Invocar o Anjo da Guarda para combater as insídias de Satanás (Parte I)

Devemos ser-lhe eternamente grato pelo serviço que desempenha junto a nós

Por Peter Barbini

ROMA, terça-feira, 2 de outubro de 2012 (ZENIT.org) – A memória dos Santos Anjos da Guarda se celebra hoje, dia 2 de outubro, desde 1670, data estabelecida pelo Papa Clemente X. O culto dos anjos é antiga tradição que a Igreja herdou do judaísmo.

Os anjos, de fato, são uma presença constante e fundamental na “história da salvação”: é justamente por meio deles que muitas vezes JHWH obra e envia mensagens ao povo de israel; assim acontece no sonho de Jacó, relativo à escada da qual subiam e desciam os anjos, e quando, o mesmo Jacó, lutou contra um anjo, permanecendo ferido no quadril; é um anjo que segura a mão de Abrão que estava para sacrificar o filho.

No livro do Êxodo, no entanto, narra-se que, ao atravessar o Mar Vermelho um anjo protegia os israelitas dos egípcios, o mesmo anjo os guiará depois no deserto. Lembra-se também os anjos enviados pelo Senhor para salvar Ananias, Azarias e Misael, trancados em uma fornalha ardente pelo rei Nabucodonosor.

A mesma vinda do Salvador é anunciada ao povo de Israel por meio de um anjo, que a tradição associa ao Arcanjo Gabriel. Estes últimos são somente alguns exemplos da vivíssima presença dos anjos no Pentateuco. Outros também se encontram no Novo Testamento, como também na vida de muitos santos e beatos.

Os hebreus, sempre muito atentos à “palavra de JHWH”, por meio de um meticuloso estudo da Torá, como só os rabinos o sabem fazer, conseguiram extrair até 72 nomes de anjos (vejahttp://www.angelologia.it/esodo.htm), que a Igreja Católica nunca reconheceu – exceto os três arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael – porque não são explicitamente mencionados na Bíblia.

Houve um tempo, no entanto, em que a Igreja venerava os assim chamados “7 anjos planetários”, também chamados de “os sete governantes do mundo” e “os sete Tronos”, os seus nomes apareciam até mesmo nos missais utilizados na época nas “Vésperas dos sete”.

Esses anjos, considerados arcanjos, subdividiam-se em maiores (Miguel, Gabriel e Rafael), encabeçando hierarquias criativas, e em menores (Uriel, Scaltiel, Jehudiel, Barchiel), também chamados de os “Regentes da Terra”, aqueles que governavam os quatro elementos (Fogo, Ar, Água, Terra).

Esta tradição, mantida por vários séculos, teve origem na revelação feita pelo Arcanjo Rafael a Tobias, o qual apresentou-se ao profeta como “um dos Sete Anjos que estão sempre prontos para entrar na presença da majestade do Senhor”.

Por volta da segunda metade do século XVII, depois de muitas disputas, os nomes foram excluídos dos missais, sob a alegação de que o Arcanjo Rafael não revelou nenhum outro nome fora do seu. No entanto, a existência dos anjos é considerada um artigo de fé da Igreja Católica, manifestado explicitamente no símbolo Niceno-Constantinopolitano, “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”.

Da criação dos anjos, então, fala-se em ambos os Testamentos, no Novo e no Antigo. Ao longo da história os anjos têm sido objeto de inúmeras considerações teológicas por parte dos Padres e Doutores da Igreja, teólogos e exegetas, entre os quais Hilário de Poitiers, Jerônimo, Agostinho, Cassiano, Boaventura, Bernardo Abade, Cirilo de Jerusalém e Tomás de Aquino.

No catecismo de São Pio X o tema é abordado com especial cuidado e uma clareza única. Os anjos, em essência, são seres imortais e espirituais, com uma inteligência e uma vontade superior à nossa; eles vivem num estado de felicidade perpétua, cujo objetivo principal é a adoração de “Deus em torno de seu trono”, a partir do qual são iluminados.

Eles também são chamados de “príncipes da Corte celestial” e “embaixadores da vontade de Deus” e operam de forma invisível entre os homens. O pseudo-Dionísio, o Areopagita, afirma no De celesti hierarchia que os anjos são divididos em três hierarquias, cada uma das quais está dividida em três coros, que, por sua vez, se distinguem entre si pelas suas tarefas, cores, asas e outros sinais distintivos.

Nesta subdivisão estão também os Anjos da Guarda (que se diz serem comandados pelo Arcanjo Rafael), explicitamente mencionado no Salmo 90, que têm a tarefa de guiar e proteger a pessoa a ele confiada. Cada cristão, de fato, tem o seu anjo da guarda, que o protegerá ao longo de toda a sua vida terrena, do nascimento à morte.

O Anjo da Guarda também tem a tarefa de oferecer a Deus as nossas orações, apoiar-nos e proteger-nos dos ataques do diabo, que tenta de qualquer forma fazer-nos o mal e “sujar” a nossa alma para impedir-nos de alcançar a vida eterna. Ele, basicamente, tem uma função salvífica para a nossa alma.

É por isso que muitos papas (de todos deve ser lembrado o Papa João XXIII) revelaram a sua profunda devoção pelo anjo da guarda, sugerindo, como também disse Bento XVI, de expressar a sua própria gratidão pelo serviço que ele presta a cada um de nós e de invocá-lo todos os dias, com o “Angelus Dei”, oração que a Igreja, na sua profunda sabedoria, formulou propositalmente, pedindo para iluminar o nosso caminho, para saber discernir a vontade de Deus nos fatos da vida e combater as ciladas do demônio.

