Estado Laico, o que significa isto?

O episódio final do Big Brother Brasil 5 conquistou 47 pontos de audiência, um recorde. Ainda mais se comparado à média do principal produto da emissora, a novela das nove, que hoje se equilibra entre os 25 e 30 pontos. A disputa ficou entre a ex-Miss Paraná Grazi Massafera, uma loura estonteante de 1,73m e futura estrela global, e um baiano do interior sem qualquer carisma, homossexual assumido e socialista radical, chamado Jean Wyllys.

O Brasil “homofóbico” escolheu Jean Wyllys, atualmente no segundo mandato de deputado federal, para receber o prêmio de R$ 2 milhões (valores atuais). Agora tente imaginar esta mesma disputa envolvendo eleitores da Arábia Saudita, Somália ou Iêmen. Ou explique para um islâmico salafista que aqui a loura perdeu. É este Brasil que os organizadores da 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo sugerem que é preconceituoso e intolerante com gays por ser cristão.

A passeata de ontem, segundo o noticiário, pede “estado laico”. É um país realmente curioso. Aqui se faz manifestação pedindo algo que, até a última vez que eu chequei, já existe, está consolidado na Constituição, e que ninguém discute ou ameaça. É como fazer passeata em favor na construção de Brasília ou pela substituição do Cruzeiro pelo Real.

A primeira Constituição brasileira, de 1824, instituía em seu artigo 5º uma religião oficial do império, a católica apostólica romana. As outras religiões eram permitidas desde que praticadas em cultos particulares. Na segunda Constituição, de 1891, o estado já era oficialmente laico.

Não há nada no Brasil remotamente parecido com o que existe numa teocracia, tanto no ordenamento jurídico como nos costumes do país do sincretismo religioso, da festa de ano novo com milhões vestindo branco e jogando oferendas para Iemanjá, do budismo e da cabala de butique dos endinheirados, do povo que cultua o espírita Chico Xavier com o mesmo fervor que reza para Nossa Senhora Aparecida.

Segundo o último censo (2010), 65% dos brasileiros se declaram católicos e 22% protestantes, num total de quase 90% de cristãos. Mesmo assim, a participação da igreja católica na política brasileira é praticamente irrelevante, exceção feita ao lobby pela manutenção dos feriados religiosos tradicionais e da estátua do Cristo Redentor no topo do Corcovado. A organização católica mais influente na política brasileira, CNBB, por seu alinhamento quase total com a Teologia da Libertação e com a esquerda, dificilmente pode ser associada aos cânones do catolicismo.

Os protestantes controlam ao menos dois partidos políticos atualmente (PRB e PSC). Diversos pastores e políticos oriundos da comunidade evangélica como Anthony Garotinho, Marina Silva, Magno Malta, Marco Feliciano e Eduardo Cunha já ocuparam ou exercem cargos políticos de destaque. O prefeito do Rio de Janeiro, desde o início do ano, é o Bispo Marcelo Crivella. Ainda assim, não há absolutamente nada que aproxime o Brasil de um estado religioso como se vê no mundo islâmico.

A Constituição brasileira, não custa lembrar, já garante que vivemos um estado laico (“leigo”), ou seja, no Brasil há total liberdade de crença, inclusive a liberdade de não tem crença alguma. No artigo 19, inciso I, artigo 5, lê-se: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

Se o estado é laico na lei e nos costumes, o que diabos está por trás desse pedido?

Por que a Avenida Paulista foi tomada, num domingo, por uma multidão que pedia algo que é desnecessário pedir? Como uma manifestação de “Orgulho LGBT” autorizada pela prefeitura da maior cidade do país, apoiada por grandes empresas, realizada na sua principal avenida em pleno domingo, celebrada pelos principais órgãos de comunicação e artistas, estaria de alguma forma servindo para protestar contra qualquer tipo de perseguição? Para entender o que está em jogo é preciso abrir mão do sentido literal do que é dito e buscar nas entrelinhas.

