A ignorância veste Prada

A felicidade como paradigma parece gerar uma epidemia de depressão

4.fev.2019 às 2h00. Folha de São Paulo.

Você reconhece que uma pessoa tem repertório se ela ultrapassou os ditos comuns de muitos que reduzem o cristianismo a suas sombras históricas (ou suas sombras psicológicas em colégios de padres ou freiras). Inteligentinhos de todos os matizes gostam de cuspir no cristianismo, pregando um ateísmo de bolso.

A importância da compreensão do cristianismo, assim como de muitas outras religiões, é entender que elas falam da condição humana ancestral e contemporânea, apesar de muitos acharem que, porque temos um iPhone novo a cada ano, nasce uma humanidade a cada ano.

Ricardo Cammarota
Se você ouvir alguém dizendo que a Bíblia é um livro opressor, patriarcal, ultrapassado, saiba que está diante de gente ignorante. Mesmo se essa gente estiver montada em títulos, viagens ao exterior, passaportes europeus, cursos em Paris com gente chique. A ignorância é mais difícil de ser reconhecida quando ela veste Prada.

Uma das pérolas do cristianismo é o conceito de pecado. Construído a partir de uma narrativa hebraica, o cristianismo deu a esta narrativa contornos operísticos de grande valor dramático existencial, e espiritual, é claro. 

Uma das formas de identificar a espiritualidade de bolso que anda por aí é identificar nela uma certa boçalidade associada à ideia de assertividade e eliminação da auto-responsabilidade pelos próprios atos. Se ouvir que alguém descobriu a espiritualidade quântica, provavelmente você está diante da ignorância vestindo Prada —nada contra a marca, claro. 

Uma das qualidades da tal mecânica quântica é que ninguém entende nada dela, e como alguém disse que nela tudo é nada e nada é tudo, o mundo fica fluído como os gêneros sexuais da moda.

Um autor muito responsável pelo aprofundamento do conceito de pecado foi Santo Agostinho, que viveu entre os anos de 354 e 430. Muitas foram as definições e descrições dadas ao pecado desde o período patrístico, como são chamados na história do cristianismo os séculos 2 a 7. Uma delas, dada por Agostinho, me parece excepcionalmente valorosa: o pecado de Adão e Eva, e o nosso por descendência, pode ser definido por um tripé: orgulho, revolta e cegueira.

Comecemos pelo orgulho. Por que nosso casal parental teria sido acometido pelo orgulho? Resposta: a dependência para com Deus os irritava e os fazia se sentir menores. 

Agora, pergunto eu: quem não depende de alguém? Haverá um homem ou uma mulher sequer que seja de fato autossuficiente? A busca de nossos ancestrais originais seria ser como Deus, donos do próprio destino. 

Apesar de viverem num suposto paraíso, não lhes bastava o bem-estar advindo desse paraíso; a raiva contra Aquele que os mantinha nessa “felicidade infinita” tomou conta de suas almas criadas e eles decidiram se tornar “almas incriadas”, ou seja, deuses. O ridículo da empreitada nos assola até hoje.

Neste caso já vemos uma crítica interessante à boçalidade que se espalha hoje, da publicidade aos worshops de coaching para felicidade ou prosperidade. E mesmo ideias mais sofisticadas como o utilitarismo, que sustenta sua ética num cálculo de bem-estar, pode ser alvo dessa crítica. 

A felicidade como paradigma parece gerar “dialeticamente” uma epidemia de depressão. A natureza humana é tal que nem sendo feliz, ela é feliz. Essa volatilidade do afeto, muitas vezes, nos cansa. Eis uma das causas de corrermos para a medicação: nos curar de nós mesmos. 

A felicidade infinita do paraíso nos entediou. A estratégia usada pelo casal foi a seguinte: o problema não era a felicidade, mas sim ela ser dependente de Deus. Optar pela felicidade orgulhosa de seres supostamente autossuficientes os levou ao fracasso da empreitada e à revolta.

A revolta os tornou rancorosos, ressentidos e propagadores da “teoria” segundo a qual sua decisão de separar-se de Deus foi, de alguma forma, culpa Dele. Quem sabe, Adão e Eva se sentiam “sem espaço” para viver o que lhes era de direito: ser feliz sem depender de nenhuma fonte externa para essa felicidade.

A revolta e seus “filhos”, o rancor, o ressentimento e a mentira sobre a própria condição, acabaram por levá-los cegueira. 