[Tradução do Italiano por Thácio Siqueira]

A ação libertadora da confissão

Fundador dos Franciscanos da Imaculada explica como o sacrifício de Jesus libertou a humanidade do pecado

Padre Stefano Maria Manelli *

ROMA, sexta-feira, 3 de agosto de 2012 (ZENIT.org) – No Jardim das Oliveiras, Jesus fez o exame de consciência da humanidade. Todos os pecados dos homens de todos os tempos, toda a fealdade, a vergonha, os horrores e os sofrimentos, as dores e as tristezas, para pagar pelos crimes da humanidade: este foi o exame de consciência do gênero humano, sofrido por Jesus com tamanha angústia mortal que o fez suar sangue até banhar-lhe o corpo e a terra.

Contemplando Jesus a suar sangue no Jardim das Oliveiras, deveríamos abrir os nossos olhos para a realidade do pecado, para nos horrorizarmos e chorar lágrimas de sangue, como as que chorava São Francisco de Assis.

Recordemos o clamor materno de Nossa Senhora em Fátima: “Não ofendam mais o Senhor nosso Deus!”. O pecado é o sofrimento de Jesus. Seus tormentos e suas gotas de sangue são todos os nossos pecados. Se pensássemos seriamente sobre isto, não ficaríamos tão indiferentes nem nos tornaríamos tão facilmente escravos do pecado.

Uma vez, olhando para um crucifixo, a pequena Jacinta de Fátima perguntou a Lúcia:
– Porque Nosso Senhor está assim, pregado numa cruz?
– Porque ele morreu por nós.
– Então me conte como foi.

E Lúcia contou a Jacinta toda a Paixão e Morte de Jesus. “Ao ouvir narrar os sofrimentos do Senhor,a pequenina se comoveu e chorou… Ela chorou amargamente e dizia: ‘Pobre Jesus! Eu não vou cometer nenhum pecado! Eu não quero que ele sofra mais!’”.

A dor e o propósito de Jacinta são o fruto do verdadeiro exame de consciência. A dor sincera leva a não cometer mais pecados para não ferir Jesus e não o fazer sofrer.

Por outro lado, o pecado é também a causa de muitos castigos e problemas que afligem a humanidade. Lembremo-nos do que Jesus disse ao paralítico depois de curá-lo: “Vai e não peques mais, para que não te suceda coisa pior” (Jo 5,14).

Na segunda aparição, Lúcia de Fátima pediu a Maria pela cura de uma pessoa doente, e Nossa Senhora disse: “Se ela se converter, ficará curada ainda este ano”. Faltas e pecados são a causa dos nossos males e castigos. Na terceira aparição, Nossa Senhora também disse: “Se os homens não pararem de ofender a Deus, explodirá uma nova e mais terrível guerra… Deus… punirá o mundo pelos seus crimes com a guerra, com a fome, com a perseguição contra a Igreja e contra o Santo Padre”.

Os pecados são a perdição do mundo. Se amamos a humanidade, paremos de pecar. Nós temos que lutar contra todo pecado, em especial através da penitência, e da penitência sacramental, isto é, a confissão.

A confissão é o sacramento do perdão, que destrói os nossos pecados. Quem odeia o pecado, ama a confissão, porque bem sabe que a confissão apaga a própria sombra do pecado na alma. Mais: sabe que a confissão torna a alma pura e resplandecente e muito cara a Jesus.

Na vida de Santo Antônio de Pádua, lemos que um dia foi até ele um grande pecador que pretendia se confessar. O arrependimento sincero, no entanto, fazia chorar o pecador tão irrefreavelmente que ele sequer podia contar os seus pecados. O santo disse a ele: “Veja: vá escrever os seus pecados e volte para lê-los”. O penitente obedeceu e foi escrever os seus pecados numa folha de papel. Voltou até o santo, se ajoelhou aos seus pés e começou a ler a lista de pecados. E qual não foi a sua surpresa ao perceber que, terminada a leitura e recebida a absolvição sacramental, a folha em que ele havia escrito os seus pecados tinha-se tornado toda branca!

Este é o resultado da confissão sincera dos pecados: a alma é lavada pelo Sangue divino de Jesus e fica iluminada pela graça. Por esta razão, São Francisco de Assis se confessava três vezes por semana, e muitos outros santos se confessavam até diariamente.

Nós, além da confissão todo primeiro sábado do mês, não devemos nos esquecer da confissão todas as semanas, de acordo com a mais sadia e sábia norma da verdadeira vida cristã. Sem a confissão frequente, semanal, nunca amadurecerá em nós a dor do pecado e o crescimento do amor puro diante do sofrimento de Jesus e do Coração Imaculado de Maria circundado de espinhos.

Virtudes a praticar: a dor do pecado.

Para aprofundamento: Pe. Stefano Maria Manelli, “Ó Rosário bendito de Maria”.

* O pe. Stefano Manelli, fundador da ordem religiosa dos Frades Franciscanos da Imaculada, é um dos autores católicos que mais livros venderam. Seus escritos foram impressos em milhões de cópias, com vários tendo sido traduzidos para diversos idiomas. Entre os de maior circulação, “A devoção a Nossa Senhora”, “Jesus Eucarístico Amor” e “Maio, Mês de Maria”.

