Um aborto processual

A ADPF 442 tem como fim atropelar o natural e insubstituível debate legislativo sobre o aborto por meio de uma resposta jurisdicional do STF

 | Robson Vilalba/Thapcom

Na falta de uma agenda parlamentar mais consistente, o partido de “oposição à esquerda”, cujo nome já se perde na contradição de expressões que lhe deram, resolveu ficar na oposição da democracia: ingressou com uma ação constitucional, a ADPF 442, com o fim de atropelar o natural e insubstituível debate legislativo sobre o aborto por meio de uma resposta jurisdicional do STF, o qual, no frigir dos ovos, se verá, mais uma vez, tentado a prodigalizar outra aula de ativismo judicial.

Explico. Esse partido, que porta a única dimensão existencial em que o socialismo rima com a liberdade, pleiteia a descriminalização do aborto até a 12.ª semana de gestação do feto, hipótese não contemplada pelos dois incisos do artigo 128 do Código Penal. Em outras palavras, o partido pretende, por meio do exercício do direito à jurisdição, cujo véu, diáfano, permite vislumbrar o autoritarismo da atitude, que as 11 cabeças iluminadas de nossa suprema corte, ao fim, acabem por legislar no lugar dos 513 deputados e 81 senadores que foram eleitos para isso.

Como diz a turma que defende o homicídio uterino, “precisamos falar de aborto”. Realmente. Mas venhamos e convenhamos: os argumentos lançados em prol da execução de seres inocentes e indefesos já viraram um grande e entediante monólogo de um mesmo e estultificante discurso pleno de razões e nulo de razão.

Os argumentos lançados em prol da execução de seres inocentes e indefesos já viraram um grande e entediante monólogo

A ADPF 442, um verdadeiro e próprio panfleto abortista, estampa, em sua inicial, aquele monólogo cujos argumentos, no limite, dada a inconsistência lógico-teórica invencível, mais lembram a arte de esgrimir a parede. Ei-los: retórica utilitária (“o futuro mutilado de adolescentes grávidas ou de mulheres abandonadas já com muitos filhos”), criminal (“só se punem as mulheres pobres”), sanitária (“abortos clandestinos matam muitas gestantes”), feminista (“sou dona do meu corpo”) ou eugênica (“sofre disso ou daquilo e não tem viabilidade existencial”).

Não se pretende dissecar todas essas linhas retóricas. Apenas uma delas, a mais sofisticada, a premissa retórica escrita na petição inicial, de que “seres humanos não nascidos não são pessoas, mas simples criaturas humanas intraútero”.

Quer dizer que, até o dia em que eu nasci, eu fui um amontoado celular, com uma vida manipulável ao sabor dos interesses alheios. Quando minha cabeça passou pelo ventre de minha mãe, num passe de mágica, eu virei pessoa e, a partir de então, minha vida passou a ser tutelada pela lei e pelo ente estatal. Ou, dito de outra forma, segundo o autor da ação, eu não precisaria esperar pelas 40 semanas para me tornar pessoa: a partir da 13.ª, eu já poderia respirar aliviado.

Independentemente do suporte biológico que sustenta a tese da 12.ª semana – que, no fundo, é uma desculpa científica que porta uma visão eugenista da vida –, essa mesma tese parte de um pressuposto bem claro: uma espécie de reconhecimento do outro como pessoa baseado somente na projeção de uma identidade, quando o feto deixaria de ser feto e passaria a se chamar Elena ou Letizia.

O problema é que essa “validade onomástica” tornaria o direito à vida uma faculdade e não um dever. Privatiza-se a noção de vida humana. Para mim, é Sofia; para ele, é uma parte do corpo; para ela, um “ente” a ser validado por uma relação de identidade e, para os partidários da “liberdade socialista”, “simples criaturas humanas intraútero”.

Nietzsche recordava-nos de que “na história da sociedade, há um ponto de fadiga e enfraquecimento doentios em que ela até toma partido pelo que a prejudica e o faz a sério e honestamente”. É o caso da ADPF 442, um verdadeiro aborto processual, porque pretende inovar na ordem jurídica brasileira, ao arrepio do diálogo legislativo nas duas câmaras parlamentares, e fazer da pauta abortista – a pauta da cultura da morte – uma espécie de destino inexorável de nossa sociedade.

Corrijo: não precisamos falar de aborto. Precisamos falar de feto. O feto é apenas o que fomos antes da nossa configuração presente. O feto será uma criança, um adolescente ou um adulto se não existir nenhum obstáculo terminal pelo caminho. A questão fundamental está em saber que direito tem um partido de ser esse obstáculo.

André Gonçalves Fernandes
Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, membro da ADFAS e do Movimento Magistrados pela Justiça.

Coisas que os que defendem o aborto ignoram

Coisas que os que defendem o aborto ignoram:
1) que o embrião humano é um ser humano, imaturo como qualquer criança, porém ainda assim, um humano.
2) que o embrião humano é um ser vivo.
3) que tirar a vida de um ser que vive chama-se matar.
4) que matar um ser humano chama-se assassinato.
5) que proteger a vida de um ser humano mais fraco é o dever do Estado Laico.
6) que lutar pelo direito de tirar a vida de um ser humano mais fraco inconveniente abre precedentes para tirar a vida de outros seres humanos inconvenientes.  E se um dia o ser humano fraco e inconveniente for você?  Como invocar os direitos humanos que você mesmo ajudou a abortar?
7) que nos países onde o aborto foi legalizado houve um aumento enorme de abortos.
8) que o aborto é um procedimento muito lucrativo e existem interesses econômicos muito fortes que financiam uma propaganda enganosa para convencer você que o extermínio de crianças dentro do ventre possa ser aceitável.
9) que o aborto fere as mulheres de forma muito mais profunda do que apenas fisicamente.  Há maior frequência de frigidez, depressão, uso de drogas ou álcool e maior tendência ao suicídio em mulheres que provocaram aborto do que na população feminina em geral.
10) que a grande maioria das mulheres que desistem de abortar ficam felizes com a decisão e seus filhos tornam-se um dos maiores motivos para viverem.
11) que o aborto não é e nunca foi causa de milhares de mortes de mulheres anualmente no Brasil.
12) que o aborto não é e nunca foi a principal causa de morte de mulheres no Brasil.
13) que o aborto não é e nunca foi a principal causa de morte materna no Brasil.
14) que apoiar a legalização de um crime porque ele continua sendo praticado mesmo sendo ilegal  justificaria também legalizar qualquer outro crime e não faz nenhum sentido ou lógica.
15) que no momento em que um espermatozoide humano fecunda um óvulo humano, uma nova vida humana tem início.   Qualquer argumento contrário é arbitrário e carece de qualquer fundamento científico.
16) que nosso sistema de saúde pública está falido, não conseguindo dar conta sequer das mínimas necessidades da população.  Não conseguirá também fazer abortos seguros.  Na verdade quem defende o aborto legal defende o legalização do lucro das clínicas particulares do aborto.
17) que tirar a vida de um ser humano indefeso e inocente é errado.
18) que sexo pode gerar bebês.   Se decidir fazer, faça-o com responsabilidade e não destrua uma outra vida para sua comodidade.
19) que dizer que aborto de bebês com deficiência é um tipo de tratamento é a maior forma de exclusão social que pode existir.  É dizer a todos os deficientes que nossa sociedade acha que seria melhor que eles estivessem mortos.
20) que seu direito de escolha termina quando sua escolha envolve a vida de outro ser humano.
21) que o aborto é a pena de morte para um ser humano menor de 18 anos, inocente de qualquer crime, sem direito a um julgamento ou a um advogado de defesa.
22) que o bebê fruto de um estupro é inocente deste estupro e na verdade é uma segunda vítima do estuprador.  Pagará com a vida pelo crime do pai, que muitas vezes nem será sequer preso.
23) que se você tivesse sido abortado não estaria lendo estas linhas.
Reflita.

