Pe. José Eduardo comenta as manifestações blasfemas nos desfiles deste ano

Em seu Facebook pessoal, o pe. José Eduardo Oliveira compartilhou o seguinte comentário a propósito de mais um carnaval em que se insistiu em agredir a fé católica sob a ubíqua desculpa da liberdade de expressão.
DE ONDE VEM O “EVANGELHO” DA SAPUCAÍ
(Escrevi este texto rapidamente, sem muito capricho; é meio longo, mas acredito que a leitura possa ser instrutiva).

1. Um falso evangelho

Existem questões em que não é possível transigir sem trair a própria consciência, assim como há ensinos que não se podem tolerar sem sacrificar a integridade da verdade. Para um cristão, o mais importante, aquilo que está acima de tudo, é a custódia da essência do Evangelho, pois dele depende a nossa salvação individual e a dos demais seres humanos.

Era esta clarividência que constrangia São Paulo a manifestar sem hesitação a sua tempestuosa repreensão à comunidade dos gálatas: “Admiro-me de que, tão depressa, abandonando aquele que vos chamou na graça de Cristo, tenhais passado a outro evangelho” (Gl 1,6). Ele acusa aqueles que tentam “corromper o Evangelho de Cristo” (Gl 1,7) e diz por duas vezes que quem o fizer, mesmo que seja um anjo do céu, “é anátema” (Gl 1,8), isto é, excomungado. O Apóstolo chega a repreender São Pedro por sua dissimulação (cf. Gl 2,11-15) e diz que os gálatas, depois de terem “começado no espírito, terminam na carne” (Gl 3,6).

Toda a Epístola é uma chuva de repreensões contra a leviandade de se passar a um outro “evangelho”.

2. Restrição seletiva dos conteúdos do Evangelho

Nos últimos dias, os cristãos do Brasil mais uma vez foram provocados através das manifestações blasfemas de uma escola de samba que usou a imagem Cristo identificando-a com aquilo que os marxistas chamam de lumpemproletariado, o extrato maltrapilho da sociedade, e tudo naquele conhecido contexto de sincretismo e sensualidade que caracterizam o carnaval. Até aqui, sem novidades. Infelizmente, a blasfêmia e o sacrilégio são bastante habituais nestes ambientes contestatórios das raízes cristãs da sociedade.

O problema real começa quando vemos pessoas cristãs que apresentam tais manifestações como expressão da Palavra de Deus, a tal ponto de atribuir-lhes a alcunha de “O Evangelho da Sapucaí”. Como isso é possível? Por que estas pessoas não conseguem enxergar que este não é o Cristo da Revelação? Qual a dificuldade de perceberem que Cristo não foi anunciado, mas usado para promover ideologias, num caldo de depravação e excessos que, antes de honrá-lo, o ultrajam, juntamente com todos os seus discípulos?

Deixando de lado a cegueira política de quem se esqueceu de Deus e o trocou por um partido, precisamos perceber que restringir o Evangelho a certos conteúdos humanistas, apresentando-os como se fossem o todo, é o modo mais fácil de pervertê-lo, ainda mais quando, com isto, se induz as pessoas ao pecado, à transgressão de todos os dez mandamentos. Escolhe-se dos conteúdos do Evangelho o que mais se adapta à própria ideologia e silenciam-se os conteúdos incômodos. Mas o problema fica ainda mais nítido quando nos confrontamos justamente com o todo do Evangelho.

3. A essência do Evangelho

Ao contrário daquilo que apregoa a ideologia naturalista e similares, o Evangelho não é uma mera ética de inspiração religiosa que engaja os seres humanos num projeto idealista (vale dizer, utópico) de sociedade.

Como dizia Santo Agostinho, “o que são, portanto, as leis de Deus escritas por ele mesmo nos corações senão a própria presença do Espírito Santo, que é o Dedo de Deus e que, com a sua presença, derrama em nossos corações a caridade, que é o cumprimento da lei e o seu têrmo? As promessas do Velho Testamento são terrenas. (…) Agora, prometem-se os bens do próprio coração, o bem da mente, o bem do espírito, isto é, um bem não material, quando se diz: ‘eu colocarei as minhas leis na sua mente e a inscreverei no seu coração’. Com isto faz entender que não seriam subjugados pelo medo de uma lei que aterroriza desde fora, mas pelo amor da própria justiça da lei que habita no interior” (AGOSTINHO, S., De spiritu et littera, n. 36).

Na mesma linha, São Tomás de Aquino ensina que “o principal na lei do Novo Testamento e no que está toda a sua força é a graça do Espírito Santo, que se dá pela fé em Cristo. Por conseguinte, a lei nova (o Evangelho) é principalmente a própria graça do Espírito Santo, que se dá aos fieis de Cristo” (TOMÁS DE AQUINO, S., Suma Teológica, I-II, q. 106, a. 1, solução).

Em outras palavras, o Evangelho não é uma mera ética, é a própria presença de Deus em nós, agindo pela sua graça. Portanto, trata-se de uma realidade sobrenatural, que não se confunde com as realidades naturais, embora não lhes seja contraposta.

Esta distinção de planos é aquilo que fazia São Tomás distinguir uma dupla ordem na Divina Providência: a Providência geral sobre o mundo e a Providência especial para os eleitos (cf. TOMÁS DE AQUINO, S., Questões disputadas sobre a verdade, q. 5, a. 7, resposta) e é o mesmo que fazia Santo Agostinho, em seu trecho célebre de “A Cidade de Deus”, distinguir entre a cidade de Deus e a cidade dos homens: “dois amores construíram duas cidades: a terrena, o amor próprio até o desprezo de Deus; e a celeste, o verdadeiro amor de Deus até o desprezo de si” (AGOSTINHO, S., A Cidade de Deus, XIV,28). Não se trata de estruturas justapostas ou contraditórias, mas de duas ordens diferentes na realidade, sendo que a sobrenatural transcende a natural, ordenando-a a uma perfeição a que esta não poderia chegar por si mesma.

A essência do Evangelho é, portanto, Deus agindo naquele que crê mediante a sua graça salvadora e santificadora, como efeito da graça de Cristo, obtida especialmente em seu sacrifício expiatório na Cruz. É esta realidade o centro da mensagem do Evangelho, aquilo que chamamos de querigma, e que o próprio Papa Francisco exortou a que seja explicitamente pregado (cf. FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica Evangelii gaudium, n.160).

4. O “evangelho” mundano

Os teólogos modernos, porém, estavam excessivamente preocupados em evitar que a Igreja se fechasse num monólogo abstrato e se afastasse das realidades históricas. A preocupação não é, em si mesma, descabida, mas acabou dando espaço para uma confusão teológica entre os planos sobrenatural e natural.

Numa conferência de 1964, o teólogo holandês Edward Schillebeekx (“A Igreja e o mundo”, em SCHILLEBEECKX, E., O mundo e a Igreja, Paulinas, São Paulo: 1971) afirmou que “o mundo é um cristianismo implícito, é expressão própria, não sacral, mas santificada, da comunhão do homem com o Deus vivo” (p. 187). “Quando a Igreja fala do ‘mundo’, fala de uma expressão verdadeiramente cristã da vida teologal dos seus fieis e, ao mesmo tempo, da expressão terrena do cristianismo implícito dos que não recorrem à sua doutrina” (pp. 191-192). Ademais, ele diz que “acentuar a transcendência da graça com prejuízo de sua imanência constituirá sempre um desprezo à própria transcendência ou, pelo menos limitará muito unilateralmente esta imanência às formas eclesiais sagradas e institucionais da graça, pois a presença ativa (repleta de graça) do mistério na humanidade-que-faz-a-história não sacraliza a natureza e a história, nem lhes rouba o seu sentido profano, e sim as santifica, introduzindo-as na intimidade com Deus” (p. 198) e, por fim, “a Igreja ama o mundo em si mesmo e não porque possui ele capacidade receptiva de graça. Ama-o efetivamente, isto é, com um amor que cria valores, e por isso, deseja que o mundo produza aqueles grandes valores humanos de que necessita como do pão: a liberdade de consciência, o valor pessoal do matrimônio e da família, a cultura, um sistema econômico, social e político capaz de proporcionar uma vida humana cristãmente digna e, finalmente, uma comunidade mundial fundada na ordem e na paz” (p. 201).

O que Schillebeeckx propõe é exatamente uma teologia que assuma os valores do mundo como valores cristãos implícitos e, portanto, assuma as agendas do mundo como agendas próprias do cristianismo. A distinção de planos foi reduzida apenas a uma explicação retórica. O medo do monólogo levou ao monismo, a graça foi diluída na natureza.