Acordar da anestesia espiritual

Reflexão de Frei Patrício Sciadini sobre a mensagem do Papa para esta Quaresma
ROMA, segunda-feira, 12 de março de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos a reflexão de Frei Patricio Scaidini enviada à ZENIT para “nos acordar do nosso sono letárgico espiritual”, conforme a mensagem do Papa para esta Quaresma.

Não tenho receio em definir a mensagem para esta quaresma 2012 do Santo Padre o Papa Bento XVI, uma das mais belas de todas as quaresmas, desde que o Papa começou a enviar uma mensagem especial. Simples na linguagem, direta, que nos obriga não a uma leitura rápida, mas sim a uma leitura demorada, meditativa, contemplativa, a voltar mais vezes ao texto para perceber como atrás de cada palavra o Papa quer nos acordar do nosso sono letárgico espiritual, que ele chama “anestesia espiritual”. O coração da mensagem é tirado da Carta aos Hebreus 10,24: “Olhemos uns pelos outros para estimularmos a caridade e as boas obras.”

Devo reconhecer que eu nem sabia deste texto e nem conhecia. A palavra de Deus é de uma riqueza que não se esgota numa só leitura. Cada um a lê segundo o momento particular que vive, pessoal ou comunitariamente, ou eclesial ou mundialmente. O olhar do Papa que conhece a realidade do mundo e o momento de “crise” que passa, vê que o ser humano está como “anestesiado” diante do outro. O outro não interessa, e um número que nos passa perto, uma fantasma e não uma pessoa amada, parte de nós mesmos. Atenção ao outro exige que se deseje para o outro todo o bem.

A pessoa não pode ser feliz a pedaços, como pedras de mosaico, separadas umas das outras, mas no seu conjunto: a felicidade, o bem e a globalidade da pessoa que se realiza no seu todo. Não há felicidade quando falta o pão na mesa, o trabalho, os meios para curar-se das doenças, o alimento cultural que gera desenvolvimento. É preciso uma revolução a partir de dentro de nós mesmos, que nos coloque diante do outro como nosso irmão e deseja para o outro o que nós desejamos para nós.

A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. (n. 1)

Na verdade os sacerdotes levitas não maltratam quem tinha caído nas mãos dos ladrões e estava meio morto à beira da estrada, nem o ofenderam, nem tampouco cuspiram nele. Mas passaram e viraram o olhar ao outro lado. É o pecado da indiferença que está se tornando a cultura dominante do mundo. Não dar importância ao outro. A quaresma é o momento em que devemos nos acordar da anestesia, sentir dor não só pelas nossas feridas, mas também as dos outros. A vida cristã não é uma filosofia e um discutir sobre os problemas, mas sim ver, julgar e agir… Sem ação direta não haverá mudanças de estruturas e de estilo de vida, nem compromisso social que leve o ser humano a uma vida mais digna.

* Frei Patrício Sciadini, ocd, religioso, Carmelita Descalço, escreveu mais de 60 livros, publicados no Brasil e no exterior, atualmente é o delegado geral no Egito.

As duas faces do amor: ‘eros’ e ‘ágape’

1. As duas faces do amor

Com as prédicas desta Quaresma, eu gostaria de continuar o esforço, iniciado no Advento, de trazer uma pequena contribuição à re-evangelização do Ocidente  secularizado, que constitui nesta hora a preocupação principal de toda a Igreja e, em particular, do Santo Padre Bento XVI.
Há um âmbito em que a secularização age de maneira especialmente difusa e nefasta, e é o âmbito do amor. A secularização do amor consiste em separar o amor humano de Deus, em todas as formas desse amor, reduzindo-o a algo meramente “profano”, onde Deus sobra e até incomoda.
Mas o amor não é um assunto importante apenas para a evangelização, ou seja, para as relações com o mundo. Ele importa, antes de todo o mais, para a própria vida interna da Igreja, para a santificação dos seus membros. É nesta perspectiva que se situa a encíclicaDeus caritas est, do Papa Bento XVI, e é nela que nós também nos colocamos para estas reflexões.
O amor sofre de uma separação nefasta não só na mentalidade do mundo secularizado, mas também, do lado oposto, entre os crentes e, em particular, entre a s almas consagradas. Poderíamos formular a situação, simplificando ao máximo, assim: temos no mundo um erossem ágape; e entre os crentes, temos frequentemente um ágape sem eros.
O eros sem ágape é um amor romântico, mas comummente passional, até violento. Um amor de conquista, que reduz fatalmente o outro a objecto do próprio prazer e ignora toda dimensão de sacrifício, de fidelidade e de doação de si. Não é preciso insistir na descrição desse amor, porque se trata de uma realidade que temos todo dia diante dos nossos olhos, propagandeada com estrondo pelos romances, filmes, novelas, internet, revistas. É o que a linguagem comum entende, hoje, com a palavra “amor”.

Para nós é mais útil entender o que significa ágape sem eros. Na música, existe uma diferenciação que pode nos ajudar a ter uma ideia: a diferença entre o jazz quente e o jazz frio. Eu li certa vez essa caracterização dos dois géneros, mas sei que não é a única possível. O jazz quente (hot) é o jazz apaixonado, ardente, expressivo, feito de ímpetos, de sentimentos e, portanto, de improvisações originais. O jazz frio (cool) é o profissional: os sentimentos se tornam repetitivos, o estro é substituído pela técnica, a espontaneidade pelo virtuosismo.
Com base nessa distinção, o ágape sem eros é um “amor frio”, um amar parcial, sem a participação do ser inteiro, mais por imposição da vontade do que por ímpeto íntimo do coração. Um entrar num cenário predefinido, em vez de criar um próprio, realmente irrepetível, como irrepetível é cada ser humano perante Deus. Os actos de amor voltados para Deus parecem aqueles de namorados desinspirados, que escrevem à amada cartas copiadas de modelos prontos.