Aborto no Brasil

Atualmente, há um movimento articulado que transforma leigos e ativistas em “especialistas” pela mídia. Todos estes atores juntos distorcem e literalmente inventam informações, algumas vezes por ignorância, outras com verdadeiro dolo. Uma área da ciência na qual este movimento ocorre com total força é na obstetrícia, principalmente nos temas do aborto e da via de parto. Feministas, ativistas pró-aborto, pesquisadores ligados a instituições pró-aborto, mídia com viés de esquerda, dentre outros, descaradamente, manipulam dados em busca da liberação do aborto no Brasil em qualquer situação. Mesmo os especialistas de renome consultados possuem viés fortemente favorável à causa, não havendo espaço para o contraditório. Reparem que os entrevistados neste tema são sempre os mesmos. Quando alguém que pensa “fora da caixa” dos ativistas tem oportunidade de falar, provoca um espanto tão grande que transforma uma entrevista que deveria ser técnica em um cenário de ativismo como ocorreu comigo nesta entrevista sobre via de parto na GloboNews:

O que causa bastante estranhamento nesta discussão é que são alijados dela especialistas de renome. Como um exemplo simbólico, há um projeto de Lei (PL 7633/2014) em tramitação na Câmara dos Deputados de autoria do Deputado Jean Wyllys sobre via de parto que declaradamente utilizou como assessores na confecção a ABENFO (Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras) e a Associação Artemis (ONG declaradamente feminista), não dando qualquer espaço aos que realmente serão vítimas caso o projeto seja aprovado (médicos obstetras). Como médico obstetra, doutor em ginecologia e mestre em saúde coletiva escrevo este artigo com o intuito de dar a visão de um especialista sobre o tema e esclarecer os dados relacionados ao aborto no Brasil.

1. Não há uma epidemia de internações por aborto no Brasil

O primeiro ponto que deve ser sempre lembrado é que o aborto espontâneo é muito comum. Podemos encontrar relatos na literatura de até metade das gravidezes evoluir para aborto. Isso pode se dar por diversos motivos, mas os principais são: alterações genéticas e cromossômicas, infecções maternas, traumas, dentre várias outras. E saber isso ajuda a desmascarar o primeiro mito dos ativistas a favor do aborto: não há muitas internações por aborto no Brasil. Dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS nos mostram que em 2016 houve cerca de 186 mil internações pós-aborto para realização de curetagem (procedimento para retirada de restos ovulares) e aspiração manual intrauterina (mesmo propósito, mas menos agressivo). Levando em conta que tivemos cerca de 3 milhões de partos neste mesmo ano, o número pode ser considerado pequeno (6,2%). Portanto, não há qualquer epidemia de internações por aborto. Na maioria das vezes, a mulher aborta antes do atraso menstrual e nem se dá conta.

Os ativistas mentem descaradamente ao afirmar que grande parte deste número é advindo de abortos provocados. Não há qualquer possibilidade de sequer estimar qual a porcentagem destes casos que pode ser creditada ao aborto ilegal. Exatamente por ser ilegal, a paciente comumente não relata que foi provocado. E mesmo quando há o relato, o médico jamais vai divulgar por conta do sigilo médico. O dado que o Datasus recebe, portanto, é do total de abortos (espontâneos, legais, ilegais, etc.). Cada morta por suspeita de aborto ilegal deve ser enviada obrigatoriamente para necropsia no IML por se tratar de morte violenta. Somente nestes casos pode ser feita a associação inequívoca da morte com o aborto ilegal. O médico hospitalar não pode fornecer a declaração de óbito em casos de mortes violentas, exceto nos raros casos em que não é possível enviar a paciente ao IML.

2. O número de mortes maternas por aborto é muito menor do que a mídia diz

A mídia é especialista em divulgar dados infundados sobre o aborto. Esta reportagem do jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, comete erros em série. Inicia com a chamada “4 mulheres morrem diariamente por complicações do aborto”. O corpo do texto – aquele que boa parte das pessoas não lê – entretanto, afirma algo bem diferente: “o Sistema de Notificação de Mortalidade (SIM) (…) indica 54 mortes comprovadas de mulheres em decorrência da interrupção da gravidez em 2014”. O Estadão não diz exatamente de onde tirou o número que sustenta a chamada (“números do Ministério da Saúde obtidos pelo Estado”), mas é fácil deduzir: simplesmente usaram a totalidade de mortes maternas em 2015 (um total de 1738 mortes) que englobam qualquer causa, sendo as principais identificadas: eclampsia (164), hipertensão (162) e hemorragia pós-parto (127). As mortes por “falha de tentativa de aborto”, “outros tipos de aborto” e “aborto não especificado” somaram 53 no ano de 2015, um número quase 33 vezes menor.

Na gravidez, a mortalidade ocorre principalmente no parto e próximo pelos motivos mencionados (hipertensão, hemorragia, eclâmpsia, dentre outros). O aborto é somente a quinta causa clínica de mortalidade materna. Culpar o aborto pela mortalidade materna é jogar uma cortina de fumaça nos reais problemas que transformam o sistema de saúde brasileiro em um assassino de gestantes: péssima assistência, maternidades em grande parte parecendo uma pocilga, pré-natal em que é praticamente impossível conseguir ser atendido por um obstetra, falta de leitos em grande parte dos municípios, falta de treinamento de profissionais que fazem a assistência ao parto, retirada do obstetra da assistência ao parto em prol de parteiras e enfermeiros para baratear o custo em demérito da saúde, imposição do parto vaginal mesmo em situações em que não há condições com o objetivo de baratear os custos em saúde, dentre outros.

Outra matéria, agora d’O Globo, divulga um falso número de mortes maternas ligando-as ao aborto: “65 mil mulheres morreram no Brasil por complicações ao dar à luz, durante ou após a gestação ou causadas por sua interrupção.”. É notório que a mortalidade materna do Brasil é vergonhosa, mas nem em Chade, o país com a pior mortalidade materna do mundo, o número chegaria a este valor. Como dito anteriormente, houve 1738 casos de mortalidade materna no Brasil em 2015, o que já é um vexame absoluto tendo em vista que a mortalidade materna do Japão é de cerca de 3 mortes por 100 mil nascidos vivos.

3. O aborto legal no Brasil não é tão seguro quanto pregam

A mesma reportagem do Estadão afirma que o aborto legal é um “procedimento seguro”. Um detalhe mostra exatamente o contrário: utilizando dados do DataSUS de 2015 para mortes decorrentes do aborto (Figura 1) nota-se que houve 3 mortes por aborto por causas médicas e legais, ou seja, aqueles realizados no hospital com teoricamente todo o cuidado. Dado que estas mortes decorreram dos 1700 casos de abortos realizados de forma legal, temos uma taxa de 176 mortes em 100 mil! É um número espantoso que deveria obrigar os gestores a fazerem uma inspeção em todos os centros de realização de aborto legal no que se refere a material humano, ambiência e outros fatores. Este dado desmente o obstetra entrevistado na matéria que relata “ocorrer 0,5 mortes a cada 100 mil abortos legais e seguros”. Para efeito de comparação, os cerca de 60 mil homicídios anuais no Brasil correspondem a uma taxa de 30 mortes em 100 mil.

Figura 1: Três mortes por abortos por causas médicas e legais em 2015. Fonte: DataSUS
Cabe salientar que o CID (Classificação Internacional de Doenças) de aborto por razões médicas e legais (O08) compreende aqueles feitos por estupro, anencefalia e causas médicas que são exatamente os previstos na lei brasileira. Não sendo leviano como muitos ativistas a favor do aborto, lanço a hipótese destes casos poderem ser de doenças graves maternas que obrigaram a interrupção da gravidez, mas é algo a verificar e somente o Ministério da Saúde pode fazê-lo. Por outro lado, é possível que grande parte dos bons obstetras se negue a fazer abortos decorrentes de supostos estupros por objeção de consciência, direito previsto em lei para casos que não se caracterizam como emergência.

Até mesmo a mais alta autoridade na área da saúde, o ministro Ricardo Barros, soltou pérolas sobre o tema. Em entrevista dada ao Estadão, o ministro afirmou: “Recebi a informação de que é feito 1,5 milhão de abortos por ano. Desse total, 250 mil mulheres ficam com alguma sequela e 11 mil vão a óbito.” Como já vimos, o número total de abortos é um completo chute. Pode ser mais, pode ser menos. Pode ser qualquer coisa. Mas os outros dois números são irresponsáveis e fogem a qualquer lógica. O suposto número de 11 mil óbitos é quase 10 vezes maior que a real mortalidade materna total do país (1738 mortes em 2015). E número de mortes por “falha de tentativa de aborto”, “outros tipos de aborto” e “aborto não especificado”, como já vimos, foi de 53 em 2015. A ocorrência de uma morte, embora possa ter sua causa subnotificada, tem probabilidade de erro muito menor porque a declaração de óbito é necessária para efetuar o enterro, e a informação é enviada imediatamente para as estatísticas oficiais. Já o suposto número de 250 mil mulheres com sequelas supera, inclusive, o total de internações anuais por todos os tipos de abortos: 186 mil. É sabido que o aborto tem uma taxa de sequelas muito baixa e, na maioria das vezes, de menor importância. Portanto, estes números sequer podem ser chamados de chutes. É, na melhor das hipóteses, uma completa ignorância sobre o tema. Ou pior: um reflexo do fato de muitas áreas técnicas da saúde da mulher são aparelhadas por militantes pró-aborto. É fundamental que estes postos sejam ocupados por pessoas técnicas com rigor científico.