O que fica sugerido, especialmente pelo noticiário, é que, de alguma forma, o Brasil, pela influência do cristianismo, é intolerante com gays. É mesmo? Vejamos. O Brasil é um país que:

1) Criminaliza e persegue o homossexualismo, como vários países islâmicos hoje?

2) Proíbe ou não reconhece a união civil entre adultos do mesmo sexo?

3) Exclui gays da fila de adoção de crianças?

4) Mesmo com incríveis 60 mil homicídios por ano, sofre algo parecido com um surto de violência contra gays?

5) Discrimina a comunidade LGBT na cultura, na música, na academia e nos espaços públicos?

Se você respondeu “não” para todas as perguntas acima, entenda que a pauta é muito mais sutil e insidiosa. É o preconceito religioso e, especialmente, anti-cristão que exala enxofre por trás do discurso alegadamente laicista. Para os ativistas que pedem “estado laico” no Brasil, que já existe, é preciso que ele seja ateu. Para combater o cristianismo, sonham ressuscitar o jacobinismo.

“O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”

Jean Meslier (1664-1729)

Como queriam os iluministas franceses, intelectuais como Nietzche, Sartre ou Foucault, toda esquerda desde os jacobinos, passando por Marx, Mao, Lênin, Stálin e Castro, e como defendem hoje muitos cientificistas neoateus e radicais islâmicos, a meta é eliminar qualquer traço dos valores e preceitos judaico-cristãos que construíram o Ocidente. É a autofagia da sociedade mais livre e próspera que humanidade concebeu e que acolhe até quem se volta contra ela.

Um estado laico e secular, liberal e democrático, é perfeitamente compatível com o cristianismo e com o judaísmo, e não é coincidência. Ele é filho legítimo destas religiões, com alguns acréscimos de preceitos filosóficos da Grécia antiga incorporados pelos próprios pensadores cristãos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Como disse um dos pais fundadores dos EUA e seu segundo presidente, John Adams, “nossa Constituição foi feita apenas para um povo moral e religioso, sendo totalmente inadequada para governar qualquer outro”. A cópia de aspectos meramente formais e normativos da lei de outros povos desprezando a cultura e tradições que produziram aquele ordenamento social e jurídico é meio caminho para o caos.

Foram as tradições judaico-cristãs que criaram as bases para a tolerância e o respeito que gozam homossexuais no Brasil. Abrir mão delas, por mais que os líderes do braço político do movimento LGBT não entendam ou aceitem, é namorar com o risco de um retrocesso como se vê em alguns regiões da Europa que começam a ser ocupadas por povos com culturas distintas e que não demonstram qualquer inclinação para assimilação ou aceitação dos costumes e do ordenamento social e jurídico dos país anfritriões. Os verdadeiros defensores dos gays sabem disso.

Richard Dawkins, ícone máximo da militância ateísta no mundo, declarou semana passada que a educação religiosa é “crucial” para as crianças britânicas. Aterrorizado com a invasão islâmica do seu país, o biólogo passou a reconhecer publicamente a importância da cultura cristã para a preservação do Ocidente no choque atual de civilizações. Nada mais que o óbvio, mas o óbvio não costuma ser popular no Brasil.

Sem uma cultura de tolerância e respeito, sem “amar ao próximo” e considerar todos “filhos de Deus” e cada vida sagrada, optando por proibir a discriminação com a mão de ferro da coerção estatal, é abreviar o caminho para o totalitarismo, já que a lei não refletirá os valores e crenças da população. E isso é tudo menos democracia.

Uma passeata pedindo “estado laico” poderia ser mais impactante em Riad, capital da Arábia Saudita, mas não é preciso explicar porque a Parada do Orgulho LGBT de ontem prefere mostrar sua revolta contra as tradições culturais da religião cristã num país cristão que permite que essa manifestação ocorra.

Ao final, a passeata serviu como prova involuntária de tudo que seus líderes insistem em negar sobre o cristianismo. Deus sabe ser irônico.

Alexandre Borges

Alexandre Borges é analista político, escritor, palestrante, profissional de marketing e diretor do Instituto Liberal.