Se o amor mundano é um corpo sem alma, o amor religioso praticado assim é uma alma sem corpo. O ser humano não é um anjo, um espírito puro; é alma e corpo substancialmente unidos: tudo o que ele faz, amar inclusive, tem que reflectir essa estrutura. Se o componente humano ligado ao tempo e à corporeidade é sistematicamente negado ou reprimido, a saída será dúplice: ou seguir adiante aos arrastos, por senso de dever, por defesa da própria imagem, ou ir atrás de compensações mais ou menos lícitas, chegando até os dolorosíssimos casos que estão afligindo actualmente a Igreja. No fundo de muitos desvios morais de almas consagradas, não é possível ignorá-lo: há uma concepção distorcida e retorcida do amor.

Temos, então, um duplo motivo e uma dupla urgência de redescobrir o amor na sua unidade original. O amor verdadeiro e integral é uma pérola encerrada entre duas conchas que são o eros e o ágape. Não podem ser separadas, essas duas dimensões do amor, sem destruí-lo, como o hidrogénio e o oxigénio não podem ser separados sem se privarem da água.

2. A tese da incompatibilidade entre os dois amores

A reconciliação mais importante entre as duas dimensões do amor é prática. É aquela que acontece na vida das pessoas, mas, para ser possível, ela precisa começar pela reconciliação entre o eros e o ágape inclusive teoricamente, na doutrina. Isto nos permitirá conhecer finalmente o que é que se entende por estes dois termos tão frequentemente usados e subentendidos.
A importância da questão nasce do fato de existir uma obra que popularizou em todo o mundo cristão a tese oposta da inconciliabilidade das duas formas de amor. É o livro do teólogo luterano sueco Anders Nygren, intitulado Eros e Ágape. Podemos resumir o pensamento dele nestes termos: eros e ágape designam dois movimentos opostos. O primeiro indica ascensão e subida do homem para Deus e para o divino como próprio bem e própria origem; o outro, o ágape, indica a descida de Deus até o homem com a encarnação e a cruz de Cristo, e, portanto, a salvação oferecida ao homem sem mérito nem resposta de sua parte, a não ser a fé e somente a fé. O Novo Testamento fez uma escolha precisa, usando, para exprimir o amor, o termo ágape, e refutando sistematicamente o termo eros.
Foi São Paulo quem recolheu e formulou com mais pureza essa doutrina do amor. Depois dele, ainda segundo a tese de Nygren, essa antítese radical se perdeu para dar lugar a tentativas de síntese. Assim que o cristianismo entra em contacto cultural com o mundo grego e a visão platónica, já com Orígenes, há uma reavaliação do eros, como movimento ascensional da alma rumo ao bem e ao divino, como atracção universal exercitada pela beleza e pelo divino. Nesta linha, o Pseudo Dionísio Areopagita escreverá que “Deus é eros” [1], substituindo com este termo o ágape da célebre frase de João (I Jo, 4,10).

No ocidente, uma síntese análoga foi feita por Agostinho com a doutrina da caritas, entendida como doutrina do amor descendente e gratuito de Deus pelo homem (ninguém falou da “graça” com mais força do que ele), mas também como anseio do homem pelo bem e por Deus. É dele a afirmação: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e inquieto está o nosso coração até descansar em ti” [2]. Também é dele a imagem do amor como um peso que atrai a alma, como por força de gravidade, para Deus, como ao lugar do próprio repouso e prazer [3]. Tudo isso, para Nygren, insere um elemento do amor de si, do próprio bem, e, portanto, de egoísmo, que destrói a pura gratuidade da graça; é uma recaída na ilusão pagã de fazer a salvação consistir numa ascensão a Deus, em vez de na gratuita e imotivada descida de Deus até nós.

Prisioneiros desta impossível síntese entre eros e ágape, entre amor de Deus e amor de si, são, para Nygren, São Bernardo, quando define o grau supremo do amor de Deus como um “amar a Deus por si mesmo” e um “amar a si mesmo por Deus” [4]; São Boaventura, com seu ascensional Itinerário da mente para Deus; e São Tomás de Aquino, que define o amor de Deus infuso no coração do baptizado (cf. Rom, 5,5) como “o amor com que Deus nos ama e nos faz amá-lo” (amor quo ipse nos diligit et quo ipse nos dilectores sui facit) [5]. Isto viria a significar que o homem, amado por Deus, pode, por sua vez, amar a Deus, dar-lhe algo de seu, o que destruiria a absoluta gratuidade do amor de Deus. No plano existencial, ainda de acordo com Nygren, o mesmo desvio acontece na mística católica. O amor dos místicos, com a sua fortíssima carga de eros, nada é, para ele, senão amor sensual sublimado, uma tentativa de estabelecer com Deus uma relação de presunçosa reciprocidade em amor.