Quanto mais orgulhosos e revoltados, mais cegos, e quanto mais cegos, mais orgulhos (como mentira acerca da própria cegueira) e mais revoltados. 

Enfim, o pecado seria uma forma de cegueira. Neste sentido, a humanidade seria uma espécie cega que caminha sobre a Terra. Como morcegos sem asa. E o pecado seria uma forma de compulsão hereditária à cegueira.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

A Sagrada Escritura diz que a ociosidade é a mãe de todos os vícios, porque ensina muita maldade (cf. Eclo 33, 29).

Comentando esta passagem, escreve S. Bernardo:

O ferro se enferruja quando não se usa. O ar se corrompe e gera doenças quando não é agitado por muito tempo. A água sem correnteza torna-se fétida e nela se desenvolvem os insetos. Assim também o corpo que se corrompe pela preguiça torna-se uma sede de todas as más inclinações.

A ociosidade é má conselheira. Por isto um Padre da Igreja dizia: “Um homem ocupado só tem um demônio para o tentar. O preguiçoso tem cem”.

A preguiça é um grande mal. É mãe de todos os males. Preguiçoso não entra no céu. O Reino dos Céus padece violência. Só quem luta o alcança.

Nosso Senhor no Evangelho nos fala tanto da luta, da penitência, da cruz, do sacrifício, da guerra às paixões. Como seguir o Mestre de braços cruzados, na ociosidade?

O preguiçoso não pode se salvar. A preguiça leva a todos os vícios, à miséria neste mundo e à condenação eterna no outro.

Cuidado! Há uma preguiça espiritual verdadeiramente desastrada na piedade. É o mal dos nossos dias.

“Uma leitura interessante”, de Miguel Jadraque y Sánchez Ocaña.
Muitos cristãos não perseveram na virtude por uma preguiça que os domina quando se trata das coisas eternas, do sacrifício, da luta pelo bem.

E queres saber quando nos domina esta preguiça espiritual? Eis os sinais:

Infidelidades contínuas à voz da consciência.
Um desprezo secreto das pessoas piedosas.
Distrações voluntárias e contínuas na oração.
Sacramentos recebidos com frieza e sem fruto.
Aborrecimento das coisas santas.
Inúmeras faltas repetidas e ausência de qualquer esforço para se corrigir.
Como sair deste triste estado?

Só há dois recursos: — Trabalho e Mortificação.

Referências

Transcrito e levemente adaptado de Meu ponto de meditação, do Padre Ascânio Brandão, Taubaté: Editora SCJ, 1941, p. 49s.

Cirurgia plástica é pecado?

Por ruigsantos
 Fique por dentro do que a Igreja diz sobre este tema

Estou com autoestima baixa, por isso preciso fazer cirurgia plástica

O verão está chegando e a preocupação com o corpo vai se intensificando. Olhar no espelho e deparar-se com qualquer imperfeição é desesperador. Aprender a conviver com a frustração de não gostar da própria imagem é um desafio. Atualmente, numa sociedade pós-moderna, a busca frenética pelo corpo perfeito tem aumentado. Fazer cirurgia plástica, por exemplo, virou moda pela sua capacidade de construir corpos esculturais. Mas será que a procura desenfreada por esses procedimentos tem sido benéfica?

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Quando o assunto é cirurgia plástica, é necessário verificar a necessidade com cuidado e, se possível, com o acompanhamento de um psicólogo, que comprove se tal ato será determinante para sua autoestima. Às vezes, essa realidade é só a ponta do iceberg, a exteriorização de insatisfações muito maiores.

Como ter um corpo saudável e bonito?

A beleza física da mulher engloba boa alimentação, exercícios físicos, hidratação da pele e cuidados exteriores. Isso tudo, de modo geral, é interessante, porque melhora a saúde. Com a saúde melhor, a mulher vai ter uma estética agradável. Mas é necessário tomar cuidado com os exageros, para que não se tornem vícios e, consequentemente, doenças psicológicas. Mulher, esteja atenta para que algo bom não se torne ruim, porque a vida precisa ser vivida com responsabilidade, foco e leveza.

Acordar cedo e enfrentar os exercícios de academia não é algo que gera prazer na maioria das pessoas. A decisão de encarar a malhação após o trabalho tende a ser uma boa alternativa, porém, o desgaste enfrentado durante o dia – reuniões, cuidados com as crianças, almoço e trânsito – pode ser desmotivador. O cansaço, depois dessa maratona, tende a impedir a vontade de malhar. E o que tem se tornado comum é a procura por “dietas milagrosas”.

