos de idade. Outra teoria relacionada no estudo possui como critério para início da vida nascimento, outra defende critério da “percepção visual”, em 28 a 30 semanas de idade gestacional, outra o sono-vigília do feto (em 28 semanas). Tem para todos os gostos.

A incoerência da teoria das células cardíacas e das células nervosas é clara e simples. Baseia-se numa tentativa de analogia com a morte cardíaca ou cerebral. Negligencia portanto, as grotescas diferenças existentes entre um cadáver de um ser humano nascido e que por condição adversas teve seu sistema cardíaco ou cerebral prejudicado, com um ser humano que está formando seu sistema neural e terá, em pouco tempo, de forma natural, atividade cerebral e cardíaca normais de um ser humano nascido.

Quando o assunto é acesso ao aborto fala-se bastante sobre a teoria da sensibilidade à dor verificável em 20 semanas de gestação. Primeiramente existem certas controvérsias científicas sobre o início da capacidade de sentir dor uma vez que são vistos reflexos a estímulos dolorosos com 7ª semana de gestação. Contudo, essa teoria é usada em muitos países para legalizar o aborto até 20 semanas, depois quando conseguem legalizar o aborto até 24 ou 30 semanas, os defensores da teoria da sensibilidade a dor em 20 semanas desaparecem ou passam a alegar simplesmente a autonomia da mulher, esquecendo-se do argumento que usaram outrora.

Contradições abortistas à parte, as principais teorias discutidas são a da concepção e a da nidação. Como vimos, a teoria da nidação conta com forte apelo da comunidade e da indústria, embora não goze de fundamentos sólidos. A teoria da nidação é conveniente para muita gente poderosa, como toda a indústria de contraceptivos hormonais, DIUs, pílulas do dia seguinte, indústria da fertilização in-vitro, cientistas que interessados na manipulação embrionária. A teoria da concepção, por sua vez, é tão sólida quanto inconveniente aos interesses institucionais capitalistas.

A beleza do genoma humano

Outra forma que ajuda a visualizar que o início da vida se dá na concepção é conhecendo um pouco melhor o genoma humano.  A Dra. Lygia da Veiga Pereira, no livro Sequenciaram o genoma humano, explica que em nosso genoma existem 30 a 40 mil genes com instruções para a formação e funcionamento de todo o processo de desenvolvimento do ser humano. Todos os detalhes como “altura, cor da pele, cor dos olhos, quantidade de cabelo, tamanho do nariz, distribuição de gordura no corpo, formato do rosto, capacidade respiratória, cardíaca etc” (Pereira, p. 11) .

Poderiam ser descritos centenas de exemplos de como seu genoma perfeitamente descrevia você desde o momento em que seus pais o conceberam um embrião unicelular.

Pereira (2005) destaca que “nosso genoma, o conjunto dos nosso genes, é composto por DNA, que por sua vez é constituído” por “3 bilhões de elementos ordenados sequencialmente”, aos quais poderíamos escrever na forma de letras e equivaleria a “800 Bíblias”. A partir da “primeira célula” do embrião “serão derivados todos os trilhões de células que compõem um indivíduo adulto”.

A descrição da informação genética presente em cada um de nós, no momento em que fomos concebidos,  tornou-se conhecida por meio do famoso médico cardiologista Dr. Enéas Carneiro, que ao término de completa e detalhada descrição demonstra que um cromossomo humano pode conter informação equivalente a 4 mil livros de 500 páginas cada um. Tratam-se das instruções e características de cada ser humano.

Chamar isso de um amontoado de células é leviano demais. Infelizmente já vi pessoas formadas em biologia, aqui no Brasil, compararem um embrião com um esperma ou com parasitas. Isso é lamentável. Enquanto o corpo humano trabalha para eliminar um eventual parasita, o corpo da mulher se transforma completamente, desde o primeiro dia da concepção de um embrião, para nutrir e acolher essa nova vida. As diferenças são brutais.