4. Os estudos sobre o aborto divulgados pela mídia geralmente são enviesados

Os números dos estudos sobre o aborto geralmente adquirem vida própria e são utilizados da forma mais irresponsável possível pela mídia e por ativistas. De forma geral, é importante, ao ler um estudo, ver quem são seus autores, seus possíveis conflitos de interesse, estudos anteriores, como foram financiados, quais agências de fomento públicas ou privadas patrocinaram seus estudos, a ideologia que possuem, se são “queridinhos” pela mídia e muitas outras variáveis muitas vezes difíceis de serem avaliadas pelos leigos.

Outro fator importante a observar é se o pesquisador é da área. É comum, no Brasil, na área de obstetrícia, os pesquisadores serem epidemiologistas, antropólogos, sociólogos, doulas, dentre outros. Muitas destas pessoas sequer sabem o que é a barriga de uma grávida do ponto de vista clínico. E, não mais que de repente, passam a ser sumidades na área da obstetrícia de dentro de suas salas refrigeradas. Pessoas que jamais viram um parto passam a dizer, por exemplo, quando se deve fazer parto vaginal ou cesariana. Algo semelhante ao que ocorre na área de segurança em que indivíduos que nunca patrulharam uma rua passam a ser considerados pela mídia “especialistas” na área.

Deve-se atentar também para o fato de que entidades mundiais de grande renome também possuem conflitos de interesses, algo perigoso dado que elas possuem poder e norteiam políticas de saúde pública pelo mundo, tornando muito difícil alguém contrário ter voz para criticar seus dados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma grande alarmista nesta questão do aborto ajudando por vezes a espalhar dados não reais. Na questão do parto, por exemplo, desde 1985 a OMS exigia que os países seguissem uma taxa irreal de no máximo 15% de cesarianas. Somente em 2016, após muita pressão, ela acabou com esta meta que impossível de ser cumprida sem expor mulheres a risco. Nenhum país desenvolvido do mundo possui taxas de cesarianas menores que 15%. A única vantagem desta taxa era baratear a assistência médica e arrumar emprego para parteiras e enfermeiros ao retirar o obstetra. Não consigo me lembrar de nenhum caso recente de filho ou parente de político que tenha tido parto vaginal, mas eles são os primeiros a defendê-lo para os mais pobres.

5. O estudo mais utilizado no Brasil para estimar a quantidade de abortos se baseia em premissas sem qualquer comprovação científica, vulgo “chute”

Um estudo bastante utilizado como fonte por ONGs pró-aborto é o de Monteiro, Adesse e Drezett (2015) publicado pela revista “Reprodução & Climatério”. A primeira crítica que faço ao estudo é que ele parece denominar o aborto ilegal como aborto “induzido” sendo que o aborto legal também pode ser induzido. Em outro momento ele se refere a “induzido e clandestino” quando seria mais clara a denominação “aborto ilegal”. Mas a situação fica crítica quando notamos que todos os resultados são baseados em estimativas que usam premissas ditadas pelo Guttmacher Institute, uma instituição fundada pela principal rede de abortos dos Estados Unidos, a Planned Parenthood. O cálculo multiplica por 5 o número de internações hospitalares usando uma premissa não validada de que, no Brasil, a cada 5 mulheres que realizam um aborto ilegal, 1 vai procurar assistência médica; e estabelece outras premissas duvidosas sem qualquer comprovação científica: um chute onde 25% dos abortos são espontâneos e há 12,5% de subnotificação.

Baseado nestas regras, sem qualquer comprovação científica, o estudo concluiu que a quantidade de abortos ilegais pode ter variado de 687 a 865 mil em 2013 e que este número tem caído com o passar dos anos provavelmente por haver um melhor acesso a métodos contraceptivos. A mídia adota este estudo como uma verdade que não merece qualquer tipo de contestação. Se eu fosse realizar uma estimativa, baseado no número real de 186 mil internações por aborto anuais no Brasil, calcularia que cerca de 25% delas foram causadas por abortos ilegais e multiplicaria este número por 2 para incluir aquelas que não procuraram o hospital, o que daria 93 mil abortos ilegais por ano. Para chegar a este cálculo partiria do princípio que, atualmente, o método mais utilizado para o aborto ilegal é o misoprostol (Cytotec) e ele tem uma baixa taxa de complicações, mas muitas mulheres que o utilizam sangram, ficam com medo de ainda terem “alguma coisa” no útero e procuram o hospital para se certificarem do sucesso do método. Outras realmente têm algum tipo de ocorrência mais séria e precisam de atendimento médico.

Quem realmente atende pacientes nota que o número de abortos espontâneos é muito maior, mesmo porque não é muito difícil diferenciar o espontâneo do ilegal. As próprias pacientes costumam falar a verdade quando perguntadas por uma questão de sobrevivência. O médico precisa saber e elas confiam nos obstetras sabendo que a grande maioria jamais quebrará seu juramento de sigilo. Eu, mesmo sendo terminantemente contra o aborto, jamais deixaria de atender uma paciente com complicações para utilizar o que ela me falou contra ela.

6. Os dados sobre o aborto no Brasil não possuem a qualidade necessária para retirar conclusões inequívocas

Um ponto muito importante que deve ser minuciosamente explicado, já que grande parte destes estudos se valem de documentos oficiais, é como os dados oficiais sobre o aborto surgem.

No Brasil, o aborto é crime salvo nas situações previstas em Lei. Portanto, como já dito, em 2015 houve cerca de 1700 abortos legais. Todo o resto será classificado pelo CID-10 em categorias clínicas ou não classificadas compreendidas entre O0-0 e O0-8. Não há nenhuma classificação para aborto ilegal. O aborto médico e legal está na categoria O0-4 e só compreende os casos de estupro, anencefalia e risco de vida materno. Logo, o número de abortos ilegais em qualquer estudo não passa de um chute.

Há dados bons e dados péssimos. O médico é o único responsável por preencher a declaração de óbito e diagnosticar se o paciente está vivo ou morto, havendo poucos erros neste diagnóstico. A via de parto (cesariana ou vaginal) também costuma ser mencionada pelo médico de forma clara. Mas quando a questão é mais complexa e é difícil obter o real diagnóstico, a confiança é muito menor. No caso do aborto, é muito provável que o médico assistente coloque como diagnóstico no prontuário algo como “restos ovulares”, “aborto espontâneo”, “aborto incompleto”, “mola”, dentre outros. O médico não tem a preocupação de escrever no prontuário exatamente como no CID-10 nem é esta a sua obrigação, sua obrigação é salvar vidas! Entretanto, cada prontuário se torna fonte para totalizar os 186 mil casos de abortos por ano no Brasil.

Fora isto, cabe lembrar que os responsáveis por encaminhar os dados para o Ministério da Saúde não são os médicos que atendem o paciente diretamente, mas os burocratas dos hospitais. Letras de médicos são normalmente difíceis de serem decifradas e, muitas vezes, o diagnóstico que o médico deu não está na lista que o burocrata consulta para enviar a informação, o que faz com que ele chute. Inclusive, se não o fizer, o hospital pode nem receber o pagamento pela internação. Dificilmente o responsável pelo envio da informação ao Ministério da Saúde procurará os médicos que atenderam diretamente a paciente para se certificar do que houve e, mesmo que o faça, o médico dificilmente lembrará. Afinal, estamos falando de hospitais com milhares de atendimentos por mês.

Ou seja: qualquer estudo baseado nestes dados sofrerá um absurdo viés que o ferirá de morte: o viés de informação. E são estes dados que alimentam os Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Informações Hospitalares (SIH), as bases que os pesquisadores pró-aborto utilizam para fazer suas estimativas. A literatura sobre as inconsistências nos dados é farta. Um estudo de 2016 mostrou que há fraca correlação entre o descrito na declaração de óbito e o preenchido no sistema. Outro estudo do mesmo ano mostrou uma taxa de acerto menor do que 70% nas declarações de óbito feitas por médicos professores de uma Universidade Federal, sendo que a causa da morte apresentou erro de preenchimento acima de 50%. É lógico concluir que os erros no preenchimento de prontuários relacionados ao aborto sejam iguais ou ainda maiores.