A nutricionista Michelle Barros aconselha as mulheres a procurarem um profissional antes de começar qualquer tipo de dieta. “Hoje, são muito comuns vários tipos de regimes que prometem ‘milagres’ para a perda de peso, na busca pelo corpo perfeito, esquecendo-se dos efeitos nocivos que essas dietas causam no organismo de mulher como: infertilidade, desmotivação, perda severa de nutrientes, distúrbios alimentares e até depressão.”

O que a Igreja diz sobre cirurgia plástica?

A preocupação com o peso ideal e a beleza refletida no corpo tem levado muitas mulheres a terem transtornos alimentares, autoestima baixa e complexo de inferioridade. A Igreja não condena cirurgias estéticas, mas, como mãe, orienta a julgar com liberdade, caso a caso, de maneira que a moralidade da cirurgia plástica deve ser avaliada de acordo com a virtude da temperança, que é a capacidade de moderação.

A vida e a saúde física são bens preciosos doados por Deus. Devemos cuidar delas com equilíbrio, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum. […] Se a moral apela para o respeito à vida corporal, não faz dela um valor absoluto, insurgindo-se contra uma concepção neopagã, que tende a promover o culto do corpo. […] A virtude da temperança manda evitar toda espécie de excesso (Catecismo da Igreja Católica 2288, 2289 e 2290).

Segundo padre Wagner Ferreira, doutor em Teologia Moral, a intervenção cirúrgica depende de cada caso, sobretudo quando se fala da saúde física e psíquica. “Se a pessoa quer fazer uma cirurgia após outra apenas por questões estéticas, para atender a essa ideologia do ‘culto ao corpo’, é claro que é imoral. No entanto, às vezes, a pessoa está com a autoestima baixa e a saúde psíquica comprometida, sentindo-se inferiorizada por causa de determinada parte do corpo; neste caso, pode-se fazer a intervenção, mas, antes de tudo, é preciso um caminho que mostre a essa pessoa que a sua beleza está acima da estética. A pessoa deve ter consciência de que ela não é escrava de uma cultura de beleza, a qual, muitas vezes apresentada como padrão determinado por uma economia, quer vender cosméticos, cirurgias, um corpo bonito e assim por diante”, diz o sacerdote.

A Igreja orienta seus fiéis a cuidarem do corpo com zelo e equilíbrio. Portanto, você que enfrenta a insatisfação com si mesma e deseja passar por procedimentos cirúrgicos, esteja atenta para não se deixar levar pelo culto ao corpo, lute para alcançar a virtude da temperança, que o ajudará no discernimento e nas escolhas a serem feitas. A Palavra de Deus diz: “Não vos conformeis com este mundo, mas transforma-vos, renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito” (Rm 12,2).

Rezemos juntas:

Senhor Jesus, eis-me aqui, suplicando a Tua misericórdia. Submeto ao Teu domínio as insatisfações físicas que trago comigo e que me aprisionam. Eu quero ser livre e me sentir linda como eu sou. Amém.

 

(via Canção Nova)

O que é a Teologia do Corpo?

corpo

“Deus modelou o homem com as próprias mãos (…) e imprimiu na carne modelada sua própria forma, de modo que até o que fosse visível tivesse a forma divina”. CIC § 704

“Teologia do Corpo” é o título que papa João Paulo II deu ao primeiro grande projeto de ensino de seu pontificado. Em 129 pequenas palestras, pronunciadas entre setembro de 1979 e novembro de 1984, ofereceu à Igreja e ao mundo uma valiosa reflexão bíblica sobre o sentido da corporeidade humana, em especial sobre a sexualidade e o desejo erótico.

O teólogo católico George Weigel descreve esta teologia do corpo como “uma das mais ousadas reconfigurações da teologia católica dos últimos tempos” (…), “algo como uma bomba-relógio teológica, programada para detonar com dramáticas consequências (…) talvez no século 21″. Esta visão nova do amor sexual “apenas começou a tocar a teologia da Igreja, a pregação e a educação religiosa”. Quando, porém, ela se impuser plenamente – prenuncia Weigel- “produzirá um dramático desenvolvimento no modo de pensar, virtualmente, sobre todos os temas importantes do Credo” (WH pp. 336, 343, 853).