Quando dizem que não há consenso científico sobre o início da vida, lembre-se que isso se fundamenta em um debate em que se defende o início da vida no nascimento ou aos dois anos após nascido. Se não há consenso é por teimosia de alguns que, sem argumentos razoáveis, insistem em defender o que julgam mais conveniente às suas ideologias e preferências.


 04 de abril de 2018. Todos os direitos reservados.              Marlon Derosa e Dra. Ana Derosa


Informações:

Barreto, V., 2017. O marco inicial da vida humana: perspectivas ético-jurídicas no contexto dos avanços biotecnológicos. Caderno de Saúde Públia 2017; 33(6):e00071816. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/csp/v33n6/1678-4464-csp-33-06-e00071816.pdf>. Acesso em 18 mar. 2017.

Derosa, M. (Org.)., 2018. Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades. Ed. Estudos Nacionais. Cap. 4. Quando começa a vida segundo a ciência, por Dra. Ana Derosa.

Derosa, M. (Org.)., 2018. Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades. Ed. Estudos Nacionais. Cap. 15. A relação entre aborto e câncer de mama, por Dra. Angela Lanfranchi, Dr. Ian Gentles e Elizabeth Ring-Cassidy.

Derosa, A. 2017. Quando começa a vida humana? A ciência responde. Estudos Nacionais.

Pereira, L. 2005. Sequenciaram o genoma humano – E agora?. Coleção Polêmica. 2a edição. Moderna: São Paulo, SP.

A Irlanda Eugenista e os seus castelos em ruínas: o futuro sombrio não será uma lenda urbana

Por Gabriela Cavalcanti*

I Morte aos não nascidos

 “Eliminar pessoas deficientes, as malformadas ou as muito doentes” – qualquer entusiasta da experiência nazista estufaria o peito e diria: é o conteúdo da verdadeira ciência da evolução, chamada Eugenia. Mas a pseudociência – aparentemente descartada e em tese inadmissível em nosso tempo, esse tempo de hiatos entre o presente e o passado (ARENDT, The Origins of Totalitarism, 1979) e embargado pelos traumas da Segunda Guerra Mundial – não só coexiste amistosamente como é fomentado, difundido e abastecido pelos discursos oficiais dos Direitos Humanos no âmbito nacional e internacional.

Em artigo publicado eletronicamente nesta revista em 16 de março de 2017 foi divulgado um dado apresentado pelo obstetra irlandês dr. Peter Mc. Parland em assembleia especial na Irlanda, que deixou em estado de choque os que o ouviam. A Islândia pode ser considerada o primeiro país a “erradicar a Síndrome de Down” – recorrendo, para tanto, à morte dos portadores no momento da gestação. Esse tipo de procedimento é conhecido como aborto eugênico. “Não houve um só nascimento de bebê com Síndrome de Down nos últimos cinco anos”, afirmou o médico.

Infelizmente, o retrocesso à barbárie não poupou a Irlanda, que aprovou, com 66, 4% dos votos, a legalização do aborto. A ferocidade de uma maioria no referendo realizado em 25 de maio de 2018 revoga a oitava emenda à Constituição. Os resultados definitivos foram divulgados na tarde deste sábado no castelo de Dublin. Com isso, o aborto passa a ser permitido de forma irrestrita em solo irlandês até a 12ª semana de gestação e em caso de risco para a saúde da mulher ou anormalidade fetal (significa: extermínio de fetos com algum tipo de indicação de fragilidade, deficiência ou síndrome, ou seja, eugenia positiva) até a 23ª semana. Ironicamente, “não nascido” em irlandês é, literalmente, beo gan breith, que significa “vivo, mas ainda não nascido”. Até a língua irlandesa transpirou linguisticamente o oposto odioso do seu povo.