7. Não é preciso fazer boletim de ocorrência para fazer um aborto legal e a maioria dos obstetras é contra a ampliação da lei do aborto

Em 2016, um estudo avaliou todos os 68 centros de aborto legal no Brasil. Chamou atenção o fato de que, dos 1283 prontuários de aborto legal analisados no estudo, 1212 tiveram estupro como justificativa, 55 anencefalia, 9 risco materno e 7 por outras malformações graves que não a anencefalia. É absolutamente impossível saber quantos destes estupros foram reais e quantos foram mero subterfúgio para obter o aborto. Como o próprio Ministério da Saúde orienta que não há necessidade de apresentar o Boletim de Ocorrência (BO) para obter um aborto legal por estupro, este número tende a ser cada vez mais desconhecido.

Os autores do mesmo estudo relatam a capacitação escassa das equipes e a dificuldade para obter um médico-obstetra para integrar as equipes, dado que grande parte dos médicos escolheu a profissão para salvar vidas. Sobre este tema, um ginecologista que realiza abortos legais recentemente relatou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que a objeção de consciência não é motivo relevante para não realizar abortos citando uma pesquisa que diz que “65% dos ginecologistas acham a legislação penal do aborto restritiva demais”. O que ele não disse é que a pesquisa foi realizada em 2003 e 2005, e está bem claro nela que os obstetras consideravam isso principalmente em situações de malformações fetais graves (77% em 2003, 90% em 2005), uma questão decidida pelo STF em 2012, enquanto somente 9,7% (em 2015) declarou ser a favor do aborto em qualquer circunstância. Eu, por exemplo, sou obstetra, não concordo com ampliação e me recusaria a fazer um aborto por objeção de consciência conforme a lei me autoriza. De acordo com a pesquisa citada, a maioria dos obstetras também pensa assim.

8. O famoso estudo de Débora Diniz e salada de números que ele criou

Em 2016, foi publicado um estudo amplamente divulgado pela mídia que tem como autores Débora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro. Avaliando 2002 mulheres alfabetizadas de diferentes áreas urbanas brasileiras e autointitulado “Pesquisa Nacional do Aborto 2016”, o estudo concluiu que 20% das mulheres entre 35 e 39 anos de idade (definidas como “próximas aos 40 anos de idade”) fez um aborto ao longo da vida.

Primeiro: é muito complicado avaliar por meio de questionários qualquer ato que seja ilegal. Mesmo que as pesquisadoras tenham tomado cuidado para aumentar a sensação de sigilo e utilizado a “técnica da urna” (questionário em papel respondido pelas próprias entrevistadas e depositado em uma urna lacrada), o medo existe.

Entretanto, vamos assumir que o resultado esteja correto. O problema vem logo a seguir, quando o próprio estudo e a mídia extrapolaram os resultados para todo o Brasil, relatando um valor absurdo de “503 mil abortos por ano” ou “quase um aborto por minuto” como publicou a Carta Capital: “Estima-se que, aos 40 anos, uma em cada cinco tenha feito ao menos um aborto ao longo da vida, ou 4,7 milhões de brasileiras. Somente no ano passado, 503 mil optaram pela interrupção da gravidez. Foram ao menos 1,3 mil abortos por dia, 57 por hora, quase um por minuto. Essas brasileiras são, acima de tudo, mulheres comuns. Os dados foram revelados pela Pesquisa Nacional do Aborto 2016, um dos maiores levantamentos sobre o tema no Brasil, realizado pelo Anis – Instituto de Bioética em parceria com a Universidade de Brasília e financiado pelo Ministério da Saúde.”

A suposição que me causou mais espanto e, obviamente, a mídia não se tocou ou ignorou, é que o estudo mostrou que cerca de 50% das mulheres que fizeram o aborto precisaram ser internadas para concluí-lo. Esta taxa é exatamente o valor que supus baseado na minha experiência como obstetra, com a diferença que, se usarmos os dados oficiais do Ministério da Saúde para fazer a extrapolação, temos 93 mil abortos ilegais por ano e não 503 mil. Lembrando que o número real de abortos ilegais não é conhecido.

Cabe salientar, utilizando a técnica que menciono no item 4, que o realizador deste estudo (“Anis – Instituto de Bioética”) se autodeclara como uma “ONG feminista” que desenvolveu “a estratégia da ADPF 54, em cuja decisão, em 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à interrupção da gestação para mulheres grávidas de fetos anencéfalos”.

9. Nada indica que a legalização do aborto diminuirá a quantidade de abortos

Este é outro ponto que os ativistas adoram afirmar: “a legalização reduzirá o número de abortos”. O bom senso e a lógica, entretanto, mostram que o número aumentaria. Logo, os ativistas citam estatísticas do Uruguai, França, Portugal e outros países que mostrariam que ocorre uma diminuição. O problema é que tal argumentação utiliza as mesmas “estimativas” (chutes) do número de abortos ilegais que menciono ao longo do texto. Ou seja, dados não confiáveis. Não há veracidade neste argumento.

Conclusão

Espero que este texto tenha ajudado a trazer alguma luz sobre os abortos no Brasil. Trouxe minha experiência de pesquisador, obstetra que já trabalhou em algumas das maternidades mais movimentadas do estado do Rio de Janeiro e ex-dirigente da Comissão de Parto, Puerpério e Abortamento da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

O Brasil só mudará o panorama de mortes maternas se houver investimento (não necessariamente estatal) pesado em saúde sem mentiras como “iremos diminuir a mortalidade materna se legalizarmos o aborto”, “precisamos diminuir as cesarianas” (inventando termos como “violência obstétrica” para qualquer ato médico muitas vezes necessário como episiotomia e outras manobras obstétricas) e retirando o obstetra da assistência ao parto colocando no lugar enfermeiros e obstetrizes para gastar menos. Como este texto deixa claro, estas ações são articuladas e os ativistas pró-aborto possuem ótimas relações na mídia, judiciário, artistas, opinião pública, “intelectuais” e outros formadores de opinião. Convém combatê-las com a melhor arma de todas: a verdade.

“Ainda bem que não consegui abortá-lo”, revela mãe de Cristiano Ronaldo

Em lançamento de livro sobre a história da família, ela conta que tomou um chá abortivo para interromper a gestação, mas felizmente não funcionou

“Foi uma grande alegria, e ainda bem que não consegui abortar. Porque ele foi uma estrela que iluminou a nossa vida”. A frase foi dita por Dolores Aveiro, mãe do jogador de futebol Cristiano Ronaldo, à Gazeta Esportiva, durante o lançamento do livro “Mãe Coragem”, em São Paulo. A biografia, escrita pelo jornalista angolano Paulo Sousa Costa, conta a história de vida de Dolores e de Cristiano Ronaldo, passando pelo momento em que ela quase abortou o filho.

No livro o autor conta sobre a violência física sofrida por Dolores por parte do pai e da madrasta e de seu casamento na adolescência com o primeiro namorado. Aos 20 anos ela já era mãe de três filhos e levava uma vida precária e com um marido ausente. Passados 10 anos do nascimento da então filha caçula, Dolores se viu grávida da quarta criança e, não querendo mais passar pelo que já estava vivendo com os outros três, decidiu pelo aborto.

Ela então procurou por um médico que se recusa a interromper a gravidez. Disposta a não ter o filho, Dolores resolveu tomar um chá caseiro que não surtiu efeito e a forçou a seguir com a gestação.

Com o tempo, Cristiano Ronaldo acabou se tornando a alegria da família e a estrela que os iluminou, relata. “Por isso, quero aconselhar as mulheres a não fazerem isso, porque nunca se sabe o filho que vai ter. Acho que sou a ‘mulher coragem’, e quero dizer a todas as mulheres que lutem! As coisas mais valiosas que temos na vida são nossos filhos”, explicou à Gazeta Esportiva.

O livro tem como principal objetivo ser uma inspiração para outras mulheres, para que sejam fortes como ela foi. Além desse episódio na vida da família Aveiro, o livro conta sobre o início da carreira de Cristiano Ronaldo e do momento em que Dolores precisou deixar o filho que tinha apenas 10 anos, ir embora para Lisboa jogar futebol.  Há ainda a ida para a Inglaterra, o tempo em que ela passou por um câncer e a alegria de ver o filho que quase foi abortado, se tornar pai em 2010.

Irlanda libera o aborto no país

Quem assistiu neste fim de semana à população da Irlanda sair às ruas com faixas nas mãos, braços erguidos e lágrimas nos olhos (principalmente se assistiu pelas lentes deformadas dos noticiários da TV aberta ou dos sites de notícias liberais), talvez tenha ficado com a impressão de que alguma coisa boa estivesse acontecendo. Os irlandeses teriam avançado nos “direitos das mulheres”, assegurando-lhes plena “liberdade sexual e reprodutiva”, superando “décadas de preconceito” no país et cetera.

Tantos eufemismos, porém, eram para dizer uma só coisa: que a Irlanda derrubou a Oitava Emenda de sua Constituição e… legalizou o aborto.