Quem rompeu a ambiguidade e devolveu à luz a pura antítese paulina, segundo o autor, foi Lutero. Fundamentando a justificação apenas na fé, ele não excluiu a caridade do momento-base da vida cristã, como o acusa a teologia católica; antes, libertou a caridade, o ágape, do elemento espúrio do eros. À fórmula do “somente a fé”, com exclusão das obras, corresponderia, em Lutero, a fórmula do “somente o ágape”, com exclusão do eros.

Não me cabe estabelecer se o autor interpretou corretamente neste ponto o pensamento de Lutero, que, deve-se dizer, nunca pôs o problema em termos de contraste entre eros e ágape como fez com fé e obras. É significativo, no entanto, que Karl Barth, num capítulo da suaDogmática Eclesial, também chegue ao mesmo resultado que Nygren de um contraste insanável entre eros e ágape. “Onde entra em cena o amor cristão”, escreve ele, “começa de súbito o conflito com o outro amor, e este conflito não tem mais fim” [6]. Eu digo que se isto não é luteranismo, é sem dúvida teologia dialéctica, teologia do “aut-aut”, da antítese, não da síntese.
O contragolpe desta operação é a radical mundanização e secularização do eros. Enquanto certa teologia retirava o eros do ágape, a cultura secular era bem feliz, por sua vez, ao retirar o ágape do eros, ou seja, ao retirar do amor humano toda referência a Deus e à graça. Freud apresentou para isto uma justificativa teórica, reduzindo o amor a eros e o eros a libido, uma mera pulsão sexual que luta contra toda repressão e inibição. É o estágio a que se reduz hoje o amor em muitas manifestações da vida e da cultura, principalmente no mundo do espectáculo.
Dois anos atrás eu estava em Madrid. Os jornais só faziam falar de uma certa mostra de arte na cidade, intitulada As lágrimas do eros. Era uma mostra de obras artísticas de cunho erótico – quadros, desenhos, esculturas – que pretendiam pôr em foco o inseparável vínculo que existe, na experiência do homem moderno, entre eros e thanatos, entre amor e morte. À mesma constatação se chega quando se lê a colectânea de poesias As flores do mal, de Baudelaire, ou Uma temporada no inferno, de Rimbaud. O amor que por natureza deveria levar à vida acaba ao invés levando à morte.

3. Retorno à síntese

Se não podemos mudar de uma vez a ideia de amor que o mundo possui, podemos, sim, corrigir a visão teológica, que, sem querer, a favorece e legitima. É o que fez de maneira exemplar o papa Bento XVI com a encíclica Deus caritas est. Ele reafirma a síntese católica tradicional expressando-a com os termos modernos. “Eros e ágape”, lemos ali, “amor ascendente e amor descendente, não se deixam jamais separar de todo um do outro […]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo contraposto ao original fenómeno humano que é o amor, mas aceita o homem todo, intervindo na sua procura pelo amor para purificá-la, destruindo, em paralelo, novas dimensões suas” (7-8). Eros e ágape estão unidos à própria fonte do amor, que é Deus: “Ele ama”, segue o texto da encíclica, “e este seu amor pode ser qualificado certamente como eros, que, no entanto, é também e totalmente ágape” (9).

Entende-se o acolhimento insolitamente favorável que este documento pontifício encontrou mesmo nos ambientes leigos mais abertos e responsáveis. Dá esperança ao mundo. Corrige a imagem de uma fé que toca o mundo em tangente, sem penetrá-lo, com a imagem evangélica da levedura que faz a massa fermentar; substitui a ideia de um reino de Deus que veio julgar o mundo pela de um reino de Deus que veio salvar o mundo, começando pelo eros que é a sua força dominante.

À visão tradicional, própria tanto da teologia católica como da ortodoxa, pode-se dar, creio eu, uma confirmação também do ponto de vista da exegese. Quem sustenta a tese da incompatibilidade entre eros e ágape se baseia no fato de o Novo Testamento evitar com esmero – e, ao parecer, propositadamente – o termo eros, usando em seu lugar sempre e somente ágape (a não ser por algum raro emprego do termo philia, que indica um amor de amizade).

O fato é verdadeiro, mas não são verdadeiras as conclusões que dele se tiram. Supõe-se que os autores do NT estivessem a par tanto do sentido que o termo eros tinha na linguagem comum (o eros assim chamado “vulgar”) como do sentido elevado e filosófico que tinha, por exemplo, em Platão, o chamado eros “nobre”. Na aceitação popular, eros indicava mais ou menos o que indica hoje quando se fala de erotismo ou de filmes eróticos: a satisfação do instinto sexual, um degradar-se mais do que elevar-se. Na aceitação nobre, indicava um amor pela beleza, a força que mantém o mundo e que impulsiona todos os seres à unidade, aquele movimento de ascensão rumo ao divino que os teólogos dialécticos reputam incompatível com o movimento de descida do divino até o homem.

É difícil defender que os autores do NT, dirigindo-se a pessoas simples e de nenhuma cultura, pretendessem lhes falar do eros de Platão. Eles evitaram o termo eros pelo mesmo motivo que o pregador de hoje evita o termo erótico, ou, se o emprega, é somente em sentido negativo. O motivo é que, tanto naquele tempo como agora, a palavra evoca o amor na sua expressão mais egoísta e sensual [7]. A desconfiança dos primeiros cristãos quanto ao eros se agravava ainda pelo papel que ele desempenhava nos desenfreados cultos dionisíacos.