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Gustavo Gutiérrez o diz explicitamente no final da segunda parte de “Teologia da Libertação” (9ª. edição, Loyola, São Paulo: 2000): “A consequência mais imediata desta perspectiva é que as fronteiras entre vida de fé e tarefa terrestre, Igreja e mundo, tornam-se mais fluidas. Como diz E. Schillebeeckx: ‘Não só as fronteiras entre Igreja e humanidade se apagam em direção à Igreja, mas ainda podemos afirmar que se apagam também em direção à humanidade e ao mundo’. Alguns até se perguntam se são duas coisas realmente distintas: ‘Será a Igreja realmente algo distinto do mundo?… A Igreja é do mundo: em certo sentido, a Igreja é o mundo: a Igreja não é um não-mundo’. Há, porém, outra consequência que nos importa. A afirmação da vocação única para a salvação, além de toda distinção, valoriza religiosamente, de forma inteiramente nova, o agir de homens e mulheres na história: cristãos e não cristãos. A construção de uma sociedade justa tem valor de aceitação do reino ou, em termos que nos são mais próximos: participar do processo de libertação já é, de certo modo, obra salvadora. Estamos, pois, diante da afirmação de um mundo cada vez mais autônomo, ‘não religioso’ ou, positivamente, um mundo maior. Mas também diante de uma vocação única à salvação que valoriza cristãmente – embora de modo diferente do passado – toda a história humana. Fustigada por este duplo movimento – não isento de interpretações abusivas e que nem sempre se expressa com suficiente rigor – a distinção de planos aparece como um esquema esgotado, sem resposta diante dos progressos da reflexão teológica. Assim, tanto no nível dos compromissos concretos dos cristãos no mundo de hoje como no da reflexão teológica contemporânea, a distinção de planos é percebida como insuficiente. Se em dado momento a mencionada teologia motivou e acompanhou a presença dos cristãos na construção do mundo, hoje aparece, em sua rigidez, superada e carente de dinamismo diante das novas questões que se estabelecem. O que há de válido nessas dimensões só poderá ser mantido numa radical mudança de perspectiva” (pp. 127-129).

Curiosamente, Johannes Baptist Metz chegou mesmo a afirmar, num congresso realizado em 1988 em Maryknol, Nova York, para comemorar os 60 anos de Gustavo Gutierrez, que a Teologia da libertação não é somente uma nova ética teológica (uma ética de opção pelos pobres), mas é uma nova Teologia por inteiro (cf. METZ, J. B., Theology in the Struggle for History and Society; in The Future of Liberation Theology, Essays in honor of Gustavo Gutierrez, edited by Marc Ellis and Otto Maduro, Orbis Books, Maryknoll, 1989, p. 165).

5. A adulteração de um novo “evangelho” seletivo

Em resumo, o Evangelho deixou de ser considerado em sua dimensão sobrenatural e transcendente, recortando-se-lhe apenas aquelas dimensões que estão em consonância com o mundo secularista, cujos valores humanistas foram seletivamente colhidos do próprio cristianismo.

É de recortes como estes que nasce a apreciação de uma adulteração tão flagrante da imagem de Jesus Cristo, esvaziada de sua divindade, de sua santidade, de sua sobrenaturalidade. O “evangelho da Sapucaí” tem um nascedouro: ele é fruto de uma teologia de baixo, que se rendeu completamente ao mundo e que se compreende como sua escrava.

Este “evangelho” não converte ninguém, é ele que se converte ao mundanismo. Nele, os cristãos estão sempre errados e o mundo está sempre certo. Aí, os pobres são apenas usados como ferramenta retórica, enquanto se bajula o establishment.

“Ó gálatas insensatos, quem vos enfeitiçou? E Jesus Cristo crucificado não tinha sido descrito diante de vossos olhos?… Sois assim tão insensatos? A ponto de, depois de terdes começado pelo Espírito, quererdes terminar na carne?” (Gl 3,1-3), a ponto de quererdes terminar no carnaval?…

Uma carta da Irmã Lúcia, vidente de Fátima, sobre a grandiosidade do Santo Terço

FATIMA

Joao Paulo Trindade | AFP

Redação da Aleteia | Fev 17, 2020

“Nestes tempos de desorientação diabólica, nos não deixemos enganar por falsas doutrinas”

O texto seguinte foi escrito pela Irmã Lúcia, que, na infância, tinha sido uma das três crianças que testemunharam a aparição de Nossa Senhora em Fátima. Ele trata da natureza e da recitação do terço e faz parte de uma coletânea de excertos de cartas escritas por ela entre 1969 e 1971.

Coimbra, 4 de dezembro de 1970

Querida Maria Teresa,

Pax Christi,

A nossa Madre recebeu a sua carta e pede desculpa de não responder pessoalmente; mas não lhe é possível neste momento, em que está com tanto que fazer por causa da próxima fundação do novo Carmelo de Braga. Por este motivo, entregou-me a carta para que responda eu. É o que venho fazer.

A nossa Madre não pode dar a licença que a Maria Teresa deseja. Mas também não é necessária. Eu não devo nem posso pôr-me em evidência. Devo permanecer em silêncio, na oração e na penitência. É a maneira como melhor posso e devo auxiliar. É preciso que todo o apostolado tenha, como base, este fundamento; e esta é a parte que o Senhor escolheu para mim; orar e sacrificar-me pelos que lutam e trabalham na vinha do Senhor e pela extensão do seu Reino.

É por este motivo que o meu nome não deve aparecer. Em vez dele, é muito mais eficaz que se sirva do Nome de Nossa Senhora, sugerindo o movimento como “Cumprimento” da Mensagem, apresentando como argumento a insistência com que Nossa Senhora pediu e recomendou que se reze o Terço todos os dias, repetindo o mesmo em todas as Aparições, como que prevenindo-nos para que, nestes tempos de desorientação diabólica, nos não deixemos enganar por falsas doutrinas, diminuindo na elevação da nossa alma para Deus, por meio da oração.

Por certo, não é preciso rezar o Terço durante a celebração do Santo Sacrifício da Missa: tempo deve haver para a Santa Missa e tempo para rezar o Terço: Podemos e devemos tomar parte numa coisa sem deixar a outra. O Terço é, para a maioria das almas que vivem no mundo, como que o pão espiritual de cada dia; e privá-las ou tirar-lhes esta oração, isto é, diminuir nos espíritos o apreço e a boa fé com que a rezavam, é, na parte espiritual, o mesmo ou mais ainda; tanto mais quanto a parte espiritual é superior à material. Digo: É como se na parte material privassem as pessoas do pão necessário à vida física.

Infelizmente, o povo, na sua maioria, em matéria religiosa, é ignorante e deixa-se arrastar por onde o levam. Daí, a grande responsabilidade de quem tem a seu cargo conduzi-lo; e todos nós somos condutores uns dos outros, porque todos temos o dever de ajudar-nos mutuamente, e andar pelo bom caminho.

Além do que tenho dito, será bom que à oração do Terço se dê um sentido mais real que aquele que se lhe tem dado, até aqui, de simples oração “mariana”. Todas as orações que rezamos no Terço são orações que fazem parte da Sagrada Liturgia; e, mais que uma oração dirigida a Maria, é dirigida a Deus:

— O Pai-Nosso foi-nos ensinado por Jesus Cristo, dizendo: “Rezai, pois, assim: Pai Nosso, que estais nos Céus…”

— “Glória ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo …” é o hino que cantaram os Anjos enviados por Deus para anunciar o nascimento do Seu Verbo, Deus feito homem.Advertising

— A Ave-Maria, bem compreendida, não é menos uma oração dirigida a Deus: “Ave, Maria, gratia plena, Dominus tecum“: Eu te saúdo, Maria, porque contigo está o Senhor! Estas palavras são, com certeza, ditadas pelo Pai ao Anjo, quando o enviou à terra, para que com elas saudasse Maria. Sim! O Anjo veio dizer, a Maria, que ela era cheia de Graça não por ela, mas porque com ela estava o Senhor!

— “Bendita sois vós entre as mulheres e Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”: Estas palavras, com que Isabel saudou a Maria, foram-lhe ditadas pelo Espírito Santo, diz-nos o Evangelista: “Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, … ficou cheia do Espírito Santo. Erguendo a voz, exclamou: Bendita és tu entre as mulheres e Bendito é o fruto de teu ventre”. Sim! Porque esse fruto é Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem!

Assim, esta saudação é um louvor a Deus: És bendita entre as mulheres, porque é Bendito o fruto do teu ventre; e porque tu és a Mãe de Deus feito homem, em Ti adoramos a Deus como no primeiro Sacrário, no qual o Pai encerrou o Seu Verbo; como primeiro Altar, o teu Regaço; primeira Custódia, os teus braços, diante dos quais se ajoelharam os Anjos, os pastores e os reis, para adorar o Filho de Deus feito homem! E porque tu, ó Maria, és o primeiro Templo vivo da Santíssima Trindade, onde mora o Pai, o Filho e o Espírito Santo; “o Espírito virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo, que vai nascer, há-de chamar-se Filho de Deus” (Lc. 1, 35). E, já que és um Sacrário, uma Custódia, um Templo vivo, morada permanente da Santíssima Trindade, Mãe de Deus e Mãe nossa, “roga por nós, pobres pecadores, agora e na hora da nossa morte”.