 

II A corrida eugenista

 

Reflexo do modo como são tratados os não nascidos, a Islândia corresponde apenas à “campeã” da corrida contra o nascimento de crianças portadoras de necessidades especiais, pois outros países ganham fôlego nessa corrida eugênica: a Dinamarca já anuncia que em 10 anos terá conseguido o mesmo objetivo. Nos Estados Unidos são 85% e Reino Unido, 90% dos bebês diagnosticados com a Trisomia 21 (Síndrome de Down) são abortados. Em 2014, apenas 65 bebês com a síndrome nasceram na Espanha, dos 609 que haviam sido diagnosticados em ultrassonografias de rotina. Essas informações, da Fundação Jerôme Lejeune, dão conta ainda de que, somente 65 destes pequeninos puderam desfrutar de seu direito à vida, enquanto as vidas de outros 544 bebês foram lamentavelmente consideradas inúteis e merecedoras de um aborto. Fiquemos atentos ao mundo e aos seus sinais totalitários.

 

III Requintes de crueldade em nome do estado de bem-estar hedonista

A argumentação contemporânea em prol da interrupção da gestação conta com um requinte de crueldade que funciona como recheio para a casca de alegações politicamente corretas: sofrimentos poupados – dos genitores e dos bebês – que precisaram constituir suas histórias com sacrifícios, renúncias, preconceitos e limitações de ordem física e intelectual.  Para este objetivo, vale apelar para:

  1. A afirmação de que a vida humana intrauterina, condição existencial da extrauterina, é uma mera extensão corporal possível de ser extirpada do corpo hospedeiro e
  2. A barbárie para sofisticar a doutrinação darwiniana aos olhos do humanismo e da aparente compaixão: se vale a inevitável luta dos mais fortes pelos mais fracos – ainda que dissolvida em novos recursos argumentativos sinuosos – não é preciso ter paciência para respeitar o direito à vida e à morte espontânea de ninguém que interrompa ou comprometa o bem estar de si mesmo e dos outros, é possível usar a condição existencial especial de um ser humano em formação para reforçar ideologia de eliminação desses inimigos objetivos da felicidade.

 

IV Eles, os fracos expurgos: inimigos objetivos dos prazeres alheios

 

Segundo Arendt (1979) os inimigos objetivos, pela visão totalitária, são definidos porque são consideradas como perigosas porque portadora de tendências. Ou seja, são inimigas de um determinado propósito tão somente por sua condição objetiva, por exemplo, ascendência de uma etnia indesejada.

Na contemporaneidade, os inimigos objetivos são crianças e adultos com necessidades especiais – todas essas condições humanas são consideradas, na atualidade, hostis aos objetivos da felicidade – no sentido mais hedonista e deturpado desse último termo. É justamente esse o cerne da questão: o modo como são tratadas pessoas com necessidades específicas – seja por uma síndrome, por uma condição de idade avançada ou uma doença intratável – corresponde ao termômetro totalitário e genocida de uma sociedade. A sociedade educada para a indisposição a qualquer tipo sacrifício, uma exigência moral de tempo e dedicação ao Outro acolhe a morte silenciosa de centenas e milhares de vidas humanas não deveria se estarrecer com a burocratização e banalidade do funcionalismo público alemão nos tempos sombrios dos Holocausto.

Essa rápida reflexão apresenta a justificativa não só da defesa de intervenção médica em gestações consideradas “perigosas” ao objetivo do prazer da vida como tornam o útero o laboratório demonstrativo da convicção de que tudo é possível – o lócus que permite não apenas o extermínio físico das pessoas, mas também a eliminação controlada e tratada como mero procedimento técnico. Por sinal, este é o conceito filosófico de campo de concentração. E não há no campo de concentração nenhum critério de justiça – todos os castigados são inocentes – e nenhuma possibilidade de misericórdia. Eis o campo de concentração pós-moderno, inimaginável até para a criatividade nefasta das piores experiências totalitárias: o útero.  Assustadoramente, a substituição do termo funcionou e o sangue vazou pelas arestas da palavra.

(*) Gabriela Cavalcanti
Graduada em Direito (UNEB) e Mestre em Direitos Humanos (UFPE)
11 de junho de 2018. Todos os direitos reservados. 

Aborto é preconceito!