DEUS, SEXO E SENTIDO DA VIDA

Por que a reflexão do Papa sobre o amor sexual iria afetar “todos os ternas importantes do Credo?” Porque sexo não é apenas sexo. A maneira corno entendemos e expressamos nossa sexualidade revela as nossas convicções mais profundas sobre quem somos, quem é Deus, o significado do amor, da organização da sociedade e até do universo. Por isso a teologia do corpo de João Paulo II representa muito mais que urna reflexão sobre o sexo e o amor conjugal. Através da objetiva do matrimônio e da união “numa só carne” dos cônjuges – diz o Papa -, descobrimos “o sentido de toda existência, o sentido da vida” (29/10/1980)1.

E o sentido da vida, segundo Cristo, é amar como ele ama (cf. Jo 15,12). Uma das intuições mais importantes do Papa é o de ter Deus gravado esta vocação de amar como ele ama em nossos corpos, ao nos criar homem e mulher e chamando-nos a ser “uma só carne” (d. Gn 2, 24). Muito mais que uma simples nota de rodapé da vida cristã, a maneira como entendemos o corpo e o relacionamento sexual “abarca toda a Bíblia” (13.01.1982). Ela nos imerge na “perspectiva de todo o Evangelho, de todo o ensinamento, de toda a missão de Cristo” (03.12.1980).

A missão de Cristo é restaurar a ordem do amor num mundo seriamente corrompido pelo pecado. E, corno sempre, a união dos sexos encontra-se na base da humana “ordem do amor”. Portanto, o que aprendemos na teologia do corpo apresentada pelo Papa é muito “importante para o matrimônio e a vocação cristã dos esposos e das esposas”. Não obstante, “é igualmente essencial e valioso para a compreensão do homem em geral: para a compreensão fundamental de si mesmo e da sua existência no mundo” (15.12.1982).

Não admira que tenhamos tanto interesse pelo sexo. A união do homem com a mulher é um “grande mistério” que nos leva – se não nos desviarmos do caminho em nossa jornada exploratória – ao âmago do plano de Deus em relação ao universo (cf. Ef 5, 31-32).

O CRISTIANISMO NÃO REJEITA O CORPO

Na área da religião, as pessoas estão habituadas com a ênfase no campo espiritual. Daqui porque muitos sentem-se até desconfortáveis diante do relevo que às vezes se dá ao corpo. Mas, para João Paulo II, esta é uma separação artificial. O espírito, claro, tem prioridade sobre a matéria. No entanto, o Catecismo da Igreja Católica ensina que” sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais através de sinais e de símbolos materiais” (n. 1146).

Como criaturas corporais que somos, esta é, em certo sentido, a única via pela qual nos é dado experimentar o mundo espiritual: no mundo físico e através dele, em nosso corpo e através dele. Deus, ao assumir um corpo na Encarnação, é justamente aqui que, com toda a humildade, se encontra conosco, isto é, em nosso estado físico e humano.

Tragicamente, muitos cristãos crescem pensando que seus corpos (especialmente sua sexualidade) são obstáculos inerentes à vida espiritual. Acham que a doutrina cristã considera a alma como “boa”, e o corpo como” ruim”. Ora, esta maneira de pensar está longe da autêntica perspectiva cristã! A ideia de o corpo ser mau é uma heresia (um erro aberrante, explicitamente condenado pela Igreja) conhecida com o nome de Maniqueísmo.

A denominação vem de Mani ou Maniqueu, criador de uma seita baseada num dualismo, em que corpo e alma estão engajados numa luta sem tréguas entre si. Segundo eles, o corpo e tudo o que fosse ligado à sexualidade devia ser condenado como fonte de mal. Nós, entretanto, como cristãos, cremos que tudo quanto Deus criou é “muito bom”, conforme nos garante a Bíblia (d. Gn 1,31). João Paulo II resumiu assim a distinção essencial: se a mentalidade maniqueísta considera o corpo e a sexualidade um “antivalor”, o cristianismo ensina que eles “constituem um ‘valor que nunca chegaremos a apreciar suficientemente’” (22.10.1980).

Noutras palavras, se o Maniqueísmo afirma que “o corpo é mau”, o Cristianismo responde que, ao contrário, ele “é tão bom que somos incapazes de avaliar toda a sua bondade”.

Então, o problema da nossa cultura saturada de sexo não é propriamente a supervalorização do corpo e do sexo. O problema está em termos falhado na compreensão de quanto o corpo e o sexo são realmente valiosos. O cristianismo não rejeita o corpo! Numa espécie de “ode à carne”, o Catecismo proclama: ”’A carne é o eixo da salvação’. Cremos em Deus que é o criador da carne. Cremos na Palavra feita carne para redimir a carne. Cremos na ressurreição da carne, na consumação da criação e na redenção da carne” (CIC 1015, ênfase do autor).