Quem poderá negar que isto é uma oração e um louvor dirigido a Deus?! Será mais que para dirigir a Deus os nossos louvores, as nossas adorações, as súplicas, nos ajoelhemos diante de altares de madeira, pedra ou metal, ou de custódias douradas, insensíveis, incapazes de rogar por nós?!

Certo é que São Paulo diz que há um só Medianeiro junto do Pai. Sim! Como Deus, há um só, que é Jesus Cristo. Mas o mesmo Apóstolo pede que roguem por ele e recomenda que roguemos uns pelos outros. Poderia, então, o Apóstolo não crer que a oração de Maria não fosse tão agradável a Deus como a nossa?! É a desorientação diabólica que invade o mundo e engana as almas! É preciso fazer-lhe frente; e para isso pode servir-se do que aqui lhe digo. Mas como coisa sua, sem dizer o meu nome; como coisa que lhe sai ao correr da pena. E, na verdade, sua é, porque, na qualidade de membros que somos do Corpo Místico de Cristo, tudo é nosso, porque tudo é da Cabeça, Cristo Jesus.Advertising

E fico no meu lugar, rezando por si, por todos aqueles que consigo vão trabalhar, para que seja uma campanha que dê muita glória a Deus, leve muita luz e graça às almas, paz à Santa Igreja e ao mundo ensanguentado em guerras.

Talvez também fosse bom apresentar a campanha, não só como cumprimento da Mensagem, mas também como campanha de oração e penitência pela paz do Mundo, da Santa Igreja e de Portugal nas Províncias Ultramarinas. E que Portugal, que é tão devoto da Eucaristia e de Maria, seja o primeiro a reconhecer que a oração do Terço não é somente uma oração Mariana, mas também Eucarística. E, por isso, nada deve impedir que se possa rezar diante do Santíssimo Sacramento. Em prova disto está que o Santo Padre Pio XI havia concedido indulgência plenária a quem rezasse o Terço diante do Santíssimo; e recentemente foi de novo concedida a mesma indulgência por Sua Santidade Paulo VI.

É, pois, preciso rezar o Terço, nas Cidades, nas Vilas e nas Aldeias, pelas ruas, pelos caminhos, de viagem ou em casa, nas igrejas e capelas! É a oração acessível a todos, e que todos podem e devem rezar. Há muitos que diariamente não assistem à oração litúrgica da Santa Missa; se não rezam o Terço, que oração fazem?! E, sem oração, quem se salvará?! “Vigiai e orai para não entrardes em tentação”.

É preciso, pois, orar, e orar sempre. Isto é, que todas as nossas atividades e trabalhos sejam acompanhados de um grande espírito de oração, porque é na oração que a alma se encontra com Deus; e é nesse encontro que se recebe graça e força, ainda mesmo quando ela é acompanhada de distrações. Ela leva sempre às almas um aumento de Fé, ainda que não seja mais que a recordação momentânea dos mistérios da nossa Redenção, lembrando o Nascimento, Morte e Ressurreição do nosso Salvador; e Deus saberá descontar e perdoar o que toca à humana franqueza, ignorância e pouquidade.

Quanto à repetição das Ave-Marias, não é como querem fazer crer que seja uma coisa antiquada. Todas as coisas que existem e foram criadas por Deus se mantêm e conservam por meio da repetição, continuada sempre, dos mesmos atos. E ainda a ninguém ocorreu chamar antiquado ao sol, lua, estrelas, aves e plantas etc., porque giram, vivem e brotam sempre do mesmo modo! E são bem mais antigos que a reza do Terço! Para Deus, nada é antigo. São João diz que os bem-aventurados, no Céu, cantam um cântico novo, repetindo sempre; Santo, Santo é o Senhor, Deus dos Exércitos! É novo, porque, na luz de Deus, tudo aparece com novo brilho!Advertising

Um grande abraço da sempre em união de orações.

Irmã Lúcia
i.c.d.

Católico pode ou não participar do carnaval?

CARNIVAL

Shutterstock | Albert PegoCompartilhar1kAleteia Brasil | Fev 20, 2020

A resposta começa com algumas perguntas bem objetivas

A agência católica ACI Digital publicou matéria baseada nos comentários de André Parreira, do Instituto Nacional da Pastoral Familiar e da Família, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sobre até que ponto um católicopode participar das festas ligadas ao carnaval.

Segundo o escritor:

“A resposta pode começar com outra pergunta: alguém poderia dizer que os blocos, desfiles e bailes de Carnaval não são ambientes propícios ao pecado, com tanto álcool, nudez e erotização? As modas das mini-roupas (as bermudinhas viraram o traje oficial!) e fantasias minúsculas ou de caráter sexual refletem o pudor daqueles que tem consciência de que são templo do Espírito Santo? Até mesmo as marchinhas já são um risco, pois, embora muitas sejam interessantes e divertidas, boa quantidade delas carrega grande erotização”.

O próprio Parreira conta que já participou do carnaval, mas deixou até mesmo de acompanhá-lo pela televisão:Publicidade

“Esta (anti)cultura não será transmitida por minha esposa e por mim aos nossos filhos. Aqui em casa não entram nem as músicas de carnaval. Não é questão de gostar ou não, nem mesmo se trata de alienação, mas é questão de acertar a nossa caminhada para os caminhos que se afeiçoam mais com o Senhor. Sei que vou desagradar a muita gente católica que tem paixão pelo carnaval, espera ansiosamente pela data e dispara contra qualquer um que queira levantar a questão”.

Ele cita então a perspectiva de alguns santos:

  • Santo Afonso Maria de Ligório: “diz que a fuga das ocasiões de pecado é grande dever em nosso caminho de crescimento espiritual”;
  • Santa Faustina: “relata o sofrimento do coração de Jesus nos dias de carnaval”;
  • São João Maria Vianney: “dizia que o anjo da guarda ficava do lado de fora dos salões de baile e que algumas danças são a corda com que o demônio arrasta mais almas para o inferno”;
  • São Carlos Borromeu: “jamais podia compreender como os cristãos podiam conservar este perniciosíssimo costume do paganismo”.

Parreira evoca ainda uma reflexão de dom Henrique Soares, bispo de Palmares, PE:

“Devemos, então, rejeitar em bloco o carnaval atual? A resposta pronta não existe! Se um cristão julga poder brincar o carnavalzão do mundo sem cometer excessos, sem dar azo à imoralidade, sem a dispersão interior violenta que nos tira da presença de Deus e da realidade, então brinque em paz! Eu duvido muito que isto seja possível, mas é preciso respeitar a consciência de cada um! Que os cristãos deem preferência a brincar o carnaval em grupos de cristãos, de modo puro, sereno, inocente, fraterno, com toda alegria que nasce de um coração que sabe o sentido verdadeiro da existência”.

Para encerrar, André Parreira considera que a resposta de cada católico sobre participar ou não do carnaval é individual:

“A liberdade é um presente que Deus nunca vai nos tirar”.

E a liberdade consiste justamente em escolher, à luz da própria consciência.

A Eutanásia na Bélgica

Quando a eutanásia é legalizada, a mentalidade coletiva de uma cultura a respeito do significado e da importância da vida humana se distorce. Acabar logo com o sofrimento torna-se mais importante do que proteger a vida dos vulneráveis.

Wesley J. Smith | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere | 12 de Fevereiro de 2020

Maravilha das maravilhas: a Bélgica está processando três médicos pela prática ilegal da eutanásia. Depois que Tine Nys, 38, recebeu uma injeção letal, os familiares denunciaram os médicos — um deles, psiquiatra — às autoridades. Eles alegam que a injeção letal aplicada em Nys violou as diretrizes que os médicos deveriam seguir de acordo com as leis de eutanásia na Bélgica. 

As alegações dos familiares são perturbadoras. Nys fora diagnosticada com autismo alguns meses antes de sua morte. Quando jovem, sofria de um transtorno depressivo e tentou suicídio. Mas os membros da família relatam que ela ficou muitos anos sem precisar de tratamento e que, na verdade, queria morrer por causa de um relacionamento desfeito. Segundo a lei, Nys não estava sofrendo de uma desordem “séria e incurável” — requisito necessário para que uma pessoa recorra legalmente à eutanásia.

Depois que Tine Nys recebeu uma injeção letal, os familiares denunciaram os médicos às autoridades.

De acordo com a mídia, esse caso demonstra que a Bélgica trata com seriedade a observância de limites rigorosos para a eutanásia. Mas “rigorosos” e “limites” são conceitos contraditórios quando estamos falando de médicos belgas que matam seus pacientes. Deveríamos ficar angustiados com o fato de essa ser uma das poucas tentativas de responsabilizar médicos, levando-se em conta que as autoridades têm feito vista grossa para outros casos igualmente graves, evitando tomar quaisquer medidas criminais ou administrativas.

