Descubra o que está por trás da sentença de morte do pequeno Charlie Gard, o bebê cuja vida e família foram simplesmente “atropeladas” pela decisão irrecorrível de um tribunal.
“A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.”
(Ruy Barbosa)
Está-se passando no Reino Unido um caso terrível, ao qual os jornais aqui, de forma geral, não deram um pingo de atenção. Mas eles deveriam. Porque, se olharmos bem de perto, podemos enxergar nele o nosso futuro, bem como o nosso presente.
Charlie Gard é um bebê de apenas 10 meses com uma doença rara chamada “síndrome de depleção do DNA mitocondrial”. Trata-se de uma condição genética gravíssima, que leva ao mal funcionamento dos órgãos, lesões cerebrais e outros sintomas. O hospital infantil Great Ormond Street, de Londres, sob cujos cuidados estava o garoto, declarou que não há mais nada a ser feito por ele e determinou que fossem desligados os aparelhos que o mantêm vivo. No parecer dos médicos, o menino deveria “morrer com dignidade”, mas os pais, Chris Gard e Connie Yates, definitivamente não estão de acordo.
Este é o ponto mais importante a ser entendido: os pais não estão insistindo para que Charlie se mantenha ligado aos aparelhos. O que eles querem é tirá-lo do hospital e levá-lo aos Estados Unidos para ser submetido a uma forma de terapia experimental, e que um médico norte-americano já concordou em ministrar à criança. Chris e Connie conseguiram levantar mais de 1,6 milhão de libras para financiar este último e desesperado esforço para salvar a vida de seu filho. Tudo o que eles precisavam do hospital britânico era a liberação da criança aos cuidados dos pais — o que não parece ser um pedido assim tão absurdo. Eles deixariam o país, então, e tentariam a sorte com este tratamento no exterior: mesmo que fosse pequena a chance de isso dar certo, seria sem dúvida melhor do que simplesmente ficar sentado, assistindo ao seu filho morrer.
É aqui, então, que as coisas se tornam verdadeiramente insanas e barbáricas. O hospital se recusou a entregar Charlie de volta aos seus pais. A questão foi parar na Justiça e, finalmente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos acaba de proibir os pais de levarem o seu filho para receber tratamento nos Estados Unidos. De acordo com a sentença, é um “direito humano” de Charlie expirar na sua cama de hospital em Londres; os pais não estão autorizados a tentar salvar a sua vida; faz parte “de seu maior interesse” simplesmente morrer.
Na Europa, a “morte com dignidade” sobrepõe-se a todos os direitos.
Na Europa, uma mãe pode matar o seu filho, mas não pode mantê-lo vivo.
Mais uma vez, trata-se de algo barbárico.
Tenho ouvido muitas pessoas racionalizando essa decisão demente com o argumento de que “os médicos entendem melhor” sobre o assunto. Isso pode muito bem ser relevante e verdadeiro em situações nas quais os familiares tentam forçar os médicos a tratamentos que eles, como profissionais, sabem que não funcionarão. Mas não é isso o que está acontecendo aqui. A única coisa que esses pais estão tentando “forçar” os médicos a fazer é liberar o seu filho, a fim de que ele possa ser levado a médicos diferentes, em um país diferente. Os médicos podem até ser a autoridade final a respeito de que medidas eles pessoalmente tomariam, mas não são a autoridade final sobre a vida em si mesma. Uma coisa é eles dizerem: “Eu não farei este tratamento”; outra bem diferente é eles sentenciarem: “Vocês não estão autorizados a pedir este tratamento a ninguém. A criança deve morrer.” A primeira afirmativa é razoável; a segunda é bárbara e chama-se eutanásia.
Tenho visto algumas pessoas nas redes sociais qualificando o caso como “inimaginável” ou “incompreensível”. Trata-se certamente de algo terrível, mas infelizmente não foge à minha compreensão nem excede os limites de minha capacidade imaginativa. Esses tipos de casos são inevitáveis na Europa e, a menos que aconteça uma mudança drástica no curso das coisas, em breve se tornarão comuns também deste lado do Atlântico. Já está tudo sendo cuidadosamente delineado nesse sentido. Basta levar em consideração os dois seguintes fatores.
