Tchau, moral! Adeus, virtude!

O ser humano não consegue viver sem um critério de como agir. Como o homem moderno rejeitou o cristianismo herdado de seus antepassados, restou-lhe apenas uma opção: eliminar a moral e a virtude da vida pública e substituí-las por simulacros.

David G. Bonagura Jr.

Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

14 de Novembro de 2019

Faz muito tempo que nossa nação renunciou ao ensino da moralidade [1]. Hoje, a palavra “moral” é pouco pronunciada, pois foi substituída por “valores”, um termo mais subjetivo e agradável aos ouvidos do que seu predecessor, que evoca padrões objetivos e um comportamento ordenado. A sorrateira mudança para “valores” ocorreu quase sem esforço depois que forças seculares expulsaram Deus de nossos sistemas escolares e da esfera pública.

Compreende-se melhor a moral quando uma ordem estabelecida confere a ela uma finalidade, e essa necessidade durante muito tempo foi suprida pela crença no Deus criador de um universo ordenado. Ora, não é de admirar que o comportamento humano tenha sofrido desvios preocupantes, uma vez que secularistas proeminentes passaram a negar a existência de qualquer finalidade no mundo ou na vida humana.

Hoje, a palavra “moral” é pouco pronunciada, pois foi substituída por “valores”.
Agora a sociedade secular está presa numa armadilha criada por ela mesma. Por um lado, defende com ferocidade o direito de um indivíduo a “definir seu próprio conceito de existência, de sentido, de universo e do mistério da vida humana”, segundo as infames palavras do juiz Anthony Kennedy [2]. Se uma pessoa quiser matar um bebê in utero, redefinir o matrimônio ou remodelar sua sexualidade, nenhuma lei ou instituição poderá impedi-la. 

Por outro lado, deve haver um código para regular o comportamento até certo ponto, a fim de evitar a anarquia. Portanto, no lugar da moral, que (aliada ao seu outro complemento esquecido: a virtude) outrora moldou o comportamento humano adequado desde dentro, os secularistas impõem leis externas para regular nosso comportamento a partir de fora.

Essas leis são de dois tipos: leis de consentimento e de controle. 

Atualmente, as leis de consentimento governam as relações sexuais, e agora que o matrimônio não é mais o território adequado para a sexualidade, elas têm se tornado cada vez mais necessárias. Sendo o consentimento o único padrão, os atos sexuais já não podem mais ser considerados certos ou errados. A única coisa que importa é saber se as partes envolvidas estão de acordo com o ato. A sexualidade humana é hoje governada por decisões subjetivas de indivíduos, e não por padrões objetivos preservados por uma ordem criada. Isso explica por que atualmente todo tipo de atividade sexual é permitido. Em nosso mundo secular, só pode haver crime quando uma pessoa não está de acordo com tal atividade. 

A sexualidade é hoje governada por decisões subjetivas, e não por padrões objetivos preservados por uma ordem criada.
Leis de controle não limitam uma pessoa, mas uma situação, tal como a competência para possuir uma arma ou aumentar o preço do aluguel. Naturalmente, sempre houve leis desse tipo, e elas não são más em si mesmas. Porém, a versão atual delas se tornou imperativa para secularistas que, por causa de seus princípios, não podem dizer a uma pessoa como viver de acordo com a moral.

Consequentemente, a única alternativa deles é controlar situações potenciais, limitando a oportunidade que uma pessoa tem para prejudicar outra. Pela lógica secularista, não podemos ensinar a um homem o mandamento: “Não matarás”. Em vez disso, temos de dizer: “Não possuirás uma arma”. Negligencia-se discretamente o fato de as leis de controle serem uma imposição da vontade de uma pessoa sobre outra.

Em nosso mundo secular, há apenas uma forma de proteger os seres humanos de ações escandalosas: uma lei externa que obriga a pessoa a obedecer ou a sofrer as consequências. Se as pessoas aderissem aos padrões de consentimento e controle, viveríamos em harmonia. Ao menos é o que se espera. 