A eutanásia foi legalizada na Bélgica em 2002, em meio às usuais garantias displicentes de que firmes limitações impediriam seu abuso. Mas as promessas eram falsas. Desde que a lei entrou em vigor, médicos têm aplicado a eutanásia não apenas em pacientes doentes, mas em pessoas com deficiência, idosos em situação de desespero e pessoas com doenças mentais. Até crianças de nove anos já sofreram eutanásia! Os corpos de pessoas com doenças mentais e com deficiências físicas progressivas são usados para captação de órgãos. Não fosse pela eutanásia, muitos dos que foram mortos teriam vivido por anos. De fato, diversos casos abusivos já foram relatados de forma fidedigna na mídia e por autoridades belgas especialistas em eutanásia — mas nenhum deles resultou em processo. Os casos seguintes são apenas um exemplo.

Há relatos de vários casos de casais de idosos que foram mortos juntos. O primeiro foi em 2011 — nenhum dos membros do casal estava seriamente debilitado, e a eutanásia foi lhes aplicada com o pleno conhecimento e a aprovação inequívoca de sua comunidade. Eles inclusive fizeram os ajustes finais no necrotério local antes de receberem a injeção letal.

Os corpos de pessoas com doenças mentais e com deficiências físicas progressivas são usados para captação de órgãos.

Um caso se destaca por sua crueldade. Um casal saudável “temia o futuro”. Os dois receberam a eutanásia juntos, apoiados pelos filhos. O médico da morte foi inclusive contratado pelo filho deles, que disse ao Daily Mail que a morte dos pais era “a melhor solução”, já que seria “impossível” cuidar deles adequadamente. Sociedades decentes julgam que é trágico o suicídio conjunto de casais de idosos. Mas na Bélgica, aparentemente, ele é considerado uma solução legítima para problemas associados ao cuidado de idosos. 

Outra história perturbadora é a de “Ann. G.”, que sofria de anorexia suicida. Ela fez uma acusação pública contra seu antigo psiquiatra por tê-la persuadido a manter relações sexuais com ele. Como o psiquiatra — que admitiu a acusação — não foi punido com severidade, Ann ficou tão desesperada que procurou outro especialista para pedir a eutanásia. Ela morreu com quarenta e quatro anos. Com amarga ironia, o primeiro psiquiatra só disciplinado pelo abuso depois da morte de Ann.

Agora imagine que você está no trabalho cumprindo suas tarefas. O telefone toca. Você atende, e a voz do outro lado lhe informa que ele trabalha para o necrotério do hospital onde está o corpo de sua mãe. “Como assim? O corpo da minha mãe está aí!?”, você exclama. “Ela recebeu a eutanásia hoje”, responde a voz. “O que deveríamos fazer com o corpo?” 

Sim, isso aconteceu em 2012 com o químico belga Tom Mortier. Numa conferência antieutanásia, da qual participei em 2014, ele descreveu o trauma emocional pelo qual passou. Sua mãe, Godelieva de Troyer, lutou contra a depressão durante boa parte da vida — algo que na Bélgica pode servir de fundamento jurídico para a eutanásia. Mas aqui está o truque: ela não foi morta por seu psiquiatra, que poderia ter determinado — de acordo com a lei — que ela era incurável. Em vez disso, ela foi morta pelo Dr. William Distelmans, um oncologista conhecido por sua predisposição para aplicar a eutanásia em pessoas que não foram seus pacientes anteriormente.

Diversos casos abusivos de eutanásia já foram relatados, mas nenhum deles resultou em processo.

Infelizmente, o mesmo Distelmans também aplicou a eutanásia num homem transgênero que ficou perturbado por causa de uma cirurgia malfeita de mudança de sexo. Diz a história publicada no Daily Mail

Um transexual belga decidiu morrer por meio da eutanásia depois que uma cirurgia malfeita de mudança de sexo, que deveria completar sua transformação em homem, o deixou parecido com um “monstro”. Nathan Verhelst, 44, morreu na tarde de ontem depois de ter recebido autorização para tirar a própria vida por causa de “sofrimento psicológico insuportável”. Horas antes de morrer, ele disse ao Het Laatste Nieuws: “Estava pronto para celebrar meu novo nascimento, mas quando me olhei no espelho fiquei indignado comigo”.

Agora temos de nos perguntar: Verhelst teve sua situação de desespero tratada por um profissional de saúde mental adequado? Recebeu ajuda em seu momento de angústia? Não. Ele foi morto por um especialista em câncer.

Os casos que destaquei aqui — há muitos outros — ilustram a frágil natureza das “diretrizes rigorosas” na Bélgica. Os casos dessas pessoas — que não estavam de modo algum próximas da morte — foram relatados; portanto, não se pode dizer que as autoridades não sabiam deles. Mesmo assim, nenhum dos seus assassinos foi responsabilizado criminalmente, como aconteceu no caso de Nys. 

Uma condenação no caso de Nys poderia conter o impulso da contínua expansão da eutanásia na Bélgica. Parece não haver dúvidas sobre o caso. Porém, isso não significa muita coisa na cultura da morte. Para ser sincero, ficarei agradavelmente surpreso se houver uma condenação.

O recente processo contra uma médica que pratica a eutanásia na Holanda, onde a morte administrada por médicos também é legalizada, demonstra por que sou tão cético. Uma paciente que sofria de demência, ainda na posse de suas faculdades, pediu à médica que lhe aplicasse a eutanásia quando estivesse incapacitada. Mas ela também informou que gostaria de poder dizer quando isso ocorreria. Finalmente, a família dela e a médica decidiram, sem o consentimento dela, que a hora havia chegado. A médica pôs um entorpecente no café da paciente e, tão logo ela adormeceu, iniciou o procedimento para aplicar a injeção letal. Porém, a mulher acordou inesperadamente e lutou para impedir que fosse morta. Em vez de parar, a médica instruiu a família a segurá-la enquanto ela se debatia, para assim finalizar o homicídio.

Em vez de parar, a médica instruiu a família a segurá-la enquanto ela se debatia, para assim finalizar o homicídio.

Esse poderia parecer um caso inequívoco de eutanásia involuntária, que é tipificado como assassinato segundo a lei holandesa. Porém, um tribunal não apenas absolveu a médica, mas também a elogiou por ter agido no “interesse” da paciente. Em outras palavras, o juiz decidiu que a paciente que lutava para sobreviver não tinha mais capacidade mental para desejar viver. 

Quando a eutanásia é legalizada, a mentalidade coletiva de uma cultura a respeito do significado e da importância da vida humana se distorce. Acabar logo com o sofrimento torna-se mais importante do que proteger a vida dos vulneráveis, dificultando cada vez mais a restrição da eutanásia e do suicídio assistido a casos extremos — aqueles aos quais essas práticas deveriam estar reservadas, segundo a falsa promessa de seus defensores. Os raros casos de processo decorrentes de abusos inequívocos, muitos dos quais malsucedidos, aceleram esse processo. Não há nada tão eufemístico quanto dizer que as pessoas com tendência suicida têm permissão moral para acabar com suas vidas, ao mesmo tempo que se garante que os médicos da morte acreditem ter a aprovação da lei para satisfazer os desejos mais obscuros dos membros mais desesperados da sociedade.

Adolescência sem sexo: um debate necessário

Por Cristina Graeml

[24/01/2020] [14:05] 

Trago aqui um tema para reflexão: adolescência sem sexo e a importância de nós, adultos, discutirmos isso sem dar margem à paixão ideológica ou à polarização política.
Temos abordado o assunto em muitas reportagens na Gazeta do Povo (a imprensa toda está cobrindo). Estranhamente, o tema virou alvo de uma gigantesca polêmica, quando não deveria. A saúde física, mental e emocional de adolescentes deveria ser motivo de união, jamais de discórdia.
Há vários pontos importantes nessa discussão. Primeiro é preciso olhar para a questão legal, o que a legislação brasileira entende por adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) descreve a adolescência como o período que vai dos 12 aos 18 anos de idade. A partir do 12.° aniversário, portanto, a criança brasileira já é considerada adolescente. Seria o momento de começar a vida sexual? Aos 12 anos?

O Código Penal responde, em seu artigo 217-A. Lá está escrito que “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos é crime de estupro de vulnerável”, com pena de reclusão de 8 a 15 anos.
Então tem uma faixa da adolescência (de 12 a 14 anos) que fica protegida pela lei, mas desprotegida pelos costumes, já que a pressão para o jovem perder a virgindade é constante neste país onde letras e coreografias de funk vulgarizam o sexo e seriados de TV ou vídeos do YouTube banalizam o amor, o casamento e a família.
Quando se fala em abstinência sexual de adolescentes, o foco não está nos jovens que já estão mais perto da fase adulta, mas nesses de 12 ou 13 anos, que acabaram de sair da infância e ainda não têm maturidade para lidar com o sexo e tudo que ele pode ocasionar, inclusive gravidez.
Motivos da polêmica
O assunto veio à tona após uma fala da ministra Damares Alves, que costuma ser muito criticada sempre que menciona algum tema da área de costumes. Ela disse publicamente que estudava uma forma de incluir a sugestão da abstinência sexual nas campanhas de prevenção à gravidez na adolescência. Bastou isso para o mundo vir abaixo.
Já de cara teve gente insinuando que o governo ia parar de distribuir camisinhas, preservativos femininos ou pílulas anticoncepcionais e suspender campanhas pelo sexo seguro, mas nada disso foi dito pela ministra.