A SACRAMENTALIDADE DO CORPO

A fé católica – se o leitor ainda não se deu conta – é uma religião bem carnal, sensual. Encontramos Deus mais intimamente através de nossos sentidos corporais e de “tudo” o que constitui o mundo material: banhando o corpo com água, no batismo; ungindo-o com óleo no batismo, na crisma, nas ordens sagradas, na unção dos enfermos; comendo o corpo de Cristo e bebendo seu sangue na Eucaristia; impondo as mãos nas ordens sagradas e na unção dos enfermos; declarando os pecados com nossa boca na confissão, e unindo indissoluvelmente o homem com a mulher em “uma só carne”, no matrimônio.

De que melhor maneira podemos descrever o “grande mistério” dos sacramentos senão dizendo que eles são os meios materiais, através dos quais alcançamos os tesouros espirituais de Deus? Nos sacramentos, o espírito e a matéria como que “se beijam”. O céu e a terra se abraçam numa união sem fim.

O próprio corpo humano, em certo sentido, é um “sacramento”. Usamos aqui a palavra num sentido mais amplo e mais antigo que aquele que estamos habituados a ouvir. Mais do que referir-se aos sete sinais da graça instituídos por Cristo, João Paulo II, ao falar no corpo como um “sacramento”, quer dizer que ele é um sinal que torna visível o mistério invisível de Deus. Nós não podemos ver Deus, que é puro espírito. No entanto, o cristianismo é a religião do Deus que se manifesta. Deus quer revelar-se a nós. Ele quer tornar visível a todos o seu ministério espiritual invisível, de forma a podermos “vê-lo”. Como faz isto?

Quem de nós não experimentou ainda um profundo sentimento de pasmo, de admiração, ao contemplar uma noite estrelada, ou um magnífico pôr-do-sol, ou a delicadeza de uma flor? Em tais momentos estamos, de certo modo, “contemplando a Deus”. Ou, mais exatamente, vendo seu reflexo. Sim, porque “a beleza da criação reflete a beleza infinita do Criador” (CIC n. 341). E, contudo, quem é a coroa da criação? Quem, com mais eloquência que as outras criaturas de Deus, “fala” na beleza divina? A resposta é: o homem e a mulher e o seu chamado a uma comunhão fecunda. “Deus criou o ser humano à sua imagem. À imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. Deus os abençoou e disse: ‘Sede fecundos e multiplicai-vos’” (…) (Gn 1,27-28).

1 As citações tiradas da “Teologia do Corpo” de João Paulo II são indicadas pela data em que foi proferida a palestra.

West, Christopher. Teologia do Corpo para principiantes, Uma introdução básica à Revolução Sexual por João Paulo II.Trad. Cláudio A. Cassola. Ed.Myrian: Porto Alegre,2008.

50 tons de ilusão

Alguns seguidores me pediram para escrever sobre 50 Tons de Cinza. Sem querer ofender Maria, que ama e intercede por tantas Anastasias reais que infelizmente existem por aí, pensei em fazer uma comparação entre as atitudes de vida das duas. Como Anastasia Steele não existe e como a fictícia não se dá ao respeito, não precisei me preocupar em não ofendê-la. Apenas oro, compadecida, pelas Anastasias da vida real e pelos homens e mulheres influenciados pelas ilusões do livro e filme, pedindo a Deus que encontrem Maria.

Partilho o que pensei, a partir da ironia dos nomes, certamente escolhidos a dedo pela agora milionária Ms. E. L. James.

CHRISTIAN = cristão
GREY = variante de gray = cinza, nebuloso (Webster Dic.)
ANASTASIA = do grego – impossibilidade mórbida de levantar-se (Dic. Michaelis)
STEELE = homônimo homófono de steel = aço, resistência – nerves of steel = nervos de aço (Webster Dic.)
MARIA = Myriam, em hebraico = estrela, princesa, luminosa (Filho de Deus, Menino Meu)

Eis a comparação que Ms. James – espero! – talvez faça algum dia:

ANASTASIA STEELE, confusa e deslumbrada, chega aos bilionários domínios de Grey, Christian Grey. Sem que se dê conta, começa ali seu relacionamento de sevícias e escravidão sexual e emocional.
MARIA DE NAZARÉ, apaixonada por Deus, chega ao belo átrio do Templo de Deus, o Deus de Israel. Consciente e determinada, inicia ali, com alegria, sua vida de livre e feliz consagração a Deus.