Na tradição católica, em contrapartida, a lei e as consequências penais são o último recurso para reprimir uma conduta imoral. Segundo essa tradição, há muitas ações imorais em si mesmas, para além da violação de consentimento. Sem dúvida alguma, o código moral cristão, tal como a lei civil, contém diversas formas negativas: “Não farás [isto ou aquilo]”. Não obstante, essas normas fazem parte de uma visão mais ampla a respeito do sentido da vida humana e, consequentemente, do modo como os seres humanos devem e não devem se comportar. 

Na tradição católica, a lei e as consequências penais são o último recurso para reprimir uma conduta imoral.
Em vez de simplesmente coagir a vontade, tal como o faz a lei civil, o código moral cristão recorre ao intelecto, persuadindo-nos a aceitar como verdadeira uma visão a respeito da maneira como deveríamos viver. A obediência a esse código também tem uma recompensa positiva: a vida eterna com Deus no Céu. A lei civil subsiste para reprimir aqueles que rejeitam esse código.

A moralidade cristã se fortalece ainda mais quando as pessoas religiosas se esforçam para adquirir virtudes, ou o hábito de realizar boas ações. Tornamo-nos virtuosos ao realizar atos de virtude repetidas vezes, enraizando-os em nosso próprio ser. Pessoas realmente virtuosas não dependem mais de proibições negativas porque estão sempre motivadas a fazer a coisa certa em todas as situações. Pessoas virtuosas atingem um nível ainda mais elevado quando amam Nosso Senhor Jesus Cristo. Então, escreve São Paulo: “Se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais sob a Lei… Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança” (Gl 5, 18.22-23).

Além da moral, nosso mundo secular descartou também a virtude, já que esta também implica um modo correto de viver. Em seu lugar, temos hoje campanhas de autoestima e exortações insípidas em prol da amabilidade. Essa defesa é bem-intencionada, mas é ineficaz porque carece de um fundamento razoável que explique por que as pessoas deveriam agir desta ou daquela maneira. O apelo não é direcionado ao intelecto, nem mesmo à vontade, mas às emoções, o que equivale a edificar a própria casa sobre a areia.

Pessoas virtuosas não dependem mais de proibições negativas porque estão sempre motivadas a fazer a coisa certa.
O ensino da moralidade e da virtude não é — nem jamais foi — uma garantia de que todas as pessoas se tornarão santas e jamais agirão de forma equivocada. Porém, o ensino delas aumenta a probabilidade de os indivíduos escolherem viver de forma íntegra, porque eles recebem de três fontes (as virtudes, a moral e a lei), e não apenas de uma, a motivação para agirem assim. Quando reduzimos nossas defesas, nos tornamos mais vulneráveis ao ataque.

Não podemos esperar que a lei civil faça o trabalho realizado outrora por uma ordem moral razoável e por uma formação virtuosa do caráter. O experimento norte-americano [3] deu certo porque essas coisas estavam presentes durante a formação do país e em sua expansão, mesmo antes da chegada do primado do direito a algumas localidades anteriormente instáveis. A rejeição da moralidade e da virtude pela América secular pode bem ser o passo que arruinará nosso grande experimento.

Notas

O autor fala desde os Estados Unidos. Mas, de modo geral, as considerações feitas por ele se encaixam como uma luva também em nossa situação (Nota da Equipe CNP).
Anthony Kennedy foi, até 2018, juiz associado da Suprema Corte dos Estados Unidos, função equivalente à dos ministros de nosso Supremo Tribunal Federal (Nota da Equipe CNP).
Como já dito, o autor fala a partir do lugar onde vive. A expressão “experimento norte-americano” (em inglês, the American experiment) faz referência a um conjunto de ideias que orientou a independência dos Estados Unidos em 1776, e que pode ser encontrado principalmente nos escritos dos chamados “pais fundadores” dos EUA (os Founding Fathers). À parte, porém, essa particularidade, o que aqui vai escrito se aplica perfeitamente bem a qualquer sociedade. Nenhuma nação pode prosperar, no verdadeiro sentido do termo, se não estiver edificada sobre “uma ordem moral razoável” e “uma formação virtuosa do caráter” (Nota da Equipe CNP).

Siga sua consciência

Sexta, 05 Janeiro 2018 16:36

Mas antes procure convertê-la à verdade e ao bem

É dever do homem obedecer a Deus. A lei divina é a norma universal e objetiva da moralidade. Mas quem aplica essa lei a cada caso concreto? A consciência moral. Ela é a norma próxima da moralidade pessoal. É ela que julga se esta ação concreta está ou não de acordo com a lei divina (que é abstrata).