O que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos propõe a partir de agora é trazer o tema da abstinência sexual na adolescência como uma alternativa. O próprio Ministério da Saúde, que é o responsável pela distribuição de métodos contraceptivos para os estados (que depois distribuem para os municípios para que cheguem aos postos de saúde e sejam entregues à população) esclareceu que nada mudaria.
Declarações em jornais e nas redes sociais acusaram o governo de querer tirar direitos dos adolescentes, quando a ideia é justamente o oposto: garantir aos brasileiros de 12 a 18 anos o direito à informação de forma mais completa, para que tenham a opção de escolher entre fazer ou não sexo nessa fase da vida. Isso é garantir o direito a uma adolescência segura, sadia, saudável, como está previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente – leis que, aliás, chamam a sociedade para agir em conjunto com o Estado. Então nenhum de nós, adultos, pode se omitir em relação a proteger crianças e adolescentes seja lá do que for, que dirá de gravidez precoce e indesejada.
Por fim apontaram que o Estado é laico e que esta é uma discussão religiosa. Não é. É de saúde pública, o que fica provado nas estatísticas.
Estudos que justificam a discussão sobre o tema
Dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o Brasil é o campeão na América Latina em número de adolescentes grávidas. Aqui a média é de 68,4 bebês nascidos para cada grupo de mil adolescentes de 15 a 19 anos, quando a média latino-americana é de 65,5 e a mundial, de 46.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, nos últimos 20 anos 13,2 milhões de crianças e adolescentes engravidaram no país e a gravidez precoce foi responsável por 20% das mortes de adolescentes do sexo feminino.

O dado mais assustador, porém – que fez a ministra Damares Alves abraçar a causa -, é o do Observatório da Família (ONF), órgão de pesquisa do próprio ministério, vinculado à Secretaria Nacional da Família. O levantamento mais recente do ONF indica que, na média, os meninos brasileiros estão iniciando a vida sexual aos 12 anos e 9 meses e as meninas, aos 13 anos e 7 meses. Não é apenas cedo demais. É dentro da faixa etária em que sexo é considerado crime pela lei penal. Quem vai dizer isso pra eles?
Com certeza não é o funkeiro, nem o roteirista ou os atores do seriado de sucesso. É preciso que representantes do governo e da sociedade civil organizada digam, como reforço ao que as famílias e a escola já deveriam estar fazendo. Quanto mais se falar no assunto mais fácil vai ficar a conversa com os adolescentes e mais rico o papo entre eles.
Esta semana eu conversei com o teólogo Nelson Ferreira Neto Júnior, pai de duas meninas, ex-pastor e ex-terapeuta que há dez anos começou um trabalho de orientação para relacionamentos saudáveis e felizes especificamente com jovens e adolescentes. Ele sugere o mesmo que a ministra Damares: que meninos e meninas podem escolher esperar uma idade mais madura para perder a virgindade. Nelson vem sendo ouvido por multidões (500 mil já assistiram às suas palestras e 7 milhões o seguem nas redes sociais, onde a discussão segue através de postagens sugeridas por uma equipe de médicos e psicólogos voluntários do Instituto Eu Escolhi Esperar). Você pode conhecer a experiência e os resultados clicando aqui ou no vídeo acima, em que eu conto tudo isso e parte da conversa que tive com o Nelson Júnior.”

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Não, Jesus não era socialista

Não há nenhuma passagem no Novo Testamento que defenda a caridade governamental ou interferência do Estado na vida dos cidadãos.

Por Lawrence W. Reed

A afirmação de que Jesus Cristo era socialista se tornou um refrão comum entre os progressistas e até mesmo entre alguns cuja fé é, na melhor das hipóteses, morna. Mas há alguma verdade nisso?
A pergunta não pode ser respondida sem uma definição clara do que é o socialismo. Há um século, o socialismo era definido como a tomada, pelo governo, dos meios de produção. Jesus jamais sugeriu qualquer coisa parecida nem apoiou isso. Mas a definição de socialismo mudou ao longo do tempo. Depois que as críticas de economistas como Ludwig von Mises, F. A. Hayek e Milton Friedman acabaram com qualquer defesa intelectual do socialismo original e a realidade provou que eles estavam certos, os socialistas passaram a usar outra definição: o planejamento centralizado da economia.
Quem vasculhar o Novo Testamento não vai encontrar nenhuma palavra de Jesus pedindo que se dê poder aos políticos e burocratas para que eles distribuam recursos, escolham os vencedores e perdedores, digam aos empresários como administrar seus negócios, imponham salários mínimos e preços máximos, estimulem a sindicalização dos trabalhadores ou paguem impostos. Quando os fariseus tentaram manipular Jesus de Nazaré a fim de que ele apoiasse a sonegação de impostos, ele inteligentemente deixou para os outros decidirem o que pertence ao Estado, dizendo: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Ainda assim, uma das acusações que levou Jesus à crucificação foi mesmo a sonegação de impostos.
Mudando a definição
Com a reputação dos que defendem a economia centralizada no lixo em todo o mundo, os socialistas passaram a dar uma nova ênfase ao termo: o Estado de bem-estar social. O socialismo de Bernie Sanders e de sua aliada, a jovem Alexandria Ocasio-Cortez, diz respeito ao Estado-babá benevolente e igualitário, no qual se cobre um santo para descobrir outro. Ele se caracteriza por várias “coisas grátis” dadas pelo governo — coisas que, claro, não são nada grátis. Pelo contrário, elas são bastante caras, tanto em termos de custos burocráticos quanto na dependência desmoralizante que ele gera entre os beneficiários. Era isso o que Jesus tinha em mente?
Duvido. Sim, em meio às festas de fim de ano, é oportuno pensar na ajuda aos pobres. Afinal, essa era uma parte muito importante da mensagem de Jesus. Como essa ajudada é dada, contudo, é uma questão mais importante.
As Escrituras dizem para os cristãos amarem, orarem, serem caridosos, servirem, perdoarem, serem fieis, adorarem a Deus e aprenderem e amadurecerem em espírito e caráter. Todas essas coisas são muito pessoais. Elas não requerem políticos, medidas públicas, burocratas, partidos ou programas governamentais.
“Os pobres estarão sempre com vocês, e vocês podem ajudá-los sempre que quiserem”, diz Jesus em Mateus 26:11 e Marcos 14:7. As palavras-chave aqui são “podem” e “quiserem”. Ele não diz: “Vamos obrigá-los a ajudar, querendo ou não”.

Em Lucas 12:13-15, Jesus ouve um pedido de partilha. “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança”, pede um homem. Ao que Jesus responde: “Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?”. Daí ele repreende o homem por sua inveja.
O cristianismo não tem a ver com dar dinheiro ao governo quando se trata de amenizar o sofrimento dos pobres. Cuidar deles, o que significa ajuda-los a superar a pobreza, e não pagar para que eles permaneçam pobres, tornando-os dependentes do Estado, é um fato essencial na vida do verdadeiro cristão há mais de 2.000 anos. A caridade cristã, voluntária e sincera, é algo bem diferente das ordens obrigatórias e impessoais do Estado.
O que dizem as Escrituras?
Mas não acredite só em mim. Pense no que o Apóstolo Paulo diz em 2 Coríntios 9:7: “Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria.
Já na Parábola do Bom Samaritano, o viajante é considerado “bom” porque ajuda um moribundo à beira da estrada com seu tempo e recursos. Se em vez disso ele tivesse dito para o pobre coitado esperar pela ajuda do governo, provavelmente o conheceríamos hoje como “O Inútil Samaritano”.
Jesus claramente considerava a compaixão um valor necessário, mas não conheço nenhuma passagem do Novo Testamento que sugira que a compaixão é um valor a ser imposto pela força ou ameaça – em outras palavras, por políticas socialistas.

Os socialistas gostam de dizer que Jesus desprezava os ricos, citando dois momentos específicos: a expulsão dos vendilhões do Templo e a fala de que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino do Céu. No primeiro caso, Jesus estava furioso com a violação da casa de Deus. Na verdade, ele nunca expulsou um comerciante de um banco ou mercado. No segundo, ele estava alertando para o perigo das tentações que acompanham as grandes riquezas.
Esses são alertas contra a escolha equivocada das prioridades, e não mensagens da luta de classes.
Gerar riqueza – e não redistribuí-la – é uma virtude
Na Parábola dos Talentos, Jesus fala de um homem dá toda a sua riqueza a três servos por algum tempo. Quando ele volta, fica sabendo que um dos servos cuidou da sua parte enterrando-a, outro pôs o dinheiro para circular e o multiplicou e o terceiro investiu e teve o maior retorno de todos. Quem é o herói dessa parábola? O terceiro homem, que gerou riqueza. O primeiro é repreendido e sua parte é tirada e dada ao terceiro.
Isso não parece socialismo, não é?
Da mesma forma, na Parábola dos Trabalhadores na Vinha, a história defende virtudes capitalistas, não socialistas. Quando alguns trabalhadores reclamam que outros ganham mais, o patrão defende o direito ao contrato voluntário, à propriedade privada e a lei da oferta e demanda.