Tão logo o cristianismo entra em contacto e diálogo com a cultura grega daquele tempo, cai por terra de imediato, como já vimos, toda preclusão quanto ao eros. Ele é usado com frequência, nos autores gregos, como sinónimo de ágape, e empregado para indicar o amor de Deus pelo homem, como também o amor do homem por Deus, o amor pelas virtudes e por tudo o que é belo. Basta, para nos convencermos disso, uma simples olhada no Léxico Patrístico Grego, de Lampe [8]. O sistema de Nygren e Barth, portanto, foi construído sobre uma falsa aplicação do assim chamado argumento “ex silentio”.

4. Um eros para os consagrados

O resgate do eros ajuda acima de tudo os enamorados humanos e os esposos cristãos, mostrando a beleza e a dignidade do amor que os une. Ajuda os jovens a experimentar o fascínio do outro sexo não como coisa turva, a ser vivida às costas de Deus, mas, ao contrário, como um dom do Criador para a sua alegria, desde que vivido na ordem querida por Ele. Na sua encíclica, o papa acena ainda para esta função positiva do eros sobre o amor humano quando fala do caminho de purificação do eros, que leva da atracção momentânea ao “para sempre” do matrimónio (4-5).

Mas o resgate do eros deve ajudar também a nós, consagrados, homens e mulheres. Eu acenei no início ao perigo que as almas religiosas correm de um amor frio, que não desce da mente para o coração. Um sol de inverno, que ilumina, mas não aquece. Se eros significa ímpeto, desejo, atracão, não devemos ter medo dos sentimentos, nem muito menos desprezá-los e reprimi-los. Quando se trata do amor de Deus, escreveu Guilherme de Saint Thierry, o sentimento de afeto (affectio) é também graça; a natureza não pode infundir um sentimento assim [9].

Os salmos estão cheios desse anseio do coração por Deus: “A ti, Senhor, eu elevo a minh’alma…”. “A minh’alma tem sede de Deus, do Deus vivente”. “Preste atenção”, diz o autor da Nuvem do não conhecimento, “a este maravilhoso trabalho da graça na tua alma. Ele não é senão impulso imprevisto, que surge sem aviso e aponta directamente para Deus, como uma centelha que se desencarcera do fogo… Golpeie essa nuvem do não conhecimento com a flecha afiada do desejo de amor e não esmoreça, ocorra o que ocorrer” [10]. É suficiente, para tanto, um pensamento, um movimento do coração, uma jaculatória.

Mas tudo isso não nos é bastante e Deus o sabe melhor que nós. Somos criaturas, vivemos no tempo e num corpo; precisamos de uma tela na qual projectar o nosso amor que não seja apenas “a nuvem do não conhecimento”, o véu de escuridão por trás do qual se oculta o Deus que ninguém nunca viu e que habita numa luz inacessível…

A resposta que se dá a esta interrogação nós conhecemos bem: por isso mesmo Deus nos deu o próximo para amarmos. “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor se torna perfeito em nós. Quem não ama o próprio irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4, 12-20). Mas devemos ficar atentos para não saltar uma fase decisiva: antes do irmão que vemos, há outro que também vemos e tocamos: o Deus feito carne, Jesus Cristo! Entre Deus e o próximo existe o Verbo feito carne, que reuniu os dois extremos numa só pessoa. É nele que o próprio amor ao próximo encontra o seu fundamento: “Foi a mim que o fizestes”.

O que significa tudo isto pelo amor de Deus? Que o objecto primário no nosso eros, da nossa busca, desejo, atracão, paixão, deve ser o Cristo. “Ao Salvador é pré-ordenado o amor humano desde o princípio, como ao seu modelo e fim, como uma urna tão grande e tão ampla que pudesse acolher a Deus […] O desejo da alma é unicamente de Cristo. Aqui é o lugar do seu repouso, porque só Ele é o bem, a verdade e tudo quanto inspira amor”. Não quer dizer restringir o horizonte do amor cristão de Deus a Cristo; quer dizer amar a Deus do jeito que Ele quer ser amado. “O Pai vos ama porque vós me amais” (Jo 16, 27). Não se trata de um amor mediato, quase por procuração, por meio do qual quem ama Jesus “é como se” amasse o Pai. Não. Jesus é um mediador imediato; amando a Ele, amamos, ipso facto, o Pai. “Quem me vê, vê o Pai”; quem me ama, ama o Pai.

É verdade que nem mesmo a Cristo se vê, mas ele existe. Ressuscitou, vive, está connosco, de modo mais real do que o mais apaixonado esposo está com a esposa. Eis o ponto crucial: pensar em Cristo não como uma pessoa do passado, mas como o Senhor ressuscitado e vivente, com quem eu posso falar, a quem eu posso beijar se quiser, certo de que o meu beijo não termina na estampa ou no lenho de um crucifixo, mas num rosto e em lábios de carne viva (ainda que espiritualizada), felizes de receber o meu beijo.

A beleza e a plenitude da vida consagrada depende da qualidade do nosso amor por Cristo. É só o que pode nos defender dos altos e baixos do coração. Jesus é o homem perfeito; nele se encontram, em grau infinitamente superior, todas aquelas qualidades e atenções que um homem procura numa mulher e uma mulher no homem. O amor dele não nos elimina necessariamente a sedução das criaturas e, em particular, a atracção do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atracções com uma atracção mais forte. “Casto”, escreve São João Clímaco, “é quem afasta o eros com o Eros” [11].
Será que tudo isso destrói a gratuidade do ágape, pretendendo dar a Deus alguma coisa em troca do seu coração? Anula a graça? De jeito nenhum. Antes, a exalta. O que, afinal, neste mundo, damos a Deus se não o que recebemos dele? “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19). O amor que damos a Cristo é o seu próprio amor por nós, que devolvemos a Ele, como o eco nos devolve a nossa voz.

