Confira a entrevista concedida pela Dra. Carolina Delage, ao Jornal O São Paulo, em 27 de julho de 2014

Humanae Vitae inspira médica a indicar método natural de fertilização – Doutora Carolina Delage
 
A ginecologista-obstetra Carolina Delage percorreu o caminho de tantos outros profissionais. Formou-se em Medicina pela PUC de São Paulo, campus Sorocaba; fez residência médica em ginecologia e obstetrícia na Universidade de São Francisco, em Bragança Paulista, e especialização em endocrinologia ginecológica na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Montou e estabilizou seu escritório, até que se deparou com um problema pessoal: a dificuldade de engravidar. Católica, procurava explicações sobre a restrição da Igreja aos métodos de fertilização e reprodução assistida. Um amigo lhe deu a Encíclica Humanae Vitae, do Servo de Deus Paulo VI, e outros documentos da Igreja. Começava um processo de conversão que resultou no conhecimento da fertilidade. Doutora Carolina quer torná-lo conhecido no Brasil.
 
O SÃO PAULO – Na Faculdade de Medicina, os professores ensinam os métodos naturais de planejamento familiar?
Doutora Carolina – Na faculdade, os professores apenas citam que existem os métodos naturais, mas não os ensinam a fundo, simplesmente porque acreditam que esses métodos não funcionam.
 
O SÃO PAULO – Qual era sua postura nos anos anteriores à sua descoberta sobre o ensinamento da Igreja com relação aos anticoncepcionais?
Doutora Carolina – Sempre tive uma abordagem humana e de respeito à paciente, mas respeitava anticoncepcionais como a maioria dos meus colegas.
 
O SÃO PAULO – E como se deu a mudança?
Doutora Carolina – Começou como uma experiência pessoal. Eu não conseguia engravidar. Cheguei a tentar conceber através dos desgastantes métodos de reprodução assistida, mas veio o questionamento: Por que a minha Igreja é contra isso? Depois de tanto perguntar e refletir, um amigo da nossa paróquia nos sugeriu a leitura da Humanae Vitae. Li essa Encíclica do papa Paulo VI, escrita há 46 anos, mas que é incrivelmente atual. Foi uma revolução interna para mim.
 
O SÃO PAULO – Qual trecho da Humanae Vitae lhe chamou mais a atenção?
Doutora Carolina – A Encíclica é muito rica, mas o parágrafo 13 diz algo que foi decisivo no meu processo de mudança: “Assim, quem refletir bem, deverá reconhecer de igual modo que um ato de amor recíproco, que prejudique a disponibilidade para transmitir a vida que Deus Criador de todas as coisas nele inseriu segundo leis peculiares, está em contradição com o desígnio constitutivo do casamento e com a vontade do Autor da vida humana. Usar desse dom divino, destruindo o seu significado e a sua finalidade, ainda que só parcialmente, é estar em contradição com a natureza do homem, bem como a da mulher e da sua relação mais íntima; e por conseguinte, é estar em contradição com o plano de Deus e com a sua vontade”. Esse trecho me mostrou que quando você interrompe o fluxo da vida no ato conjugal, você exclui Deus dessa relação.
 
O SÃO PAULO – Além da Humanae Vitae, algum outro documento da Igreja lhe ajudou nesse processo?
Doutora Carolina – A Donum Vitae, instrução sobre o Respeito à Vida Humana Nascente e Dignidade da Procriação, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1987. Ela traz como ponto central: “o embrião deve ser tratado como pessoa e defendido em sua integridade”.
 
NOTA DA REDAÇÃO: O 7º Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), elaborado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aponta que em 2013 o Brasil tinha cerca de 38 mil embriões congelados em clinicas de reprodução assistida.
 
O SÃO PAULO – Depois dessa “revolução interna”, o que aconteceu?
Doutora Carolina – Conheci uma médica que também tinha dificuldade para engravidar. Ela me falou sobre um método Natural de Planejamento Familiar, Creighton Model System, que além de possibilitar o espaçamento do nascimento dos filhos, também ajuda os casais inférteis a engravidar, estando de acordo com os preceitos de nossa fé. No entanto, para conhecer esse tratamento teria de ir aos Estados Unidos, pois ainda não existia nenhum médico aqui no Brasil que conhecesse esse método. Nessa ocasião, fiz um curso de Teologia, ministrado pelo Instituto Paulo VI, que abordava as questões moreis da contracepção e da reprodução artificial mais a fundo. Voltei ao Brasil decidida a dar uma guinada na forma de atender minhas pacientes. Resolvi não prescrever mais pílulas anticoncepcionais ou outros tipos de métodos contraceptivos, mas ainda não tinha todo o embasamento técnico para ministrar o Creighton Model System. Foram seis meses de sofrimento, até conseguir retornar aos Estados Unidos e fazer o curso médico para daí mudar a minha prática clínica.
 