Na época do Natal e ao longo de todo o ano, Jesus quer que sejamos generosos na ajuda aos necessitados. Mas, se você acha que isso quer dizer que os políticos têm de agir com poder de polícia a um custo duas vezes maior e com metade da eficiência da caridade privada, você não está lendo o mesmo Novo Testamento que eu.
Lawrence W. Reed é presidente emérito da Foundation for Economic Education.

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E a liberdade de expressão?

O recente episódio judicial envolvendo o grupo “Porta dos Fundos” ilustra como a “liberdade de expressão” tem servido para atacar a verdade e fazer com que o vil pareça belo, a estupidez vire ciência e a canalhice se confunda com o humor.
Prestem bem atenção nestas palavras: “Os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação”. Apesar de tão atuais, elas foram escritas em 1970 pelo jornalista católico Gustavo Corção, que observava atônito a decadência aviltante dos ditos “intelectuais”, cujas ideias ganhavam cada vez mais espaço na mídia.

Na última semana, a polêmica sobre o “Especial de Natal” produzido pelo grupo Porta dos Fundos ganhou mais um capítulo dramático: a Justiça concluiu que, sim, é possível zombar do cristianismo, é legítimo tripudiar sobre a fé de milhões de cidadãos brasileiros. Pecado mesmo é a “censura”, a “intolerância”, o “fundamentalismo”. Dêem-se, pois, aos zombadores palcos, microfones, holofotes e prêmios. Não importa quão medíocre seja o conteúdo. Eles possuem todos os meios de comunicação.

“Os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra.”
No fundo, essa celeuma diz respeito a um problema sério acerca da “liberdade de expressão”, sob cujo pretexto não só os membros do Porta dos Fundos, mas uma porção de gente se esconde para dar vazão ao que quer que lhe dê na telha. Eles insultam o bom senso. Sim, mas e a liberdade de expressão? Eles agridem a honra e a dignidade alheia. Sim, mas e a liberdade de expressão? Eles espalham mentiras e defendem criminosos. Sim, mas e a liberdade de expressão? Aos poucos, tal balbúrdia vai deixando o imaginário das pessoas confuso e incapaz de distinguir a realidade da fantasia, o certo do errado, a verdade da mentira, o belo do feio, o digno do indigno.

Notem, por exemplo, o que aconteceu recentemente à escritora J. K. Rowling. A autora de Harry Potter, que sempre defendeu bandeiras liberais, acabou provando do próprio veneno ao querer, até que enfim, defender uma coisa óbvia: que o sexo biológico é real. No fim das contas, ela viu seu legado ameaçado pela milícia do gênero, que passou a considerá-la uma “transfóbica”. É isso mesmo. Rowling, que já defendeu a homossexualidade do personagem Dumbledor, é agora a mais nova inimiga do movimento gay. Pecknold, articulista do Catholic Herald, resumiu assim a questão: “Uma vez que os ideólogos de gênero não têm ao seu lado a verdade, eles continuarão procurando bruxas — e livros — para queimar”.

A situação parece ridícula, mas põe a descoberto as consequências de uma liberdade mal entendida. É claro que todo ser humano tem o direito de expor suas ideias em matéria de cultura, esporte, política, religião etc. Porém, esse direito deve ter limites, responsabilidades, compromissos. Do contrário, a própria liberdade fica doente pelo engano, e o homem vira refém da mentira.

“Porventura dirá alguém que se podem e devem espalhar livremente venenos ativos, vendê-los publicamente e dá-los a tomar, porque pode acontecer que, quem os use, não seja arrebatado pela morte?”, perguntava o Papa Gregório XVI a quem defendia “o direito de trazer-se à baila toda espécie de escritos” (Mirari vos, n. 11). E o que é, senão lixo e veneno, o que grande parte da livre imprensa tem dado de beber todos os dias às nossas famílias? É ou não é verdade que as estações de rádio, os canais de televisão e a internet estão cheios de materiais baixos, que ofendem a dignidade humana? 

O que é, senão lixo e veneno, o que grande parte da livre imprensa tem dado de beber todos os dias às nossas famílias?
Sem dúvida, temos de concordar com a denúncia de Pio IX na encíclica Quanta Cura: esses homens “não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição, e que, se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à Verdade” (n. 3). Mais de um século após a publicação desse documento, temos visto a consumação do que Bento XVI chamou “a ditadura do relativismo”, isto é, a negação contumaz da verdade para fazer valer um falso “pluralismo de ideais” e uma errônea “liberdade de expressão”. Sim, eles se atrevem a resistir à verdade e, com isso, escravizam toda a população sob a tirania da opinião dominante, da imprensa marrom e da ideologia política.

Não, senhores, a Igreja não defende nenhuma espécie de AI-5. Ela apenas adverte seus filhos de que veneno é veneno. Ou seja, a mentira não pode gozar dos mesmos privilégios da verdade, não pode ser considerada digna de atenção e prestígio, não deve ser aplaudida e ostentada como “coroa de glória”. E por um motivo muito simples: quando o mentiroso se converte em herói, é o honesto que se torna vilão. Isso é tão claro e óbvio que mesmo o escritor Machado de Assis, que por muitos é tido como ateu, soube reconhecer a necessidade da encíclica de Pio IX e louvá-lo por sua coragem: “O débil velho não se assusta; toma friamente a pena e lança contra o espírito moderno a mais peremptória condenação. É positivamente arriscar a tiara”.

Eles se atrevem a resistir à verdade, e, com isso, escravizam toda a população sob a tirania da opinião dominante.
Mas o “espírito moderno” não deu ouvidos ao “débil velho”, não quis ouvir a sabedoria dos avós, preferindo lançar-se às novidades do último charlatão. E agora temos o vil como arte, a estupidez erigida em ciência e a canalhice convertida em humor. Tudo em nome da “liberdade de expressão”. Para completar o espetáculo do Porta dos Fundos, só lhe faltava alguém insano o suficiente (que não, não era cristão) para desferir o golpe que o tornaria “mártir”. É provável que o grupo ganhe o próximo Emmy por isso. Porque, no fim das contas, “em toda a parte os malvados andam soltos”, diz o salmista, “porque se exalta entre os homens a baixeza” (11, 8).

Jornais do país todo logo se apressaram a associar o atentado à sede do Porta dos Fundos aos “cruéis cristãos” que não sabem rir de uma piada. Mais uma mentira. Já rimos muito com as críticas duras de O Auto da Compadecida e não deixamos de reconhecer a importância de um filme como Spotlight. O próprio senhor Porchat, membro do grupo, sempre se sentiu muito seguro para zombar daqueles que ele insiste em atacar dia sim, dia também. “Eu, por exemplo, não faço piada com Alá e Maomé, porque não quero morrer! Não quero que explodam a minha casa só por isso”, já declarou ele.

Em 1970, Gustavo Corção concluía sua crônica de modo melancólico, profetizando que, diante da onda liberal, uma nova leva de autores pseudointelectuais surgiria futuramente, e ainda mais obstinada em seus erros. “De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes”, lamentava. E, de fato, ele tinha razão.

Padre Paulo Ricardo

Os úteros das mulheres e as togas dos magistrados

A partir do momento em que o ventre materno passa a abrigar uma nova vida humana, o útero deixa de ser um assunto privado para ser de interesse de toda a sociedade.

Equipe Christo Nihil Praeponere

15 de Novembro de 2018

“A mulher não é um útero a serviço da sociedade”. Foi com uma frase rasteira dessas que um conhecido ministro do Supremo Tribunal Federal voltou a defender esta semana um suposto “direito” das mulheres a abortar os próprios filhos.

Ora, que a mulher não seja o próprio útero é algo tão óbvio quanto ela não ser o seu esôfago, o seu coração ou o seu cérebro. A parte não é o todo, sim; mas “o todo sem a parte não é todo” também. Cada órgão exerce a sua função e tem a sua importância no corpo humano. Se o esôfago ajuda na alimentação, o coração bombeia sangue para todo o corpo e o cérebro comanda todas as atividades do organismo, o útero, por sua vez, abriga novas vidas. A diferença é que o esôfago, o cérebro e o coração são comuns a todo ser humano, ao passo que o útero — e com ele a maternidade — é privilégio das mulheres, e de ninguém mais.

Mas o que a humanidade deveria ver — e durante muito tempo realmente viu — como um privilégio é visto por esse ministro como um fardo. Por isso, não espanta que ele defenda justamente o oposto da maternidade: ao invés de dar a vida, as mulheres deveriam ter o direito de “dar a morte” a seus filhos; ao invés de dá-los à luz, seria a hora de dá-los “às trevas”, por assim dizer.