Primeiro, é isso o que acontece quando os direitos dos pais são subordinados ao Estado.
Esse caso trouxe à tona algumas questões de relevância máxima. Quem deve deter a palavra final sobre uma criança? Devem ser os seus pais, ou um grupo de médicos, juízes e burocratas? Se os pais não têm precedência em uma situação que envolva a vida e a morte, que direito eles possuem? Se eu não tenho poder de decisão quando a vida de meu filho está em jogo, que raio de poder, então, realmente me cabe?
Na Europa, é assim que as coisas têm funcionado: um pai pode até ter alguma “jurisdição” sobre as menores minúcias da vida diária de seus filhos, mas, quando se trata das grandes questões — como eles serão educados, como devem levar a vida, em que devem acreditar, quando devem morrer —, é cada vez mais da alçada do Estado determiná-las. Como diz um especialista em “ética médica” de Oxford, os direitos dos pais estão “no coração” das decisões médicas mais importantes, mas “tudo tem limites”. Chris e Connie aparentemente atingiram os “limites” de sua autoridade parental e, agora, devem resignar-se enquanto seu filho agoniza até a morte. São esses, observem bem, os tais “limites” a que querem constringir a família. Você é pai até um certo ponto, a partir do qual o relacionamento com seu filho não conta para absolutamente mais nada.
Segundo, é isso o que acontece quando a vida humana deixa de ser vista como algo sagrado.
Qual o problema em levar uma criança aos Estados Unidos para receber tratamento? Pode não funcionar, é claro, mas por que não tentar? Os pais conseguiram levantar dinheiro suficiente para pagar tudo, incluindo uma ambulância aérea para transportar o bebê até a unidade de tratamento. Ninguém está sendo excessivamente onerado aqui. Ninguém está sendo forçado a fazer algo que não queria fazer. Existe alguma coisa a perder?
Olha, respondeu o Tribunal, só não vale a pena o transtorno. Eles analisaram todas as variáveis, usando as suas várias formulações, e chegaram à conclusão de que não faz sentido passar por todo esse transtorno na pequena esperança de salvar a vida de um ser tão “insignificante”. Sim, eles usaram a desculpa de que a criança está “sofrendo” — e eu tenho certeza que está —, mas isso não justifica proibir os pais de esgotarem todas as opções possíveis para aliviar o sofrimento do seu filho. Morrer não é um plano de tratamento para o sofrimento. Morrer é morrer. É a destruição da vida. Todos nós vamos experimentar a morte um dia, mas a sua inevitabilidade não anula o valor e a dignidade da vida humana.
Tudo isso se resume, no fim das contas, ao fato de que os poderes vigentes não vêem o valor fundamental da vida. É por isso que você escuta essas pessoas falarem mais frequentemente da “dignidade” da morte do que da dignidade da vida. Eles defendem com unhas e dentes o “direito” de morrer, mas dão de ombros para — quando não militam contra — o direito à vida. As leis na Europa refletem essa ênfase na morte ao invés da vida: lá se matam as crianças nos ventres e, depois que nascem, a eutanásia espera por elas ( sejam doentes terminais ou não). Uma vez que o “direito de morrer” é colocado acima do direito à vida, a morte continua a ganhar terreno e a devorar cada vez mais pessoas. A morte é uma força destrutiva. A que pode mais ela conduzir, senão à aniquilação?
Nós na América não estamos tão mal a este ponto, mas chegaremos lá. Só nos Estados Unidos, já matamos centenas de milhares de crianças no ventre de suas mães, e frequentemente falamos com admiração de pessoas que tomaram a “corajosa” decisão de cometer suicídio. Também nós, em muitas situações, infelizmente colocamos a autoridade do Estado acima dos direitos dos pais. Nosso sistema educacional está construído sobre essa filosofia.
Por isso, eu repito, tudo já está sendo delineado. Prepare-se para o que há de vir. E reze por esses pais que estão perdendo a alma de seu filho para o Estado Leviatã.
Por Matt Walsh — The Blaze | Tradução e adaptação: Equipe CNP