Talvez seja necessário lembrar, não só aos irlandeses, mas a todo o mundo, que a verdade não depende de maioria de votos.
O texto constitucional que 66,4% da população irlandesa pôs abaixo, por meio de um referendo, dizia expressamente o seguinte: “O Estado reconhece o direito à vida do não-nascido e, com a devida consideração ao igual direito à vida da mãe, garante em suas leis respeitar e, na medida do possível, defender e reivindicar esse direito”. Agora, ao invés, o que se lerá no mesmo lugar é: “Condições podem ser estabelecidas por lei para regular a terminação da gravidez.”

A nova mudança legal vem consolidar o afastamento definitivo da Irlanda de suas raízes cristãs. Um jornal brasileiro chegou a dizer que o “‘sim’ da Irlanda ao aborto” foi “um duro golpe para a Igreja Católica”.

Como cristãos católicos, precisamos reconhecer: ver o aborto legalizado, onde quer que seja, é de fato um golpe, e dos mais pesados. Mas seria o caso de nos perguntarmos se esse é um golpe apenas para a Igreja Católica e para conservadores — como a mídia em geral parece dar a entender —, ou se estamos a falar de algo maior, que afeta, no fundo, muito mais do que uma religião ou um segmento político.

Uma manchete dizendo, por exemplo, que o “sim” da Irlanda ao aborto é um duro golpe para crianças que ainda não nasceram, seria por acaso menos realista? O que é, afinal, um aborto, senão um golpe, literalmente falando, certeiro e mortífero, desferido contra um ser humano no ventre de sua mãe? A emenda constitucional que acaba de cair na Irlanda reconhecia claramente “o direito à vida do não-nascido”. A partir de agora, cabe perguntar, o que será feito desse direito? Simplesmente desaparecerá?

Por isso, o “sim” da Irlanda ao aborto é também um duro golpe para os direitos do homem. (Embora a expressão esteja hoje um tanto quanto desgastada, manipulada politicamente por grupos nem sempre preocupados de fato com a dignidade do homem, a crítica é cabível porque não há nada que repugne tanto ao senso de justiça que todo ser humano leva dentro de si do que o assassinato de um ser humano inocente, como acontece no aborto.)

Se Deus não existe, tudo é permitido, inclusive matar nossos próprios filhos.
A Irlanda pode até ter derrubado a Oitava Emenda, mas talvez seja necessário lembrar, não só aos irlandeses, mas a todo o mundo, que a verdade não depende de maioria de votos. Nem se todas as nações da terra tornassem legal o aborto (por unanimidade!) ele deixaria de ser o que é. Uma lei que autoriza um homicídio não o torna menos indigno ou menos imoral. Muito pelo contrário, são os Estados que perdem crédito e autoridade quando fazem concessões desse tipo, promulgando leis positivas diretamente contrárias à lei natural, inscrita na natureza mesma do ser humano.

Pode parecer antiquado falar disso nos dias de hoje, mas reconhecer o direito natural, “uma justiça anterior e superior à lei escrita”, é a única forma de evitar que totalitarismos como o nazismo, por exemplo, voltem a florescer. É a única forma de impor um limite ao poder dos Estados e impedir que seus decretos sejam “elaborados arbitrariamente” [1]. Ou, no caso da Irlanda, é a única forma de dizer “não” à “ditadura da maioria”, como se algo errado em si pudesse tornar-se moralmente legítimo só porque um, dois ou três terços de uma comunidade assim o quiseram e determinaram.

Como pessoas e sociedades inteiras possam ficar tão cegas assim, a ponto de não compreenderem mais a maldade de uma prática como o aborto, não é muito difícil entender. Embora o ser humano seja capaz, sempre e em todos os lugares, de reconhecer os princípios mais básicos da lei natural, o conhecimento de suas aplicações, no entanto,

[…] não é o mesmo em todos os homens e pode ser prejudicado por causas acidentais, como a força das paixões, os maus costumes ou o diverso desenvolvimento da razão e da civilização. É o que explica o fato de alguns povos terem chegado a considerar lícitos o furto ou a antropofagia [2].
Estão corretos os jornais, portanto, ao associar o resultado do referendo deste fim de semana à queda da prática religiosa na Irlanda. Quando uma sociedade se afasta de Deus e de uma moral objetiva, como a que oferece a doutrina católica, seus próprios elementos de civilização vão se perdendo…

Assim, não nos deveria assustar se, no futuro, alguns povos voltassem “a considerar lícitos o furto ou a antropofagia”. Se Deus não existe, afinal, tudo é permitido — até matar nossos próprios filhos. Quando deixam de acreditar em Deus, as pessoas passam a acreditar em qualquer coisa.

        Padre Paulo Ricardo

 

Referências

José Pedro Galvão de Sousa, Direito natural, direito positivo e estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 5.
Ibid., p. 16.

Ele mudou de gênero e se arrependeu. E conta as consequências

A evidência inquestionável que o transgênero não é nato é a existência de pessoas que acreditam sinceramente que precisam de uma mudança de gênero e depois mudam de opinião e fazem a  destransição.  O processo traz consequências físicas, emocionais e financeiras.

Walt Heyer Public Discourse [02/03/2018] [15h47]

Reconstrução das mamas e faloplastia são algumas das cirurgias que os transgêneros podem ter que fazer caso queiram voltar ao gênero biológico.

Quando o ativista e performer transgênero Alexis Arquette (antes Robert Arquette) morreu, em 11 de setembro de 2016, aos 47 anos, mal cabiam nos obituários os elogios referidos a ele. Arquette apareceu em filmes como “Pulp Fiction” e “Afinado no Amor” e era uma grande força na luta dos direitos dos transgêneros.

Mas, apesar de muitas homenagens terem sido feitas a Arquette depois de sua morte, poucos mencionaram a sua decisão de parar de viver como mulher. A reportagem do The Hollywood Reporter mencionou os problemas que Arquette encontrou depois da transição. Claramente, até mesmo transgêneros conhecidos e talentosos que foram aceitos quando escolheram mudar de sexo podem ter problemas ao decidir voltar ao gênero de nascimento. Diz a revista:

“Em 2013, durante várias complicações de saúde, Alexis voltou a se apresentar como homem, contando ao seu amigo Ibrahim que ‘gênero é uma mentira’. Que ‘colocar um vestido não muda nada biologicamente. A cirurgia não muda nada’. Ele disse também que ‘a readequação sexual é fisicamente impossível. Tudo o que se pode fazer é adotar características superficiais, mas a biologia nunca vai mudar’. Ibrahim suspeita que essa percepção tinha uma relação próxima aos tormentos emocionais que Arquette então vivia.”

O processo de abandonar a vida como transgênero e voltar para seu gênero nato é chamado em inglês de destransition (“destransição”, em tradução livre). Como alguém que passou por todos esses processos, eu gostaria que mais pessoas falassem sobre a realidade da vida depois da transição para outro gênero e os motivos pelos quais algumas pessoas decidem voltar para seu gênero de nascimento.

Por que uma pessoa transgênero pode querer “destransicionar”?

Pessoas não nascem transgêneros. A evidência inquestionável que o transgênero não é nato é a existência de pessoas que acreditam sinceramente que precisam de uma mudança de gênero e depois – às vezes vários anos depois – mudam de opinião e voltam. Pessoas que voltaram atrás, como eu, escrevem para mim e me contam suas histórias e lutas. Eles não querem que muitas pessoas saibam quem eles são e o que viveram. Querem viver com calma e escondidos porque estão com vergonha e se sentem arrependidos. Eles não conseguem expor publicamente que a vida como transgênero não funcionou como esperavam. A vergonha, e eu posso dizer isso, é inimaginável.

Como se chega ao ponto de “destransição”?

Baseado somente em sentimentos fortes, um indivíduo transgênero tomará hormônios e passará pela cirurgia de readequação sexual para alinhar a aparência do seu corpo com o gênero que acredita ser verdadeiramente o seu. Eu fiz isso. Pessoas, especialmente jovens, pensam que sentimentos fortes nunca vão mudar, mas eles podem sim mudar ao longo do tempo.

Muitos de nós que passaram por essa “transformação” perceberam tarde demais que não precisávamos de médicos e tratamentos para lidar com nossos problemas. O arrependimento normalmente acontece anos depois, quando percebemos que tentar trocar de gênero não resolveu os problemas que tínhamos antes. Em alguns casos, a transição foi só uma suspensão breve da agonia que sentíamos de ter um gênero biologicamente incorreto.