Dito neste termo, o argumento soa estranho, para não dizer maluco. Mas é a única forma de descrever o aborto como ele realmente é. Não se trata apenas de um debate sobre o útero feminino, sobre uma pars viscerum matris, isto é, sobre uma “extensão” do corpo da mulher. Estão em jogo aqui os direitos fundamentais de outra pessoa, e é o próprio ministro defensor do aborto que admite o fato em seu discurso. A partir do momento em que o ventre materno passa a abrigar uma nova vida humana, o útero deixa de ser um assunto privado para ser de interesse de toda a sociedade.

Não sem razão o aborto consta na seção de crimes contra a vida do Código Penal, ao lado do homicídio, do infanticídio e do auxílio ao suicídio. (Todos os termos com o radical “cídio”, do verbo latino occido, querem dizer “matar”.) Não sem razão a nossa Constituição Federal, da qual os ministros do STF deveriam ser “guardiões” (cf. art. 102, caput), diz com todas as letras que é inviolável o direito à vida (cf. art. 5.º, caput). Ora, se uma simples lesão corporal, aos olhos do Direito, merece ser punida por representar uma agressão não só contra um indivíduo, mas contra a sociedade em geral, quanto mais um ato como o aborto, que dá fim nada menos do que à vida de outrem!

Mas se as leis humanas reconhecem que ninguém pode matar, por que falar, então, de um “direito ao aborto”? Se o próprio ministro em questão reconhece que há um “conflito de direitos” envolvido aqui, como entender que ele não defenda o valor fundamental de todo o ordenamento jurídico e lhe sobreponha, ao invés, um suposto direito à “autonomia individual da mulher”, que nem na Constituição está escrito? Desde quando a “autonomia” de uma pessoa pode trucidar (literalmente, neste caso) a vida de outra? Se a liberdade de uma mulher é um valor superior à vida do nascituro, o que impede outra mãe de matar seu filho recém-nascido, ou mesmo qualquer um de matar, e sair impune por isso?

A resposta é simples. O aborto é um direito porque o ministro assim o quer (e, poderíamos acrescentar, “depois da investidura, ele não deve satisfação a mais ninguém”). Ponto e acabou: é o império do voluntarismo de toga. Para adaptar-se às ideias de um juiz, à sua visão de Direito, à utopia feminista que ele mesmo criou, todos os entraves no caminho se transformam, por um passe de mágica, em instrumentos a seu dispor. A Constituição não fala de direito fundamental à autonomia da mulher? Extraiamo-lo, pois, de uma interpretação livre do texto constitucional. O Código Civil fala de direitos do nascituro? Submetamo-los a outro direito, que nós mesmos inventamos, sob o pretexto de aplicar um malfadado princípio de “proporcionalidade”. O Código Penal criminaliza o aborto? Não pode ser, é inconstitucional! A interpretação que eu mesmo fiz da Constituição prova que o aborto tem de ser descriminado…

Rumo a essa ideia, que só existe na cabeça de um magistrado que se crê acima de tudo e de todos, caminha à força uma nação inteira. O juiz que é contra os úteros “a serviço da sociedade” usa uma toga a serviço de sua própria causa ideológica… e ninguém tem nada com isso.

Tchau, moral! Adeus, virtude!

O ser humano não consegue viver sem um critério de como agir. Como o homem moderno rejeitou o cristianismo herdado de seus antepassados, restou-lhe apenas uma opção: eliminar a moral e a virtude da vida pública e substituí-las por simulacros.

David G. Bonagura Jr.

Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

14 de Novembro de 2019

Faz muito tempo que nossa nação renunciou ao ensino da moralidade [1]. Hoje, a palavra “moral” é pouco pronunciada, pois foi substituída por “valores”, um termo mais subjetivo e agradável aos ouvidos do que seu predecessor, que evoca padrões objetivos e um comportamento ordenado. A sorrateira mudança para “valores” ocorreu quase sem esforço depois que forças seculares expulsaram Deus de nossos sistemas escolares e da esfera pública.

Compreende-se melhor a moral quando uma ordem estabelecida confere a ela uma finalidade, e essa necessidade durante muito tempo foi suprida pela crença no Deus criador de um universo ordenado. Ora, não é de admirar que o comportamento humano tenha sofrido desvios preocupantes, uma vez que secularistas proeminentes passaram a negar a existência de qualquer finalidade no mundo ou na vida humana.

Hoje, a palavra “moral” é pouco pronunciada, pois foi substituída por “valores”.
Agora a sociedade secular está presa numa armadilha criada por ela mesma. Por um lado, defende com ferocidade o direito de um indivíduo a “definir seu próprio conceito de existência, de sentido, de universo e do mistério da vida humana”, segundo as infames palavras do juiz Anthony Kennedy [2]. Se uma pessoa quiser matar um bebê in utero, redefinir o matrimônio ou remodelar sua sexualidade, nenhuma lei ou instituição poderá impedi-la. 

Por outro lado, deve haver um código para regular o comportamento até certo ponto, a fim de evitar a anarquia. Portanto, no lugar da moral, que (aliada ao seu outro complemento esquecido: a virtude) outrora moldou o comportamento humano adequado desde dentro, os secularistas impõem leis externas para regular nosso comportamento a partir de fora.

Essas leis são de dois tipos: leis de consentimento e de controle. 

Atualmente, as leis de consentimento governam as relações sexuais, e agora que o matrimônio não é mais o território adequado para a sexualidade, elas têm se tornado cada vez mais necessárias. Sendo o consentimento o único padrão, os atos sexuais já não podem mais ser considerados certos ou errados. A única coisa que importa é saber se as partes envolvidas estão de acordo com o ato. A sexualidade humana é hoje governada por decisões subjetivas de indivíduos, e não por padrões objetivos preservados por uma ordem criada. Isso explica por que atualmente todo tipo de atividade sexual é permitido. Em nosso mundo secular, só pode haver crime quando uma pessoa não está de acordo com tal atividade. 

A sexualidade é hoje governada por decisões subjetivas, e não por padrões objetivos preservados por uma ordem criada.
Leis de controle não limitam uma pessoa, mas uma situação, tal como a competência para possuir uma arma ou aumentar o preço do aluguel. Naturalmente, sempre houve leis desse tipo, e elas não são más em si mesmas. Porém, a versão atual delas se tornou imperativa para secularistas que, por causa de seus princípios, não podem dizer a uma pessoa como viver de acordo com a moral.

Consequentemente, a única alternativa deles é controlar situações potenciais, limitando a oportunidade que uma pessoa tem para prejudicar outra. Pela lógica secularista, não podemos ensinar a um homem o mandamento: “Não matarás”. Em vez disso, temos de dizer: “Não possuirás uma arma”. Negligencia-se discretamente o fato de as leis de controle serem uma imposição da vontade de uma pessoa sobre outra.

Em nosso mundo secular, há apenas uma forma de proteger os seres humanos de ações escandalosas: uma lei externa que obriga a pessoa a obedecer ou a sofrer as consequências. Se as pessoas aderissem aos padrões de consentimento e controle, viveríamos em harmonia. Ao menos é o que se espera. 

Na tradição católica, em contrapartida, a lei e as consequências penais são o último recurso para reprimir uma conduta imoral. Segundo essa tradição, há muitas ações imorais em si mesmas, para além da violação de consentimento. Sem dúvida alguma, o código moral cristão, tal como a lei civil, contém diversas formas negativas: “Não farás [isto ou aquilo]”. Não obstante, essas normas fazem parte de uma visão mais ampla a respeito do sentido da vida humana e, consequentemente, do modo como os seres humanos devem e não devem se comportar. 

Na tradição católica, a lei e as consequências penais são o último recurso para reprimir uma conduta imoral.
Em vez de simplesmente coagir a vontade, tal como o faz a lei civil, o código moral cristão recorre ao intelecto, persuadindo-nos a aceitar como verdadeira uma visão a respeito da maneira como deveríamos viver. A obediência a esse código também tem uma recompensa positiva: a vida eterna com Deus no Céu. A lei civil subsiste para reprimir aqueles que rejeitam esse código.

A moralidade cristã se fortalece ainda mais quando as pessoas religiosas se esforçam para adquirir virtudes, ou o hábito de realizar boas ações. Tornamo-nos virtuosos ao realizar atos de virtude repetidas vezes, enraizando-os em nosso próprio ser. Pessoas realmente virtuosas não dependem mais de proibições negativas porque estão sempre motivadas a fazer a coisa certa em todas as situações. Pessoas virtuosas atingem um nível ainda mais elevado quando amam Nosso Senhor Jesus Cristo. Então, escreve São Paulo: “Se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais sob a Lei… Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança” (Gl 5, 18.22-23).

Além da moral, nosso mundo secular descartou também a virtude, já que esta também implica um modo correto de viver. Em seu lugar, temos hoje campanhas de autoestima e exortações insípidas em prol da amabilidade. Essa defesa é bem-intencionada, mas é ineficaz porque carece de um fundamento razoável que explique por que as pessoas deveriam agir desta ou daquela maneira. O apelo não é direcionado ao intelecto, nem mesmo à vontade, mas às emoções, o que equivale a edificar a própria casa sobre a areia.