ANASTASIA STEELE é seduzida pelo pretenso cavalheirismo, conversa sedutora e presentes caros de Christian.
MARIA DE NAZARÉ é livremente atraída pelo autêntico e verdadeiro amor de Deus que lhe deu a maior riqueza – ser purificada de todo pecado original – e lhe confia Seu Bem mais caro: o próprio Filho Jesus Cristo.

ANASTASIA STEELE, enceguecida, a confundir amor e prazer, recebe algemas de um sádico tirânico e violento, que a escraviza e compra sua mudez.
MARIA DE NAZARÉ, lúcida e em pleno uso da razão, recebe o anúncio de um anjo de Deus que a respeita e a deixa inteiramente livre para aceitar ou não ser mãe do Seu Filho pela ação do Espírito Santo, que lhe revela sua incomparável dignidade e a faz cantar em alto e bom som sua alegria na casa de Isabel.

ANASTASIA STEELE é ultrajada, desrespeitada, dominada, violentada por um homem egoísta, doente, obcecado pelo prazer, dinheiro e poder.
MARIA DE NAZARÉ é consultada, respeitada, libertada, amada pelo Deus de amor, de justiça, de liberdade, de esvaziamento de si por amor a ela e a todos os homens.

ANASTASIA STEELE é usada, rebaixada, como um objeto desprezível. Já doente e muitas vezes alcoolizada, já dependente do sexo sádico, já masoquista, consente em ser abusada, violentada, seviciada, destruída no corpo e na alma.
MARIA DE NAZARÉ entrega-se livre e cheia de amor à vontade de Deus de que seja a Virgem Mãe do Seu Filho. Lúcida, vive a obediência da fé e é elevada por Deus como A Mulher. Por amor a Deus e à humanidade, consente em ser a Bendita Mãe de Deus.

ANASTASIA STEELE consente no sexo sem amor e se faz estéril. Nega sua vocação à maternidade. Pela negação da graça, gera morte.
MARIA DE NAZARÉ consente na ação da graça da vontade de Deus. Sem conhecer homem, é fecunda. Acolhe sua vocação única à Maternidade e Virgindade. Pela ação do Espírito, gera Vida.

ANASTASIA STEELE não ama. Doente, manipulada, engana-se e confunde paixão com amor. Aliena-se em seu corpo, mente e alma. Entra em caminho de autodestruição.
MARIA DE NAZARÉ ama, com o amor que vem de Deus, o amor que se esquece de si. Na Anunciação, conhece o amor da Trindade, amor de doação. Mergulha na realidade e beleza da salvação. Entra em caminho para a feliz vida eterna.

ANASTASIA STEELE é escrava do prazer pelo prazer. Sente o vazio e o amargo gosto da solidão e falta de sentido quando findam os momentos de prazer. Seu mórbido e masoquista prazer é deixar-se ultrajar, humilhar e ferir por um homem sádico, doente, psicopata, egoísta.
MARIA DE NAZARÉ é livre serva do Senhor, na libertação da vivência do amor, da doação de si. Nunca sentiu solidão, pois Deus lhe era fiel em seu amor. O amor a Deus é o sentido inesgotável de sua vida. Seu prazer é fazer a vontade do Deus de bondade, ternura e amor.

ANASTASIA STEELE está marcada para sempre pela dor de ser usada e abusada como reles objeto de sádico prazer, em seu corpo e em sua alma, pois não há nada que se dê no corpo que não ocorra, ainda mais profundamente, na alma.
MARIA DE NAZARÉ está marcada para sempre pela alegria e exultação em Deus que a libertou do pecado e a santificou no corpo e na alma, pois não há nada que se dê profundamente na alma que não se reflita no corpo.

ANASTASIA STEELE, virgem ao encontrar Christian, desprezou e ultrajou a beleza da castidade.
MARIA DE NAZARÉ escolheu livremente a castidade e foi virgem antes, durante e depois do parto.

ANASTASIA STEELE vendeu-se. Foi abusada, sugada, desgastada. Tornou-se sensual, viciada e viciosa.
MARIA DE NAZARÉ deu-se gratuita e inteiramente. Foi plenificada de graça, de alegria, de gratidão. Tornou-se ainda mais forte, pura, vitoriosa em Deus.