Eis um exemplo de juízo de consciência:

É proibido matar diretamente um inocente.

lei moral objetiva

Ora, expulsar do útero uma criança de três meses é matá-la diretamente.

caso concreto

Logo, eu não posso induzir a expulsão deste bebê prematuro cuja bolsa se rompeu.

ditame da consciência

Sobre a consciência moral, assim se exprime o Concílio Vaticano II:

No fundo da própria consciência o homem descobre uma lei que não impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre está chamando ao amor do bem e à fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus: a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado (cf. Rm 2,14-16)[1].

Segundo São João Paulo II, o trecho acima da Carta aos Romanos, a que o Concílio se refere,

… indica o sentido bíblico da consciência, especialmente na sua conexão específica com a lei: ‘Porque, quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente os preceitos da lei, não tendo eles lei, a si mesmos servem de lei. Deste modo, demonstram que o que a lei ordena está escrito nos seus corações, dando-lhes testemunho disso a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os’ (Rm 2,14-15)[2].

Prossegue o Santo Padre em sua belíssima encíclica Veritatis Splendor:

De acordo com as palavras de S. Paulo, a consciência, de certo modo, põe o homem perante a lei, tornando-se ela mesma ‘testemunha’ para o homem: testemunha da sua fidelidade ou infidelidade relativamente à lei, ou seja, da sua essencial retidão ou maldade moral (VS 57).

[…]

S. Paulo não se limita a reconhecer que a consciência faz de ‘testemunha’, mas revela também o modo como ela cumpre uma tal função. Trata-se de ‘pensamentos’, que acusam ou defendem os gentios relativamente aos seus comportamentos (cf. Rm 2,15). O termo ‘pensamentos’ põe em evidência o caráter próprio da consciência, o de ser um juízo moral sobre o homem ou sobre seus atos: é um juízo de absolvição ou de condenação, segundo os atos humanos são ou não conformes com a lei de Deus inscrita no coração.

[…]

A consciência formula assim a obrigação moral à luz da lei natural: é a obrigação de fazer aquilo que o homem, mediante o ato da sua consciência, conhece como um bem que lhe é imposto aqui e agora. […]. O juízo da consciência […] formula a norma próxima da moralidade de um ato voluntário, realizando a ‘aplicação da lei objetiva a um caso particular’ (VS 59).

Ora, não é tarefa de um juiz fazer a lei, mas aplicar a lei a determinado caso. Assim, a consciência não cria a lei moral. Não se pode simplesmente dizer a alguém “siga a sua consciência” sem procurar formar a consciência daquele que está em dúvida.

O juízo da consciência não estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e da razão prática face ao bem supremo, ao qual a pessoa humana se sente atraída e cujos mandamentos acolhe: ‘A consciência não é uma fonte autônoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que fundamenta e condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e proibições que estão na base do comportamento humano’ (VS 60).

São João Paulo II, citando novamente o Concílio Vaticano II, alerta-nos que a consciência não está isenta da possibilidade de erro:

Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem, e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado[3].

A consciência, portanto, “não é um juiz infalível: pode errar. Todavia o erro da consciência pode ser fruto de uma ignorância invencível, isto é, de que o sujeito não é consciente e donde não pode sair sozinho” (VS 62). Neste caso, ensina-nos o saudoso Papa, “o mal cometido por causa de uma ignorância invencível ou de um erro de juízo não culpável não pode ser imputado à pessoa que o realiza” (VS 63).

Para ilustrar o que diz a encíclica, imaginemos que alguém viva em um ambiente em que todos julgam que a eutanásia é um ato de misericórdia. Um homem, imerso nessa “cultura da morte”, vê a sua mãe debatendo-se em dores por causa de uma doença incurável. Ele não tem a menor dúvida de que é lícito aplicar uma injeção de veneno na mãe a fim de que ela morra e deixe de sofrer. Sua consciência – invencivelmente errônea – julga que é até um dever filial matar a mãe em tais circunstâncias. Ao praticar a eutanásia em sua mãe, tal pessoa não cometeu pecado. No entanto, um homicídio ocorreu: uma desordem objetiva. Explica-nos São João Paulo II:

Também neste caso, aquele não deixa de ser um mal, uma desordem face a verdade do bem. Além disso, o bem não reconhecido não contribui para o crescimento moral da pessoa que o cumpre: não a aperfeiçoa nem serve para encaminhá-la ao supremo bem. Assim, antes de nos sentirmos facilmente justificados em nome da nossa consciência, deveríamos meditar as palavras do Salmo: ‘Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas’ (Sl 19,13). Existem faltas que não conseguimos ver e que, não obstante, permanecem culpáveis, porque nos recusamos a caminhar para a luz (cf. Jo 9,39-41) (VS 63).

Essas palavras fazem-nos lembrar as de São Paulo: “Verdade é que a minha consciência de nada me acusa, mas nem por isso estou justificado; meu juiz é o Senhor” (1Cor 4,4).

Daí a necessidade de “formar a consciência, fazendo-a objeto de contínua conversão à verdade e ao bem” (VS 64). […] “Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos, na Igreja e no seu Magistério” (VS 64).

A autoridade moral da Igreja, que se pronuncia sobre as questões morais, não lesa de modo algum a liberdade de consciência dos cristãos:

● não apenas porque a liberdade de consciência nunca é liberdade ‘da’ verdade, mas sempre e só ‘na’ verdade;

● mas também porque o Magistério não apresenta à consciência cristã verdades que lhe são estranhas, antes manifesta as verdades que deveria já possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé (VS 64).

S. João Paulo II adverte contra o erro de reconhecer um “duplo estatuto da verdade moral”. Haveria uma verdade moral doutrinal e abstrata e outra verdade moral mais concreta. “Esta – diz o Papa – tendo em conta as circunstâncias e a situação, poderia legitimamente estabelecer exceções à regra geral, permitindo desta forma cumprir praticamente, em boa consciência, aquilo que a lei moral qualifica como intrinsecamente mau” (VS 56).

Ilustremos essa posição com um exemplo.

Uma senhora pergunta a um sacerdote se é lícito usar algum anticoncepcional. Ela desejaria ter filhos, mas seu marido, que não compreende o valor da família numerosa, fica furioso a cada gravidez. O sacerdote sabe que todo ato conjugal deve ser aberto à vida. Logo, sua resposta deve ser negativa. Mas ao dizer “não” à anticoncepção, o sacerdote deve assumir a obrigação de formar a consciência daquele casal. Será necessário conversar com o marido para fazê-lo ver que “os filhos são uma bênção do Senhor” (Sl 126,3). E se o padre constatar que há alguma razão séria para que eles posterguem uma nova gravidez, deverá procurar alguém que os instrua em algum método natural de regulação da procriação. Tudo isso é muito trabalhoso e gera oposições. Para evitar esse fardo, o sacerdote adota uma solução cômoda e simplista: explica a doutrina da Igreja contrária à anticoncepção, mas acrescenta que, levando em conta aquela situação concreta, o casal deve apenas “seguir sua consciência”. Dá a entender assim que o casal pode, em boa consciência, contrariar a lei moral objetiva. Se o casal, confiando na ciência e na honestidade do padre, praticar a anticoncepção, obviamente não cometerá pecado. O sacerdote, porém, será responsável pelo mal, pela desordem objetiva que, podendo e devendo evitar, permitiu.

O que aqui se disse sobre a anticoncepção, vale, com gravidade ainda maior, para as permissões concedidas à laqueadura e à vasectomia (que são esterilizações diretas), e para todo aborto diretamente provocado, ainda que se afirme (por desconhecimento médico ou por desonestidade) que ele é necessário para salvar a vida da gestante. Como é grande a culpa dos pastores que, ao invés de apontarem a porta estreita que conduz à vida, apontam a porta larga do pecado como uma opção moralmente aceitável! E tudo isso em nome das “circunstâncias concretas”, da “prática pastoral”, da “misericórdia” e da “consciência” …

Anápolis, 5 de janeiro de 2018.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.

Presidente do Pró-Vida de Anápolis.

[1] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 16.

[2] JOÃO PAULO II, Veritatis Splendor, n. 57. Doravante esta encíclica será citada pela sigla VS. Os destaques são e serão sempre do original.

[3] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 16.