Negar à pessoa com deficiência o direito à vida, que é o primeiro de todos os direitos, constitui ato de preconceito para com ela, desqualificando as suas capacidades e a sua dignidade

“Todos os poderes pela vida” foi o título escolhido para divulgar a manifestação que ocorrerá nesta quarta-feira, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, em consonância com vários atos que já vêm ocorrendo pelo Brasil. Executivo, Legislativo e Judiciário podem trabalhar para promover a vida de cada cidadão – ou contra ela, como quando abrem brechas para o aborto. A escolha do STF deve-se ao processo que lá corre, pedindo a liberação do aborto no caso de a mãe ter sido infectada pelo zika vírus.

O julgamento havia sido agendado para 7 de dezembro de 2016, mas não ocorreu pela complexa pauta política. Naquele dia, um grupo de 60 parlamentares protocolou um documento a todos os ministros do STF, indicando que seria uma usurpação do trabalho do Congresso se o STF se pronunciasse sobre o assunto. Efetivamente, não faltam no Congresso projetos de lei referentes ao aborto, tanto para favorecê-lo como para dificultá-lo, de modo que não se pode acusar o Legislativo de estar se omitindo no debate.

A probabilidade de uma mãe com zika ter um filho com deficiência é pequena

A probabilidade de uma mãe com zika ter um filho com deficiência é pequena. Estudo estatístico realizado na Polinésia Francesa, onde 66% da população teve zika, mostrou que apenas 1% das crianças nascidas de grávidas afetadas teve microcefalia. Se essa pequena possibilidade for aceita como razão para aborto, certamente a liberação se estenderá para as demais deficiências, como a síndrome de Down, facilmente detectável por exames durante a gravidez. Já há países em que mais de 90% das crianças com essa síndrome são abortadas.

Evidenciando o preconceito presente nessa proposta, e defendendo o direito à vida das crianças com deficiência, estará presente a jornalista Ana Carolina Cáceres, portadora de microcefalia. “É possível, sim, viver com microcefalia, eu sou uma prova disso”, afirma a jornalista em vídeo que gravou para as redes sociais, convidando para o evento.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência diz, em seu artigo 1.º: “É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.” E, em seu artigo 5.º, “A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante”.

Negar à pessoa com deficiência o direito à vida, que é o primeiro de todos os direitos, constitui ato de preconceito para com ela, desqualificando as suas capacidades e a sua dignidade. Queremos que a sociedade brasileira continue a ser acolhedora e não discriminatória.

Lenise Garcia, doutora em Microbiologia e professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília, é presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.

O desprezo pela vida humana

Na Irlanda e na Argentina, eleitores e eleitos se mostraram incapazes de ver no nascituro alguém merecedor de todo o respeito e proteção

 | Osvaldo Fantoni/AFP

A proteção da vida humana desde a concepção, uma consequência lógica do reconhecimento da dignidade intrínseca de cada ser humano, sofreu duas duras derrotas em poucos dias. Em 25 de maio, na Irlanda, a população, em referendo, aprovou, com dois terços dos votos válidos, uma mudança na Constituição do país permitindo que o Parlamento legisle sobre o tema da forma que bem entender – até então, o aborto era ilegal no país exceto nos casos de risco de vida para a mãe. E nesta quarta-feira, a Câmara dos Deputados argentina aprovou, por 129 votos a 125, um projeto de lei que permitirá o aborto no país até a 14.ª semana de gestação. Em ambos os casos, o ataque contra a vida ainda não está sacramentado, mas o contexto político não permite nutrir muitas esperanças.

Apesar de a religião católica ter sido, por muito tempo, um forte componente da identidade nacional irlandesa, os escândalos de abusos sexuais cometidos por sacerdotes e encobertos por bispos demoliram a autoridade moral da Igreja Católica no país, um fator que colaborou para o resultado do plebiscito, além do apoio avassalador de partidos e líderes políticos – incluindo o primeiro-ministro Leo Varadkar – ao “sim”, opção que permitiria a mudança na legislação. Após o resultado do referendo, o governo quer enviar ao Parlamento uma proposta permitindo o aborto em qualquer situação até a 12.ª semana de gestação. Entre a 12.ª e a 24.ª semana, o aborto estaria liberado em caso de má-formação fetal, risco para a vida para a mãe ou algum outro risco para a saúde da mãe (um conceito bastante arbitrário). Depois da 24.ª semana, o aborto só seria permitido em caso de má-formação fetal.