ANASTASIA STEELE é doente, escura, do escuro negro do mais fechado tom de cinza. Cor negra do pecado, segundo Santa Teresa.
MARIA DE NAZARÉ é sadia, luminosa, da reluzente e íntegra luz sem sombras da Verdade. Luz plena da graça, segundo a Palavra.

ANASTASIA STEELE é infeliz iludida, ludibriada pela mentira, escrava do efêmero.
MARIA DE NAZARÉ é feliz conhecedora da Verdade, que a liberta e conduz à feliz eternidade.

ANASTASIA STEELE foi ferida pelo ódio sádico com chicotes, grampos e correntes. Presa ferida, ultrajada por seu algoz.
MARIA DE NAZARÉ teve o coração transpassado de dor e amor ao compartilhar a dor e a missão de seu Filho inocente, ferido pelo ódio injusto. Dilacerado por chicotes, preso com correntes para curar as feridas de todos os homens e libertá-los de escravidões ultrajantes, como as de Anastasia e Christian.

ANASTASIA STEELE escolheu a autodestruição.
MARIA DE NAZARÉ escolheu a autodoação.

ANASTASIA STEELE é alucinada fantasia.
MARIA DE NAZARÉ é autêntica realidade.

ANASTASIA STEELE escolheu o prazer. E ele passa!
MARIA DE NAZARÉ escolheu o amor. E ele é eterno!

ANASTASIA STEELE escolheu o álcool, o sexo doentio, a manipulação.
MARIA DE NAZARÉ escolheu a lucidez, a castidade, a liberdade interior.

ANASTASIA STEELE conheceu 50 tons de mentira e ilusão, fantasia e morbidez. 50 tons de escuridão, nebulosidade, engano, mentira.
MARIA DE NAZARÉ conhece apenas 1 tom de Verdade. A verdade é plena luz, não apresenta nem tons nem nuances. É “sim, sim; não, não”.

ANASTASIA STEELE faz mal a milhões de adolescentes, jovens, mulheres, homens e crianças.
MARIA DE NAZARÉ faz bem e intercede por todas as crianças, adolescentes, jovens, mulheres e homens. Ainda que a desprezem, ainda que não a conheçam.

ANASTASIA STEELE escolheu, covardemente, viver na carne.
MARIA DE NAZARÉ corajosamente, escolheu viver no Espírito.

ANASTASIA STEELE escolheu a escravidão à idolatria a Christian.
MARIA DE NAZARÉ escolheu a liberdade do amor a Cristo.

ANASTASIA STEELE ??? Ninguém mais ouvirá falar dela e de suas insanas fantasias destrutivas dentro de alguns meses.
MARIA DE NAZARÉ!!! Ninguém que a conheça a esquecerá ou ficará indiferente a ela!

ANASTASIA STEELE não conheceu nem amou Maria de Nazaré. Não daria nada por ela.
MARIA DE NAZARÉ amou e ama todas as infelizes e reais Anastasia Steele. Deu sua vida e seu Filho por elas.

EU escolhi lutar para me parecer com Maria, embora muito, muito pecadora. Escolhi o Espírito, a vida plena no Espírito. VOCÊ, com quem escolhe se parecer?

 

Maria Emmir Oquendo Nogueira

“Padre, o que você acha da comunhão aos divorciados que voltaram a casar?”

Um sacerdote responde às dúvidas e perguntas de alguns paroquianos sobre o tema de grande atualidade, à luz do Magistério da Igreja

Por Pe. Antonio Grappone

ROMA, 11 de Setembro de 2014 (Zenit.org) – O divorciados recasados não podem receber a comunhão porque são mais pecadores do que os outros?

Não, o problema é a dimensão pública: o divorciado recasado vive publicamente em contradição com o sacramento do matrimônio. Todos os sacramentos, e a Comunhão em especial, manifestam (tornam pública) a plena adesão à Cristo e à Igreja; o divorciado recasado de fato nega publicamente esta comunhão, independentemente das intenções subjetivas que tenha, porque vive em contradição com o sacramento que ele mesmo, livremente, celebrou: esta contradição depende exclusivamente dos seus comportamentos e não de qualquer ação disciplinar da Igreja. Conceder os sacramentos nestas condições resultaria uma negação da missão salvífica da Igreja, que é necessariamente pública. Porém, isso não exclui de nenhuma forma os divorciados recasados de todos aqueles atos que não envolvam um compromisso público na comunidade cristã, nem constitui um juízo sobre o estado de sua alma.

Portanto, o sacerdote não pode absolver um divorciado recasado que se confessa?