A história de Dave

Recebi esse relato pessoal por e-mail em agosto de 2016. Esse jovem adulto – vou chamá-lo de Dave – conta sua história, ecoando palavras já faladas por outros indivíduos transgênero ao longo dos anos:

“Eu comecei a transição para mulher no fim da minha adolescência e mudei meu nome logo depois que fiz 20 anos, há quase dez anos. Mas não foi bom para mim; só me senti infeliz como mulher. Falaram que os meus sentimentos como trans são permanentes, imutáveis, entranhados fisicamente no meu cérebro e que nunca mudariam, e que a única maneira que eu encontraria paz seria me transformar em mulher. O problema é que eu não me sinto mais assim. Quando comecei terapia há alguns anos para superar algumas questões da minha infância, minha depressão e ansiedade começaram a diminuir, junto com meus sentimentos trans. Então há dois anos comecei a considerar voltar para meu gênero de nascença, e me senti bem fazendo isso. Eu não tenho dúvidas – quero ser homem!”.

Podemos ver nesse relato o que eu mesmo aprendi na minha vida: os sentimentos transgêneros nem sempre são permanentes, imutáveis e fisicamente entranhados no nosso cérebro. Sentimentos, mesmo os mais fortes, não justificam a ingestão de hormônios e a cirurgia.

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Alertas são feitos por médicos há 40 anos, e ainda assim o arrependimento, a infelicidade, o suicídio e a “destransição” continuam. Para mim, assim como para Dave, a psicologia fez o que a cirurgia nunca conseguiu: resolver o desejo de ser algo que biologicamente eu nunca seria. A terapia acabou com meus sentimentos transgêneros.

Quando os produtos falham, as companhias de carro precisam chamar os clientes e pagar pelos consertos. Não é assim com cirurgiões ou psicólogos que popularizaram e permitiram a transição de gênero. Eles escapam das consequências, enquanto ex-transgêneros precisam lidar com a questão financeiramente, emocionalmente, fisicamente e pessoalmente.

“Destransição” física

O processo de destransição física depende de quais passos o indivíduo já fez para alterar sua aparência no processo de transição.

Algumas pessoas que fazem a transição não passam pelas radicais cirurgias de readequação sexual. Um caso é o de Jenner, ex-atleta olímpico. A transição, extremamente pública, para mulher não incluiu a cirurgia, então sua genitália permaneceu masculina. Chaz Bono é outro caso conhecido de transição de mulher para homem, mas os órgãos sexuais de Chaz ainda são femininos.

Mulheres que fazem a transição para homens frequentemente tomam testosterona, o hormônio masculino, que permite o crescimento de barba, músculos de aparência masculina e mudança na proporção do corpo. Elas também passam por mastectomias para retirar as mamas. Já a mudança de órgãos sexuais é feita por uma cirurgia cara e arriscada, e o resultado frequentemente não vale o investimento. As poucas pessoas que passaram por isso e entraram em contato comigo não alteraram os órgãos sexuais.

Os maiores desafios para os transgêneros feminino-masculino que querem “destransicionar” e voltar para o gênero feminino são os tratamentos de eletrólise para remover os pelos faciais, que podem ser caros e dolorosos, e as soluções para lidar com a ausência de seios. Voltar a ser mulher pode ou não incluir implantes mamários. Ao tomar essa decisão, como todas as decisões de “destransição”, o indivíduo deve pensar nos prós e nos contras.

Para homens que fizeram a transição para mulheres com a cirurgia completa, o retorno completo não está mais disponível. Quando desejarem voltar ao gênero masculino, uma opção é um procedimento de faloplastia (a construção do pênis). Mas, na prática, muitos homens que fazem a “destransição” optam por não passar pela cirurgia pelo custo alto e os riscos frequentes. Além disso, o resultado nem sempre se compara à funcionalidade da genitália masculina. Assim, se as estatísticas de “destransição” considerarem apenas aqueles que fizeram a faloplastia cirúrgica, o número deixará de lado a maior parte daqueles que fizeram a “destransição”.

Infelizmente, nem tudo que os cirurgiões fazem para mudar o gênero pode ser desfeito. Partes do corpo que foram sacrificadas, reformuladas ou removidas nunca serão as mesmas novamente.

Como a maioria dos quase 20% de pessoas que alegam ter se arrependido depois da mudança cirúrgica de gênero, primeiro eu precisei entender a verdade: nenhuma cirurgia ou hormônio seria capaz de mudar meu gênero nato e biológico. Só quando percebi que meu gênero – masculino – nunca mudou, mesmo depois da cirurgia, eu comecei o processo de “destransição”.

Motivos para “destransicionar”

Os motivos para procurar a “destransição” são vários. Algumas pessoas voltam para seus sexos natos depois de tentativas de suicídio. Alguns chegam à conclusão que “não era para elas”. Alguns relatam dificuldades de se vestir diariamente como o sexo oposto: isso se torna difícil demais para continuar com a transição. Alguns relatam que perceberam que não eram mulheres de verdade e que nunca seriam. Para outros, os problemas médicos decorrentes da cirurgia provocam a vontade de “destransicionar”.

Comecei a pensar nisso quando aprendi que fatores psicológicos podem fazer com que as pessoas se identifiquem como transgêneros. Abuso sexual infantil é uma das principais causas, mas com frequência existem outros fatores. Estudos mostram que vários transtornos coexistem entre pessoas transgênero e que outras experiências – que não apenas o abuso sexual – podem causar dificuldades de identidade de gênero.

Meus olhos se abriram quando entrei num Programa de Estudo no fim dos anos 80. O curso incluía aulas de psicologia relevantes para comportamentos destrutivos e vícios. Eu comecei a perceber que a condição transgênero poderia ser um transtorno de desenvolvimento que evoluiu ao longo do tempo, não algo presente no nascimento.

Naquele momento, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM na sigla em inglês) identificava o fenômeno transgênero como um Transtorno de Identidade de Gênero, ou seja, um transtorno psicológico causado pela incompatibilidade de identidade de gênero. Na sua última edição, o DSM removeu a palavra “transtorno” e mudou o termo para Disforia de Gênero.

Mas a mudança do nome não ajudou a reduzir o número de pessoas que se arrependem da transição e tentam se suicidar depois. O novo nome para a mesma condição não descobriu as causas para alguém se identificar como transgênero.

A comunidade médica faz um desserviço à sociedade ao não conseguir melhorar o diagnóstico de transtornos psicológicos que coexistem ao sentimento transgênero e ao não conseguir desenvolver um tratamento que evite cirurgias de readequação sexual desnecessárias.

Os silenciosos

Mudar de sexo é uma tentativa de escapar para um mundo transgênero fabricado cirurgicamente e com hormônios. A minha transição foi o resultado de anos me vestindo como mulher, o que começou nas mãos da minha avó quando eu tinha quatro anos, depois que eu fui molestado pelo meu tio. Uma forte dor psicológica fez com que eu quisesse ser mulher. Ser transgênero era uma forma de me esconder até que eu tive acesso a um tratamento psicológico real. Agora, vinte anos depois da “destransição”, estou vivendo o sonho – casado, estou longe da loucura de uma vida como transgênero.

É importante entender que pessoas de todos os tipos de vida, de todas idades, com ou sem religião, “destransicionam”. Nós que “destransicionamos” somos testemunhas silenciosas, não reconhecidas, da brevidade do indulto.

Fiquei quieto por muito tempo.

É doloroso ver grupos de pessoas tentarem transformar homens e mulheres com uma cirurgia cosmética de readequação sexual. A consequência é, tragicamente, um rastro de vidas quebradas. O que vemos na história de Dave e na minha é que esse grande experimento não se provou eficiente em tratar todas as pessoas com questões de identidade de gênero. Quando alguém diz “sou transgênero” é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, chegue o dia que dirá “a vida transgênero não é mais para mim”.

Nós precisamos entender que os sentimentos transgêneros podem mudar e que a “destransição” acontece. A pessoa pode mudar de gênero, mas o gênero biológico permanece.

Walt Heyer é escritor e palestrante. Por meio de livros, do seu site SexChangeRegret.com e seu blog WaltHeyer.com, Heyer quer conscientizar a opinião pública sobre a incidência de arrependimento e as consequências sofridas com a mudança de sexo.

@2018 Public Discourse. Publicada com permissão. Original em inglês.

Projeto de lei que protege liberdade de quem é contra uniões homossexuais enfurece a esquerda

Batizado de “Ato em Defesa da Primeira Emenda”, projeto quer proteger de eventuais sanções estatais aqueles que acreditam na concepção tradicional do casamento

Rachel del Guidice Daily Signal [14/03/2018] [09h22]

Reprodução/Flickr/nathanmac87

O senador republicano Mike Lee apresentou um projeto de lei, baseado no princípio da liberdade religiosa, que busca proteger – de eventuais punições por parte do Estado, como a revogação da isenção de impostos ou retenção de benefícios federais – cidadãos que acreditam na concepção tradicional de casamento.