A ofensiva mundial pela legalização do aborto nos lembra que também no Brasil os defensores da morte trabalham

Esse tipo de proposta deve ser aprovado pelo Parlamento. Durante a campanha do referendo, nenhum dos principais partidos irlandeses se opôs à legalização: o Sinn Féin fechou questão pelo “sim”; Fianna Fáil e Fine Gael não adotaram posição única, deixando seus parlamentares e filiados livres para votar de acordo com sua consciência, mas vários de seus principais líderes se colocaram publicamente do lado pró-aborto, incluindo o primeiro-ministro Varadkar, que é do Fine Gael. Por isso, apenas uma reviravolta surpreendente poderá impedir que o Legislativo irlandês torne o aborto legal no país.

E, caso isso aconteça, não apenas a vida dos nascituros passa a estar sob ameaça no país; a liberdade religiosa também será atacada. Depois do resultado do referendo, Varadkar já deixou claro que a objeção de consciência se aplicará apenas a indivíduos, mas não a instituições. Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde podem se recusar a fazer um aborto, mas um hospital pertencente a alguma igreja ou instituição religiosa, ou que tenha um ethos religioso que inclua a posição pró-vida, terão de realizar o procedimento se houver, em sua equipe, médicos dispostos a tal. Uma flagrante violação a direitos básicos e que já gerou discussões acaloradas nos Estados Unidos, onde o chamado “Obamacare” (a lei que ampliou o acesso da população americana a planos de saúde) chegou a forçar entidades religiosas a bancar contracepção (e, dependendo da interpretação da lei, até mesmo medicamentos abortivos) a seus funcionários. Em outubro de 2017, uma medida do presidente Donald Trump restaurou a liberdade dessas instituições, protegendo ainda outras empresas cujos proprietários também tenham restrições morais a certas práticas.

Na Argentina, após a votação na Câmara, o Senado ainda tem de dar seu aval ao projeto, e os líderes das duas maiores bancadas na casa disseram ao jornal Clarín que o texto deve ser aprovado. Com isso, a última barreira estaria no presidente Mauricio Macri, que se diz pró-vida e poderia vetar a lei. No entanto, Macri preferiu a covardia, tendo afirmado que, se o Congresso aprovar a legalização do aborto, ele sancionará a lei – ou seja, não usará uma prerrogativa que a legislação lhe confere nem mesmo quando se trata de impedir um ataque contra a vida humana.

Só podemos lamentar essa crescente perda de sensibilidade em que eleitores e eleitos se tornam incapazes de ver no nascituro alguém merecedor de todo o respeito e proteção. O aborto nada mais é que a eliminação deliberada daqueles que são os mais indefesos e inocentes dos seres humanos, e essa ofensiva mundial por sua legalização nos lembra que também no Brasil os defensores da morte trabalham. Aqui, no entanto, usam uma estratégia diferente: como a população e os congressistas rejeitam amplamente qualquer proposta de legalização, os abortistas contam com o Judiciário, sabedores de que têm a simpatia e mesmo o apoio explícito de vários ministros do Supremo Tribunal Federal. Que eles tenham a sensatez de reconhecer que uma liberação por via judicial seria não apenas uma intromissão inaceitável nas atribuições de outro poder, o Legislativo, mas, acima de tudo, seria um atentado contra a dignidade inviolável de um ser humano cujo direito à vida existe desde o momento da concepção.

Um aborto processual

A ADPF 442 tem como fim atropelar o natural e insubstituível debate legislativo sobre o aborto por meio de uma resposta jurisdicional do STF

 | Robson Vilalba/Thapcom

Na falta de uma agenda parlamentar mais consistente, o partido de “oposição à esquerda”, cujo nome já se perde na contradição de expressões que lhe deram, resolveu ficar na oposição da democracia: ingressou com uma ação constitucional, a ADPF 442, com o fim de atropelar o natural e insubstituível debate legislativo sobre o aborto por meio de uma resposta jurisdicional do STF, o qual, no frigir dos ovos, se verá, mais uma vez, tentado a prodigalizar outra aula de ativismo judicial.