Com certeza deve absolve-lo se o penitente decidiu viver com o novo “cônjuge” como irmão e irmã, não mais como marido e mulher, e isso também com eventuais quedas por fraqueza, porque é a intenção que conta. Além do mais deve ser absolvido também se manifesta sinais de autêntico arrependimento com relação ao segundo casamento, embora ainda não se sinta capaz de tomar a decisão acima, porque está abrindo-se à graça e, portanto, deve ser apoiado. O papel do confessor é importante: por um lado deve avaliar a força do arrependimento, por outro, com sua caridade e uma palavra esclarecedora, pode levar o pecador ao arrependimento. Os santos confessores são capazes de absolver quase sempre, não porque sejam “laxistas”, mas porque sabem suscitar a dor pelos pecados.

Os divorciados que voltaram a casar nunca mais poderão receber a comunhão?

Podem recebe-la se receberam a absolvição sacramental, como nos casos mencionados anteriormente, especialmente quando decidiram viver como irmão e irmã, por amor a Cristo, o que é desejável e totalmente possível com a ajuda da graça. Neste caso, longe de ser raro ou impossível, a sua própria relação se tranquiliza e se tornam um exemplo edificante para os próprios filhos. Para evitar criar confusão entre o povo de Deus, é importante que eles frequentem os sacramentos nas comunidades onde a situação de divorciados recasados não seja conhecida.

O sacerdote pode negar a Comunhão a quem se apresenta publicamente para recebê-la?

Não. Só se nega a Comunhão quando haja um julgamento público que exclui a possibilidade de receber os sacramentos (excomunhão, interdito), e o sacerdote tem certeza de que não tenha sido revogada, ou também quando aquele que se apresenta para receber o faz abertamente para ridicularizar ou como desafio da comunidade cristã. Aproximar-se ou não da Eucaristia, na verdade, depende da consciência de quem comunga: um divorciado casado de novo que não se arrependeu deveria avaliar por ele mesmo a inadequação de receber os sacramentos. O sacerdote não deveria tomar o lugar da consciência dos fieis; não sabe se houve um arrependimento sério (contrição) e de qualquer forma deve evitar ferir publicamente um pessoa, uma vez que resultaria em um dano espiritual maior.

Então, o que pode fazer um sacerdote para evitar que um divorciado recasado não arrependido receba a comunhão?

De momento, nada. Se conhece a pessoa pode, na forma adequada e oportuna, instruí-lo sobre a disciplina da Igreja, que é exercício de misericórdia também quando tem que dizer não.

Que sentido faz a comunhão de um divorciado recasado não arrependido?

Não faz sentido, e é espiritualmente prejudicial. Recebemos os sacramentos para viver como filhos de Deus, na santidade, ou, pelo menos, para irmos naquela direção; não se trata de um direito subjetivo, nem serve para nos confirmar em nossas escolhas, como uma espécie de atestado de boa conduta (“o que faço de errado?”), e muito menos para atender às necessidades “místicas.” Tal atitude desvaloriza os sacramentos, reduzindo a vida cristã à dimensão das misérias humanas e nada mais, e os sacramentos a um “consolo” só psicológico que cobre as feridas sem curá-las: um pietismo ilusório que termina roubando a esperança de uma vida nova.

Então, por que se criou o debate sobre a comunhão para os divorciados recasados?

Porque existem problemas reais. A causa principal deve ser reconhecida no fato incontestável de que estamos celebrando muitos matrimônios nulos: “cerimônias” na igreja, não um verdadeiro sacramento, porque os esposos, que são os celebrantes, muitas vezes, no atual contexto cultural, não amadureceram a consciência mínima do que seja o matrimônio. Bento XVI, em 2011,  apontou este problema, mas até agora foi ignorado. Assim, muitas vezes, tem-se a situação paradoxal de quem se casou na Igreja de forma só aparente e, em seguida, realizou um matrimônio civil, dessa vez sim com as intenções certas, mas, obviamente, sem a forma canônica, portanto, permanecendo excluído dos sacramentos. O recurso aos tribunais eclesiásticos hoje é a única solução, mas não deveria ser o caminho normal, o caminho da maioria! De fato, nesse caso só a lei eclesiástica impede de receber os sacramentos. A forma canônica é uma obrigação introduzida pelo Concílio de Trento para evitar os abusos de então, hoje, porém, não raro, a lei acaba estando em desacordo com a realidade. Por isso é urgente repensar toda a questão.