Onde está então a novidade e a beleza deste amor que chamamos eros? O eco reenvia para Deus o seu próprio amor, mas enriquecido, colorido e perfumado com a nossa liberdade. E é tudo o que Ele quer. A nossa liberdade lhe paga tudo. E não só isto, mas, coisa inaudita, escreve Cabasilas, “recebendo de nós o dom do amor em troca de tudo o que Ele nos deu, Ele ainda se reputa nosso devedor” [12]. A tese que contrapõe eros e ágape se baseia em outra conhecida contraposição: a contraposição entre graça e liberdade, e, mais ainda, na negação da liberdade no homem decaído.

Eu procurei imaginar, Veneráveis padres e irmãos, o que diria Cristo ressuscitado se, como fazia na vida terrena, quando entrava aos sábados numa sinagoga, viesse agora sentar-se aqui, no meu lugar, e nos explicasse em pessoa qual é o amor que Ele deseja de nós. Quero compartilhar com vocês, com simplicidade, o que eu penso que Ele diria. Pode nos servir para o nosso exame de consciência sobre o amor:
O amor ardente:

É colocares-me sempre em primeiro lugar.
É procurares-me alegrar em todo momento.
É confrontares teus desejos com o meu desejo.
É viveres como meu amigo, confidente, esposo, e seres feliz assim.
É te inquietares ao pensamento de ficar um pouco longe de mim.
É seres repleto de felicidade quando estou contigo.
É estares disposto a grandes sacrifícios para nunca me perder.
É preferires viver pobre e desconhecido comigo a rico e famoso sem mim.
É falares comigo como ao amigo mais amado em todo momento possível.
É te confiares a mim olhando para o teu futuro.
É desejares perder-te em mim como meta do teu existir.

Se vocês acharem, como eu acho, que estamos muito longe dessa situação, não nos desencorajemos. Temos alguém que pode nos ajudar a chegar lá se pedirmos sua ajuda. Repitamos com fé ao Espírito Santo: Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium et tui amoris in eis ignem accende: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.

[Traduzido do original em italiano por ZENIT]
Notas:
(1) Pseudo Dionísio Areopagita, Os nomes divinos, IV,12 (PG, 3, 709 em diante.)
(2) S. Agostinho, Confissões I, 1.
(3) Comentário ao evangelho de João, 26, 4-5.
(4) Cf. S. Bernardo, De diligendo Deo, IX,26 –X,27.
(5) S. Tomás de Aquino, Comentário à Carta aos Romanos, cap. V, liç.1, n. 392-293; cf. S. Agostinho, Comentário à Primeira Carta de João, 9, 9.
(6) K. Barth, Dogmática eclesial, IV, 2, 832-852.
(7) O sentido que os primeiros cristãos davam à palavra eros se deduz do famoso texto de S. Inácio de Antioquia,  Carta aos Romanos, 7,2: “O meu amor (eros) foi crucificado e não há em mim fogo de paixão…não me atraem o nutrir corrupção e os prazeres desta vida”. “O meu eros” não indica aqui Jesus crucificado, mas “o amor de mim mesmo” , o apego aos prazeres terrenos, na linha do paulino “Fui crucificado com Cristo, não sou mais eu que vivo” (Gal 2, 19 s.).
(8) Cf. G.W.H. Lampe,  A Patristic Greek Lexicon, Oxford 1961, pp.550.
(9) Guilherme de St. Thierry, Meditações, XII, 29 (SCh  324, p. 210).
(10 Anónimo, A nuvem do não conhecimento, trad. Italiana, Ed. Áncora, Milão, 1981, pp. 136.140.
(11) S. João Clímaco, A escada do paraíso, XV,98 (PG 88,880).
(12) N. Cabasilas, Vida em Cristo, VI, 4 .

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por Frei Raniero Cantalamessa, Pregador do Vaticano *

A TRADIÇÃO DO NATAL

O evangelista Mateus retrata uma discursão entre os fariseus e os escribas, querendo O interpelar a respeito da falta de cumprimento da tradição deles por parte dos discípulos. Fizeram então a seguinte pergunta: “Porque os teus discípulos violam a tradição dos antigos? Pois que não lavam as mãos quando comem”. Ele respondeu – lhes: “E vós, porque violais o mandamento de Deus por causa da vossa tradição? Com efeito, Deus disse: Honra pai e mãe e Aquele que maldisser pai ou mãe, certamente deve morrer. Vós, porém dizeis: Aquele que disser ao pai ou à mãe “Aquilo que de mim poderias receber foi consagrado a Deus, esse não está obrigado a honrar pai ou mãe”. E assim invalidastes a Palavra de Deus por causa da tradição. Hipócritas! Bem profetizou Isaias a vosso respeito quando disse: Este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são mandamentos humanos “(Mt 15, 2-9).

O que vimos nesta passagem da Sagrada Escritura é que a tradição oral a que os fariseus e escribas submetiam o povo sob o pretexto de assegurar a observância da Lei escrita, ia mais longe do que ela. No caso acima, o rodapé da Bíblia de Jerusalém nos explica: Porque os bens assim votados, ou seja, oferecidos a Deus (Korbâm) passaram a revestir um caráter “sagrado”, que interditava aos pais pretenderem para si qualquer parte deles. Esse voto, aliás, fictício, não obrigando a nenhuma doação real, era um meio odioso de livrar-se de um dever sagrado. Os rabinos, embora reconhecendo seu caráter imoral, consideravam válidos tais votos.