Pessoas virtuosas não dependem mais de proibições negativas porque estão sempre motivadas a fazer a coisa certa.
O ensino da moralidade e da virtude não é — nem jamais foi — uma garantia de que todas as pessoas se tornarão santas e jamais agirão de forma equivocada. Porém, o ensino delas aumenta a probabilidade de os indivíduos escolherem viver de forma íntegra, porque eles recebem de três fontes (as virtudes, a moral e a lei), e não apenas de uma, a motivação para agirem assim. Quando reduzimos nossas defesas, nos tornamos mais vulneráveis ao ataque.

Não podemos esperar que a lei civil faça o trabalho realizado outrora por uma ordem moral razoável e por uma formação virtuosa do caráter. O experimento norte-americano [3] deu certo porque essas coisas estavam presentes durante a formação do país e em sua expansão, mesmo antes da chegada do primado do direito a algumas localidades anteriormente instáveis. A rejeição da moralidade e da virtude pela América secular pode bem ser o passo que arruinará nosso grande experimento.

Notas

O autor fala desde os Estados Unidos. Mas, de modo geral, as considerações feitas por ele se encaixam como uma luva também em nossa situação (Nota da Equipe CNP).
Anthony Kennedy foi, até 2018, juiz associado da Suprema Corte dos Estados Unidos, função equivalente à dos ministros de nosso Supremo Tribunal Federal (Nota da Equipe CNP).
Como já dito, o autor fala a partir do lugar onde vive. A expressão “experimento norte-americano” (em inglês, the American experiment) faz referência a um conjunto de ideias que orientou a independência dos Estados Unidos em 1776, e que pode ser encontrado principalmente nos escritos dos chamados “pais fundadores” dos EUA (os Founding Fathers). À parte, porém, essa particularidade, o que aqui vai escrito se aplica perfeitamente bem a qualquer sociedade. Nenhuma nação pode prosperar, no verdadeiro sentido do termo, se não estiver edificada sobre “uma ordem moral razoável” e “uma formação virtuosa do caráter” (Nota da Equipe CNP).

A conversão de Chopin

“Enquanto houver suspiro de vida há esperança“. Esta frase do nosso Fundador, Eudes, sempre nos leva a lançar um olhar de esperança pela salvação de todos os homens. Estes dias, li a história da conversão de Chopin, que aconteceu em seu leito de morte, e desejo aqui compartilhar esta história, a história de Amor de Deus pelo homem. Deus , que não deixa de esperar a voltar de seus filhos para casa. 

Frédéric Chopin © YouTubeFrédéric Chopin © YouTube Padre Paulo Ricardo | Nov 11, 2019

A graça de Deus o tocou no momento decisivo de sua vida, transformando sua morte no mais belo concerto jamais composto por ele

No dia 17 de outubro de 1849, falecia o compositor e pianista franco-polonês responsável pela renovação da sonoridade do piano romântico: Frederic Chopin (1810–1849).

Sua arte sobre-humana, melancólica e apaixonada é bem resumida pelas belas e comoventes palavras que o Venerável Papa Pio XII dirigiu a um grande grupo de poloneses em Roma, no dia 30 de setembro de 1939:

Há em cada um de vós um pouco da alma de vosso imortal Chopin, cuja música extrai de nossas pobres lágrimas humanas, de modo tão brilhante, uma alegria profunda e inesgotável. Se a arte humana pôde realizar tantas coisas, quanto mais habilidosa não deve ser a arte de Deus em aliviar a tristeza de vossas almas? [1]

Mais recentemente, o Papa Bento XVI elogiou Chopin com as seguintes palavras: “Que a música desse famoso compositor polonês, que contribuiu de forma tão significativa para a cultura da Europa e do mundo, aproxime de Deus aqueles que a escutam e ajude-os a descobrir a profundidade do espírito humano” [2].

A vida interior de Chopin teve três fases: a educação em Varsóvia numa família católica devota, o afastamento da Fé e da prática religiosa durante sua carreira relâmpago em Paris (sua principal residência, desde 1831 até os seus últimos dias de vida) e o movimento de retorno a Deus pouco antes da morte.

Os pais de Chopin, Nicolau (um emigrante francês) e Justina (primeira professora de piano dele e de Ludovica, sua irmã mais velha), jamais falharam em relação à honra e à responsabilidade de transmitir a Fé aos filhos. Numa carta escrita em meados de março de 1842, Justina assegura que ela e o marido estavam próximos dele por meio da oração, mesmo durante o período que esteve em Paris, o mais feliz e ativo de sua carreira musical: “Esqueceste, meu querido filho, que teus velhos pais vivem apenas para ti e rezam todos os dias para que Deus te abençoe e proteja.”

Mas foi em Paris que sua fé definhou e sua vida ficou mais atormentada. Muitos de seus novos amigos eram “homens e mulheres sem princípios, ou melhor, de maus princípios” [3]. Sequer algumas mulheres lhe serviram de consolo — especialmente a escritora romântica George Sand, uma “devoradora de homens”, que o conheceu em 1836 e, depois de divergências de ideias e de personalidade, abandonou-o em 1847.

Sua já delicada saúde, particularmente em função das cada vez mais graves e frequentes infecções nos pulmões, enfraqueceu-o bastante nos seus últimos anos de vida. Um dos mais ilustres representantes da emigração polonesa, o padre Alexandre Jelowicki, amigo íntimo de Chopin, esteve próximo do músico em seu leito de morte. O próprio sacerdote viria a relatar detalhadamente o retorno de Chopin à sua antiga fé [4].

O padre Alexandre se aproveitou do humor adocicado do compositor para conversar com ele sobre sua querida mãe Justina, uma boa cristã. “Sim”, disse Chopin, “para não ofender minha mãe eu receberia os sacramentos antes de morrer, mas não tenho por eles a consideração que desejas. Compreendo a bênção da confissão como o alívio de um coração pesado por meio de uma mão amiga, mas não como um sacramento. Estou pronto para me confessar contigo se desejares, porque te amo, não porque considero isso necessário”. Mas o sacerdote não desesperou da graça, que parecia estar próxima.

Na noite de 12 de outubro de 1849, o médico do músico, convencido de que Chopin faleceria muito em breve, chamou o padre Alexandre, que foi correndo ao encontro dele. O moribundo apertou a mão do médico, mas pediu que ele fosse embora; garantiu que o amava, mas não quis falar com ele.

No dia seguinte, festa de São Eduardo, o Confessor, no martirológio tradicional, o padre Alexandre celebrou a Missa pelo repouso da alma de seu irmão Eduardo, morto com um tiro em Viena durante os motins de 1848, e rezou pela alma de Chopin. Ele voltou ao leito do músico e recordou-o de que aquele era o dia do onomástico de seu irmão, a quem o músico tanto amava. “Ó, não falemos sobre isso”, lamentou o moribundo. “Caríssimo amigo”, continuou o sacerdote, “deves me dar algo pelo dia do onomástico de meu irmão”. “O que devo te dar?” “Tua alma.” “Compreendo. Aqui está ela; toma-a!”

O músico segurou o crucifixo que lhe fora oferecido pelo padre Jelowicki; professou a fé em Cristo que sua mãe lhe ensinara e recebeu os sacramentos que o prepararam para se encontrar com o Deus vivo. Seu sofrimento durou quatro dias, mas ele se resignou, teve paciência e às vezes até sorria. O sacerdote escreveu:Advertising

Ele abençoou seus amigos e, quando — depois de uma crise que aparentava ser a última — viu a si mesmo rodeado pela multidão que dia e noite enchia seu quarto, perguntou-me: “Por que eles não rezam?” Ao ouvir essas palavras, todos se ajoelharam e até os protestantes se uniram às ladainhas e orações pelo moribundo.

Estas foram algumas das últimas palavras de Chopin: “Sem ti, meu amigo, eu teria morrido como um porco!” [5]. Ele invocou os nomes de Jesus, Maria e José, agarrou o crucifixo, apertou-o junto ao coração e disse, agradecido: “Agora me encontro na fonte da bem-aventurança!” Num apartamento no número 12 da Place Vendôme em Paris, onde hoje funciona uma joalheria, às duas da manhã de uma quarta-feira, 17 de outubro de 1849, Chopin, o rebelde, morreu aos 39 anos de idade. “Assim morreu Chopin”, concluiu padre Jelowicki, “e na verdade sua morte foi o mais belo concerto de sua vida” [6].

Publicado pelo site Padre Paulo Ricardo 

Referências

  1. The Catholic Northwest Progress, Seattle, WA, 6 de outubro de 1939, p. 3.
  2. Insegnamenti di Benedetto XVI, VI, 1, 2010, Libreria Editrice Vaticana, p. 284.
  3. J. Huneker, Chopin: The Man and His Music, New York: C. Scribner’s Sons, 1918, p. 79.
  4. Huneker, op. cit., 78-84.
  5. Wierzynski, The Life and Death of Chopin, New York: Simon and Schuster, 1949, p. 412.
  6. Huneker, op. cit. pp. 83-84.