Explico. Esse partido, que porta a única dimensão existencial em que o socialismo rima com a liberdade, pleiteia a descriminalização do aborto até a 12.ª semana de gestação do feto, hipótese não contemplada pelos dois incisos do artigo 128 do Código Penal. Em outras palavras, o partido pretende, por meio do exercício do direito à jurisdição, cujo véu, diáfano, permite vislumbrar o autoritarismo da atitude, que as 11 cabeças iluminadas de nossa suprema corte, ao fim, acabem por legislar no lugar dos 513 deputados e 81 senadores que foram eleitos para isso.

Como diz a turma que defende o homicídio uterino, “precisamos falar de aborto”. Realmente. Mas venhamos e convenhamos: os argumentos lançados em prol da execução de seres inocentes e indefesos já viraram um grande e entediante monólogo de um mesmo e estultificante discurso pleno de razões e nulo de razão.

Os argumentos lançados em prol da execução de seres inocentes e indefesos já viraram um grande e entediante monólogo

A ADPF 442, um verdadeiro e próprio panfleto abortista, estampa, em sua inicial, aquele monólogo cujos argumentos, no limite, dada a inconsistência lógico-teórica invencível, mais lembram a arte de esgrimir a parede. Ei-los: retórica utilitária (“o futuro mutilado de adolescentes grávidas ou de mulheres abandonadas já com muitos filhos”), criminal (“só se punem as mulheres pobres”), sanitária (“abortos clandestinos matam muitas gestantes”), feminista (“sou dona do meu corpo”) ou eugênica (“sofre disso ou daquilo e não tem viabilidade existencial”).

Não se pretende dissecar todas essas linhas retóricas. Apenas uma delas, a mais sofisticada, a premissa retórica escrita na petição inicial, de que “seres humanos não nascidos não são pessoas, mas simples criaturas humanas intraútero”.

Quer dizer que, até o dia em que eu nasci, eu fui um amontoado celular, com uma vida manipulável ao sabor dos interesses alheios. Quando minha cabeça passou pelo ventre de minha mãe, num passe de mágica, eu virei pessoa e, a partir de então, minha vida passou a ser tutelada pela lei e pelo ente estatal. Ou, dito de outra forma, segundo o autor da ação, eu não precisaria esperar pelas 40 semanas para me tornar pessoa: a partir da 13.ª, eu já poderia respirar aliviado.

Independentemente do suporte biológico que sustenta a tese da 12.ª semana – que, no fundo, é uma desculpa científica que porta uma visão eugenista da vida –, essa mesma tese parte de um pressuposto bem claro: uma espécie de reconhecimento do outro como pessoa baseado somente na projeção de uma identidade, quando o feto deixaria de ser feto e passaria a se chamar Elena ou Letizia.

O problema é que essa “validade onomástica” tornaria o direito à vida uma faculdade e não um dever. Privatiza-se a noção de vida humana. Para mim, é Sofia; para ele, é uma parte do corpo; para ela, um “ente” a ser validado por uma relação de identidade e, para os partidários da “liberdade socialista”, “simples criaturas humanas intraútero”.

Nietzsche recordava-nos de que “na história da sociedade, há um ponto de fadiga e enfraquecimento doentios em que ela até toma partido pelo que a prejudica e o faz a sério e honestamente”. É o caso da ADPF 442, um verdadeiro aborto processual, porque pretende inovar na ordem jurídica brasileira, ao arrepio do diálogo legislativo nas duas câmaras parlamentares, e fazer da pauta abortista – a pauta da cultura da morte – uma espécie de destino inexorável de nossa sociedade.

Corrijo: não precisamos falar de aborto. Precisamos falar de feto. O feto é apenas o que fomos antes da nossa configuração presente. O feto será uma criança, um adolescente ou um adulto se não existir nenhum obstáculo terminal pelo caminho. A questão fundamental está em saber que direito tem um partido de ser esse obstáculo.

André Gonçalves Fernandes
Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, membro da ADFAS e do Movimento Magistrados pela Justiça.