“O que um indivíduo ou organização acredita como definição tradicional de casamento não é – e nunca deveria ser – parte da tomada de decisão do governo ao conceder benefícios”, afirmou Lee, que representa o estado de Utah, ao Daily Signal.

O recém-apresentado projeto de lei recebeu modificações em relação à versão original, de 2015, por amparar também “aqueles que apoiam qualquer definição de casamento entre duas pessoas, incluindo a união homossexual”, noticiou a CNN. O senador disse que, se aprovado, o texto evitaria que americanos pudessem ser penalizados por suas crenças religiosas.

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“O Ato em Defesa da Primeira Emenda [como o projeto é chamado] simplesmente garante que esse direito [de liberdade religiosa] sempre será efetivo nos Estados Unidos – que burocratas federais jamais poderão exigir que aqueles que acreditam na definição tradicional de casamento terão de escolher entre viver de acordo com suas crenças pessoais, mantendo sua ocupação, ou de acordo com seu status fiscal”, disse o senador.

Grupos de esquerda atacaram o projeto. O representante legislativo Ian Thompson, da American Civil Liberties Union (União Americana de Liberdades Civis, em português), disse que o projeto vai promover “discriminação financiada pelos contribuintes”.

Sarah Warbelow, da ONG Human Rights Campaign, falou à CNN sobre a possível mudança na legislação. “Passar a impressão de que a lei não tem como alvo apenas as pessoas LGBT me parece uma tentativa falsa, ou fracassada, de fazê-la parecer constitucional”.

Masen Davis, CEO da organização Freedom for All Americans (Liberdade para todos os americanos, em português), que trabalha na “proteção integral à não-discriminação dos LGBT em todo os EUA”, também não recebeu bem o projeto.

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“Quaisquer mudanças feitas no texto não conseguirão esconder seu verdadeiro objetivo: legalizar a discriminação contra a população LGBT”, afirmou à CNN.

Diretora do Richard and Helen DeVos Center for Religion and Civil Society, da The Heritage Foundation, Emilie Kao declarou, via e-mail, ao Daily Signal, que acredita que a legislação vai proteger tanto aqueles que acreditam no conceito tradicional de casamento quanto quem pensa de forma diversa.

“O senador Lee apresentou um projeto muito necessário, que busca proteger a liberdade para agir de acordo com a crença de que um casamento só pode ocorrer entre um homem e uma mulher”, disse.

“Ainda que a Suprema Corte tenha definido tal visão como ‘decente e honrosa’, no julgamento do caso Obergefell v. Hodges [decisão de 2015 que obriga todos os estados a reconhecerem o “casamento” entre pessoas do mesmo sexo], temos visto uma onda de processos contra pessoas que acreditam nisso. Numa sociedade plural, deve haver espaço para discordâncias a respeito do casamento”.

©2018 Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.

Decisão judicial interfere na autoridade dos pais em relação aos seus filhos

Em 16 de fevereiro de 2018, a juíza do estado de Ohio Sylvia Sieve Hendon decidiu, no Tribunal Juvenil do Condado de Hamilton, remover uma criança com disforia de gênero da custódia de seus pais biológicos e garantiu a custódia aos avós.

A decisão foi tomada com base no apoio dos avós ao desejo da jovem de dezessete anos de submeter-se à uma “transição” por meio de terapia hormonal, enquanto os pais questionam o julgamento da menor e são contra a transição por motivos religiosos.

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Embora seja verdade que os pais já haviam concordado em permitir que a criança vivesse com os avós antes da decisão judicial, a questão em jogo não é onde a criança vive. É esta: quem tem autoridade para tomar decisões médicas prudentes no melhor interesse da criança? De acordo com a decisão da juíza Hendon, a resposta é o estado de Ohio.

Uma sentença problemática

Em sua decisão, a própria juíza observou que “não faz parte da jurisdição deste tribunal se intrometer no tratamento de uma criança, exceto no caso de circunstâncias muito raras em que a vida desta dependa de obter ou não tratamento”.

A juíza, então, nega que a vida da criança esteja em jogo, com base no testemunho médico. Então, se a juíza reconhece que um suicídio iminente não é provável, por que ela invalidou os direitos dos pais? Com base em quê a juíza tomou uma atitude tão importante e drasticamente invasiva?

A sentença da juíza parece ainda mais imprudente se considerarmos o fato de que a criança vivia consistentemente de acordo com o seu sexo de nascimento até pelo menos o verão de 2016, apesar de um prolongado padrão de dificuldades em sua saúde mental.

A juíza ainda reconheceu que os protocolos de tratamento recomendados para indivíduos com disforia de gênero estão “evoluindo rapidamente e há uma surpreendente ausência de estudos clínicos definitivos disponíveis para determinar o sucesso de diferentes modalidades de tratamento”.

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Então, como o melhor interesse da criança pode ser determinado pelo tribunal quando, nas palavras da juíza, existe uma “ausência de estudos clínicos definitivos”? Permitir o acesso de uma criança a tratamentos hormonais, ao tomar a drástica atitude de revogar a custódia dos pais, requer uma resposta melhor do que a especulação fornecida pela juíza Sylvia Hendon.

A decisão da juíza, que acaba por invalidar os direitos familiares, baseia-se na problemática ideologia transgênero. Considere este excerto:

É lamentável que esse caso tenha requerido uma resolução do tribunal, já que a família teria sido mais bem acompanhada caso isso tivesse sido resolvido dentro da própria família; afinal, todas as partes tinham amplo entendimento da realidade do fato de que a criança pode verdadeiramente não estar em conformidade com seu gênero e que possui o direito de seguir sua vida com uma identidade de gênero diferente daquela designada ao nascimento.”

Reconhecer a realidade psicológica da disforia de gênero não garante status ontológico [real] de alguém ser, verdadeiramente, um membro do sexo oposto.

A juíza então recomenda que a assembleia de Ohio adote um regime jurídico para casos similares que surgirem no futuro, algo que a juíza reconhece ser inevitável, considerando o “crescente interesse ao redor do mundo em cuidados para transgêneros”.

Apesar do rompimento de direitos familiares, a decisão do tribunal assegura direitos de visitação e encoraja a família a trabalhar no sentido de uma “reintegração da criança na família”.

Um ataque descarado aos direitos familiares

Esta decisão representa um ataque descarado aos direitos de pais que amam seus filhos, cuidam deles e querem o melhor para eles, mas discordam da ideologia transgênero que diz que o melhor caminho para um futuro saudável é se identificar como um membro do sexo oposto.

Este caso imensamente importante e comovente aumenta as preocupações sobre o futuro dos direitos familiares na esteira da revolução transgênero. Se as instituições médicas consideram que “transicionar” é do melhor interesse de um menor e os pais são contra isso, com base em questões religiosas ou morais, precedentes legais agora existem para sugerir que os direitos familiares podem ser rompidos na intenção de aprovar a ortodoxia transgênero.

Esse caso em particular envolve uma criança que é quase um adulto legalmente. Mas, considerando que a crianças com disforia de gênero podem ser administrados hormônios sexuais a partir dos doze anos de idade, é apenas uma questão de tempo antes de surigem casos de crianças ainda mais novas desejando utilizar supressores de puberdade ou terapias hormonais, contra a vontade de seus pais. Em uma corrida entre a medicina politizada e os direitos familiares, quem vence?

O tribunal aparentemente pesou o interesse no bem-estar clínico da criança contra a vontade dos pais, que discordam da ideologia subjacente e dos protocolos de tratamento associados com o o movimento transgênero.

A cobertura da CNN do caso menciona as objeções religiosas dos pais à transição de sua filha, mas também observa que os pais fizeram sua “diligência prévia” e pesquisa sobre o tem, e que eles expressaram preocupações com o juízo de sua filha. Claramente, a juíza ignorou opiniões dissidentes sobre tratamentos para a disforia de gênero como sendo insuficientemente convincentes.

Não seria possível que os pais conheçam o histórico de decisões e do juízo de sua filha melhor que um curador apontado por um tribunal? Quando se trata de medicina experimental como a transição de gênero, a resposta aparentemente é “não”.

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Como já era de se esperar, a mídia construiu a história completamente em defesa do direito da criança à transição, não dando real atenção à questão de se é aceitável, sábio ou até mesmo seguro deixar uma enorme e irreversível decisão como a transição de gênero nas mãos de uma adolescente menor de idade.