E o que isto tem a nos ensinar no dia de hoje? Cada vez que meditamos com a Palavra de Deus, ela tem a capacidade de fazer nova todas às coisas e de ser tão viva e atual, pois o Senhor quer nos falar exatamente sobre essas tradições as quais muitas vezes nos faz viver um Natal que nos tira do verdadeiro sentido: O nascimento do seu Filho Jesus.

O que fazemos muitas vezes por tradição, seguindo os mandamentos dos homens? O natal hoje é focado no consumismo desenfreado, nas compras em excesso, nas preocupações com a grande ceia de Natal, nos amigos secretos… Os canais de televisão com as suas propagandas, jornais, filmes, só nos mostram o Papai Noel, a árvore de Natal, os presentes… Aqui e ali é que vemos um presépio.

E com tudo isso, esquecemos que estamos vivendo um tempo tão maravilhoso da nossa Igreja, Tempo de Advento, Tempo de Espera, Tempo de Expectativa, que nos levou a refletir com os profetas e com Nossa Senhora de como anda a nossa vida e como está o nosso coração. Será que verdadeiramente estamos preparados para celebrar a nossa maior vitória, que é a nossa salvação trazida pelo Menino Deus? Ele é a nossa salvação.

Que na noite de hoje ao nos reunir com as nossas famílias, possamos elevar os nossos olhos e os nossos corações a Deus, e juntos louvar e agradecer pelo maior de todos os seus presentes: Jesus Cristo, o nosso salvador! Por Ele o Senhor abriu as portas do céu para nós, possibilitando alcançarmos a nossa vitória. Ele sim é o único motivo de celebrarmos tão grande festa!

Que este Menino Deus, venha tocar os nossos corações para que possamos verdadeiramente honrá-Lo com os nossos lábios e também com a nossa vida…

Um abençoado Natal.

Rosana (CCRM).

UMA REFLEXÃO SOBRE O NATAL!

No primeiro capítulo do evangelista João está escrito: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus… E o Verbo de fez carne e habitou no meio de nós”. Todo esse tempo em que nos preparamos para o dia de hoje, tempo de Advento, tempo de espera, tempo de expectativa… Tempo em que refletimos e meditamos com os profetas, especialmente o profeta Isaías, e também João Batista, o precursor, aquele que veio preparar os caminhos para a chegada do Senhor, aquele que dizia: “Preparai o caminho do Senhor, tornai reta as suas veredas, toda colina seja rebaixada, todo monte seja aterrado” (Lc 3,4-5). Por último meditamos com Maria, aquela que acreditou e através do seu sim, possibilitou a realização da promessa do Pai para nós: “Havíamos perdido a posse do bem, era preciso no-la restituir” (Cat 454). Era preciso que um Deus tão grande se rebaixasse, se humilhasse, vindo até nós para nos elevar, para nos fazer filhos e filhas de Deus! E esse Deus que é Mistério, nos confundiu com a sua chegada. Esperávamos um Deus que nasceria em um palácio. Um Deus que libertaria Israel pela força e pela espada, mas aí onde está o paradoxo: Quis o Senhor das Misericórdias necessitar do sim de uma simples mulher, sem prestígio, sem dinheiro, sem influencia política ou social. A descendência de Davi se referia a casta de José. Outro detalhe, Belém nem ao menos era uma cidade, e sim um povoado, que foi elevado a cidade pelo nascimento do Senhor: “E tu Belém de Éfrata, de modo algum és a menor das cidades” (Mq 5,1-2).

A liberdade que o povo esperava, aquele que os livraria da escravidão, aos poucos se fez entender que esta liberdade era interior e não exterior, e que a maior de todas as armas era o amor. Porque o amor não escraviza, liberta! É como o evangelista João define Deus: Deus é amor! O próprio Deus é amor e seu nome já expressa a sua identidade e missão, Jesus, que significa Deus Salva! A salvação, portanto é uma Pessoa e ele mesmo definiu a sua missão quando entrou na sinagoga de Nazaré e desenrolou o livro do profeta Isaías: “O espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu, para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação a vista, para restituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). E quando João Batista é preso, em sua agonia envia os seus discípulos até Jesus para lhe perguntar: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?” E Jesus manda dizer a João: “ Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: Os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados” (Mt 11, 2-5). Ou seja, é o Reino dos Céus acontecendo no meio de nós. O céu começa aqui e agora, em você e em mim, quando permitimos que em nós e através de nós essas coisas aconteçam. É Ele que retira a venda dos nossos olhos, que age em nossas paralisias, que purifica o nosso coração, que nos faz escutar a sua voz e que ressuscita em nós o que está morto. Que nos evangeliza através de suas palavras e de seus ensinamentos. A nós é dado o Reino dos Céus e o homem ainda não consegue perceber isso…

Precisamos buscar esse Menino-Deus dentro de nós, para que o nosso coração possa tonar-se uma manjedoura, a nossa vida um presépio, pois mesmo em meio a simplicidade de um estábulo a luz brilha, a alegria e a paz se tornam realidade, porém só os simples e os humildes têm a capacidade de acolher este tão grande Mistério.

Um Feliz Natal!

 

Rosana