O SÃO PAULO – Em que consiste esse método?
Doutora Carolina – O criador do sistema, Dr. Thomas Hilgewrs, há cerca de 35 anos foi para a Austrália estudar com o Dr. Billings, criador do método de planejamento natural da família que leva o seu nome. O método Billings, também aprovado pela Igreja, consiste na auto-observação da mulher e identificação do seu período fértil, possibilitando ao casal escolher se deseja gerar uma vida naquele momento ou não. Dr. Hilgers, a partir do método Billings, padronizou a forma de as mulheres observarem a secreção vaginal e classificou os tipos de secreção. Com isso, além do método possibilitar a identificação do período ovulatório, o sistema viabiliza o diagnóstico de alterações no ciclo fértil das usuárias do método. Com tratamento desses distúrbios, o Creighton Model System ajuda as pacientes com problemas de fertilidade a engravidarem no ato conjugal com seus maridos e não através de métodos de reprodução artificial.
 
O SÃO PAULO – Qual o índice de fertilização obtida com esse método?
Doutora Carolina – O índice de fertilização das usuárias do método é de até 80%, aliando-o ao tratamento médico.
 
O SÃO PAULO – O que mais lhe encanta nesse método?
Doutora Carolina – O método permite à mulher se conhecer e cooperar com a sua saúde, pois ela aprende a ler as informações que seu próprio organismo oferece. Aos casais, o sistema gera uma maior partilha de amor e de responsabilidade. De um modo geral, faz as pessoas refletirem sobre suas escolhas e decisões e não levarem a vida no automático. Como usuária do método,percebi a verdadeira forma de usar o livre-arbítrio, exercido com responsabilidade. Aprendi que somos chamados a sermos co-criadores do Reino de Deus e não “árbitros”, como quando se opta por um método contraceptivo, contra a vida. Como médica aprendi uma ciência que de fato visa a contribuição para saúde das minhas pacientes e não a supressão do organismo ou omissão diagnóstica. Veja, por exemplo, os casos de mulheres que têm síndrome do ovário policístico. Elas apresentam ciclos menstruais irregulares e por isso são orientadas a usar anticoncepcionais (é o que existe de consenso no meio científico). No entanto, o anticoncepcional inibe o funcionamento do organismo da mulher, que passa a ser regido quimicamente. Quando a paciente, por algum motivo, tiver que parar de tomar o anticoncepcional, a chance de o quadro clínico retomar é muito grande. O Creighton Model System possibilita corrigir esse problema de forma que seu organismo passe a ser regido fisiologicamente, sem precisar do anticoncepcional para menstruar regularmente.
 
O SÃO PAULO – E se o problema de fertilidade estiver relacionado com o homem?
Doutora Carolina – Nesse caso, o método também pode ser indicado, melhorando ainda mais o organismo da mulher, atuando no muco cervical, na ovulação, no endométrio, capacitando o corpo para melhor receber o espermatozoide do marido em ato conjugal e desenvolver a gravidez.
 
O SÃO PAULO – Com o conhecimento adquirido com o método, a senhora não receita mais anticoncepcionais e contraceptivos. Qual a reação de sãs antigas pacientes?
Doutora Carolina – Em primeiro lugar, vejo que cresce o numero de mulheres que querem optar por métodos naturais, seja por motivos ético-religiosos, seja por preocupação com a própria saúde, já que eles não têm efeitos colaterais. Explico o método natural, Creighton Model System, e falo sobre minha postura profissional. Se a paciente não concorda, procura outro médico.
 
O SÃO PAULO – O que você diria a um casal que não consegue engravidar, mas que não quer recorrer a métodos contrários ao ensinamento da Igreja?
Doutora Carolina – Em primeiro lugar, peço que façam uma reflexão: “queremos ser pais, ou apenas ter um filho?” A primeira opção envolve amor; a segunda, talvez envolva egoísmo. Também gostaria que vissem a adoção não como para alguns casais, a última opção, mas mais uma opção, uma bela opção, aliás. Além disso, é possível recorrer ao método de procriação natural com base no Creighton Model System.
 
Fonte: Jornal O São Paulo ed nº 3013

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