Este caso deve causar frio na espinha de qualquer cidadão, religioso ou não, que tenha perguntas ou preocupações sobre a rápida aceitação do dogma transgênero nos Estados Unidos [e no ocidente]. Por quê? Porque sinaliza o ritmo acelerado pelo qual o dogma transgênero se enraizou na sociedade e as consequências para qualquer pai que ouse questionar o sistema transgênero. Ele revela o quão vulneráveis são os direitos familiares.

Mais ainda, sinaliza a disposição do Estado em intervir e revogar a custódia dos pais em nome do melhor interesse da criança – mesmo que o julgamento sobre o que está no “melhor interesse” da criança seja baseado em padrões inconstantes de cuidados para transtornos de identidade de gênero cuja causa a ciência ainda terá de explicar.

Um artigo sobre essa história alega, em um jogo de soma-zero, que a menos que à criança seja permitido fazer a transição, as suas chances de cometer suicídio aumentam. Se uma criança está à beira do suicídio, não seria razoável questionar se não há questões mais profundas em jogo? Preocupações sobre o suicídio na comunidade transgênero sugerem que comorbidades que acompanham a disforia de gênero possuem muito mais culpa do que não receber afirmação social suficiente, terapia hormonal e cirurgia de redesignação sexual.

Futuras implicações

As implicações desse caso são maiores do que podem parecer inicialmente. Poderia estar próximo o dia em que, por exemplo, futuros pais adotivos teriam negada a oportunidade de amar e cuidar de uma criança órfã porque são judeus ortodoxos, cristãos ou muçulmanos e discordam da ortodoxia LGBT? Isso já aconteceu no Reino Unido.

Que alternativas restam para uma criança com disforia de gênero que não quer realizar a transição? Que conselho divergente seus pais podem oferecer sem o medo da intervenção estatal?

Em tempos normais, o caso de Ohio seria fácil de decidir. É claro que os pais devem ter mantidos os direitos familiares sobre uma criança que eles amam, cuidam e para quem desejam o melhor. É claro que há caminhos alternativos a ser buscados quando se lida com conflitos de identidade de gênero.

Mas onde a revolução sexual puder funcionar para infligir a sua ideologia constantemente em evolução – mesmo que às custas dos direitos familiares – ela o fará. E o fará sem remorso e com um espírito de justiça social autocongratulatória.

Este caso nunca deveria ter chegado ao nível que chegou. Que tenha chegado a um juiz é um claro exemplo do Grande Irmão [“Big Brother”] confundindo seu papel com o de mãe e pai. Ele estabelece um precedente que coloca em risco não apenas a família natural, mas também o bem-estar de crianças.

Andrew T. Walker é Diretor de Estudos em Políticas e da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa. Ele é doutorando em Ética Cristã no Seminário Teológico Batista do Sul.

São Tomás de Aquino nos fala do aborto

Na Idade Média Tomás de Aquino[i], um dos grandes pensadores da humanidade, debateu e condenou o aborto.  Inicialmente afirma-se que Tomás de Aquino não escreveu um livro ou tratado sobre a problemática do aborto. Acima de tudo Tomás é um pensador preocupado com as questões metafísicas e éticas que envolvem o ser humano. Por isso, grande parte de sua obra versa sobre esses temas. No entanto, ele deixou, ao longo de sua vasta obra, referências diretas e explícitas sobre o aborto.

No entanto, Tomás de Aquino distingue o aborto em duas categorias, sendo elas: o aborto natural e o aborto voluntário. No aborto natural o próprio organismo humano, por motivos diversos e expressamente médicos, expulsa, antes do tempo, o feto e, com isso, promove a morte do mesmo. Já o aborto voluntário[ii] é quando o indivíduo procura, de forma artificial e propositadamente, expulsar o feto de dentro do ventre materno, antes do momento apropriado para o nascimento e, com isso, provocar a morte do mesmo. Na perspectiva do Aquinate, o aborto voluntário trata-se de uma forma de assassinato e de um tipo de esterilização parcial, pois apesar do indivíduo continuar, na maioria dos casos, podendo engravidar e ter outros filhos, a gravidez interrompida artificialmente não gera nenhum filho.

Sem contar que Tomás de Aquino condena o uso do veneno da esterilidade, ou seja, dos anticoncepcionais que ou impedem a gravidez ou então, quando esta já está em pleno processo de desenvolvimento, impedem o desenvolvimento do feto e, com isso, provocam a realização de um aborto voluntário. Para ele[iii] quem procura tais métodos anti-natalidade, que atuam contra a natureza, mesmo sendo legalmente casados não podem receber o nome de cônjuges, pois não buscam conscientemente a realização plena do casamento, a qual se dá com a concepção e o nascimento dos filhos. Uma família só está totalmente formada quanto existe os cônjuges e os filhos. Impedir, por meio do aborto ou outro método anti-natalidade, o nascimento dos filhos é impedir o desenvolvimento natural da própria família.

No caso explicito do aborto, Tomás de Aquino afirma que de “nenhum modo é lícito matar ao inocente [o feto ainda no ventre da mãe]”[iv]. Além disso, ele afirma que o que “fere a mulher grávida faz algo ilícito, e, por esta razão, se disso resulta a morte da mulher ou do feto animado, não se desculpa do crime de homicídio, sobretudo, quando a morte segue certamente a esta ação violenta”[v].

Para ele a prática abortiva trata-se, pois, de um pecado gravíssimo, porque não mata somente o corpo, mas também a alma. É uma prática que se enquadra dentro do mandamento bíblico que determina: “Não Matarás” (Êxoto 20, 13; 23, 7; Deuteronômio 5, 17). Em suas palavras: “alguns matam somente o corpo, mas outros matam a alma, tolhendo-a a vida da graça, ou seja, arrastando-a ao pecado mortal; outros, porém, matam a ambos, o corpo e a alma: são os suicidas e aqueles que matam as crianças que ainda não nasceram [por meio da prática do aborto]”[vi]. Em Tomás de Aquino o aborto é uma das possibilidades de manifestação do homicídio qualificado, ou seja, é quando há um assassinato, neste caso do feto, com a clara intenção de cometer um crime.

Em grupos e ambientes que defendem o aborto e dentro de setores que, dentro da Igreja, se alto proclamam de progressistas, modernos e vanguarda teológica; é comum se encontrar um tipo de argumentação que afirma, dentre outras coisas, que Tomás de Aquino vê o aborto apenas como um ato antiético, mas que não chega a condenar a sua prática. Essa afirmação é uma tentativa de se buscar algum fundamento, mesmo que indireto, para se defender o aborto. O problema é que esse tipo de fundamentação é superficial e, em grande medida, falta de uma leitura mais atenta e analítica da obra do Aquinate. Se a obra de Tomás de Aquino for lida com atenção se verá que ele coloca dentro do mandamento do “Não Matarás” o aborto. Para ele o aborto é um assassinato de uma pessoa e, por isso, deve ser evitado de todas as formas.

Sobre a perspectiva do aborto na Idade Média a Declaração sobre o aborto provocado, da Congregação para a Doutrina da Fé, afirma: “É certo que, na altura da Idade Média em que era opinião geral não estar a alma espiritual presente no corpo senão passadas as primeiras semanas, se fazia uma distinção quanto à espécie do pecado e à gravidade das sanções penais. Excelentes autores houve que admitiram, para esse primeiro período, soluções casuísticas mais suaves do que aquelas que eles davam para o concernente aos períodos seguintes da gravidez. Mas, jamais se negou, mesmo então, que o aborto provocado, mesmo nos primeiros dias da concepção fosse objetivamente falta grave. Uma tal condenação foi de fato unânime”[vii].

[i] Sobre a reflexão de Tomás de Aquino sobre o aborto, recomenda-se consultar: SANTOS, Ivanaldo. Tomás de Aquino e o aborto. In: Teologia em Questão, v. X, p. 43-62, 2012; FAITANIN, Paulo. Acepção teológica de pessoa em Tomás de Aquino. In: Aquinate, Niterói, Rio de Janeiro, v. 3, p. 47-58, 2006.

[ii] AQUINO, Tomás. In IV Sent., d. 31, q.2, a.3, exp.

[iii] AQUINO, Tomas. In IV Sent., d. 31, q.2, a.3, exp.

[iv] AQUINO, Tomas. S. Theo., II-II, q. 64, a.6, e.

[v] AQUINO, Tomás. S. Theo., II-II, q. 64, a.8, ad2.

[vi] AQUINO, Tomás. In decem pracetis, a.7.

[vii] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTIRNA DA FÉ. Declaração sobre o aborto provocado. Cidade do Vaticano, 18 de novembro de 1974, n. 7.

Fonte – www.zenit.org