Superior carmelita no Egito partilha a própria experiência com a misericórdia, “na escola do Papa Francisco” e tendo como “secretaria particular” Santa Teresinha
Por Frei Patrício Sciadini
CAIRO, 13 de Abril de 2015 (Zenit.org) – O papa Francisco com seu estilo de professor de teologia, de mistico e de mistagogo nos ensina todos os dias coisas novas e velhas. Nos atrai, nos influencia, é um ótimo pedagogo. Ensina mais com os gestos que com as palavras. As palavras, diziam os antigos latinos, voam e os exemplos arrastam. Desde o início de seu pontificado o papa tem falado de misericórdia; uma misericórdia não parcial mas infinita, sem limites. Uma misericórdia não circunscrita pelas leis do direito canônico mas sim pelo coração aberto de Jesus, aberto pela lança do soldado, no alto da cruz, de onde correu sangue e água. A água que purifica e o sangue que lava e doa a vida porque é vida de Jesus. A misericórdia não é coisa que se aprenda em um dia mas é necessário o longo noviciado da vida e especialmente é necessário sair da consciência teórica da misericórdia e descer na vida pratica, no exercício da misericórdia. É no dia a dia que se aprende que misericórdia é o nosso “pão cotidiano”, que sem a misericórdia morremos de fome e nos tornamos duros, insensíveis, intransigentes com os outros e quem sabe desumanos com nós mesmos.
Dizem os estudiosos que na Bíblia a palavra “misericórdia” aparece mais de 400 vezes. Claro que eu não fui contar e nem seria capaz de fazê-lo. Mas se for verdade o que dizem, que em cada página está a palavra misericórdia, eu diria que na Bíblia a palavra “misericórdia” está por trás de cada palavra sagrada. Não se pode compreender a Palavra de Deus e nem a Deus, sem a misericórdia. Na minha vida existe três fases bem claras que gostaria de oferecer aos meus leitores se por acaso estiverem interessados.
A primeira fase, que eu chamaria da “lei pela lei”, onde eu dizia a mim mesmo e também aos outros: para que existem as leis? Para serem observadas então devemos saber observá-las e não interpretá-las. Quem erra pague pelos seus erros. Uma fase terrível onde o coração era de pedra, duro, mais com os outros do que comigo, mesmo porque sempre há duas leis: uma para os irmãos e uma para os amigos, e quem sabe uma terceira para si mesmo.
A segunda fase da minha vida foi quando comecei a compreender uma palavra do Evangelho “Bem aventurados os misericordiosos porque encontrarão misericórdia”. Essas palavras de Jesus me escandalizaram bastante mas comecei a entender, dentro desta dinâmica, que é necessário descer do pedestal do próprio orgulho e da própria “impecabilidade”. Descobri isso quando comecei a cometer pecados e a sentir sobre os meus ombros a dureza e incompreensão dos confessores, dos professores, dos mestres de Israel. Vi que só sentindo o olhar benigno de Deus sobre mim mesmo, pecador, podia recomeçar o caminho. E como sacerdote e confessor decidi então nunca usar a mão da lei mas sim o coração da misericórdia. E deu certo. Levantar-me dos meus erros e com Teresa D’ Ávila dizer “cantarei as misericórdias do Senhor”.
A terceira fase é aquela que estou vivendo. Compreendi a misericórdia quando comecei a meditar “que Deus não quer sacrifícios mas misericórdia” e me ajudou Teresa do Menino Jesus e a grande Oração ao Amor Misericordioso de Deus onde a pequena Teresa se oferece vítima não `a justiça de Deus mas `a misericórdia de Deus. É a fase mais bela da vida. Por que condenar? Por que deixar pesar sobre os ombros dos outros o próprio peso da condenação quando Jesus deu todo o seu sangue para nos perdoar. O melhor caminho para a conversão não é condenar o outro mas abraça-lo no amor e abrir as portas do coração e da casa como fez o pai para o filho pródigo que voltava depois de ter gasto tudo em coisas estúpidas da vida. Lc 15. Ser misericordioso quer dizer: posso estar errado e se alguém quer atirar as pedras sejam elas bem vindas e por misericórdia não vou devolvê-las. Significa reconhecer o erro, o pecado mas dizer sempre para o pecador “coragem, está perdoado, vá em frente”.
Aliás, o evangelista João em sua carta, sintetiza a misericórdia com palavras que deveriam ser gravadas sobre todos os confessionários, não neste Ano da Misericórdia mas sempre: “se em alguma coisa o teu coração te condena, recorda que o coração de Deus é maior do que o teu”. Somente assim podemos sentir o olhar de Deus que penetra no mais profundo de nós mesmos. Mas não nos condena, estende as suas mãos para nos chamar, para nos abraçar e para nos doar o seu amor.
Na escola do papa Francisco nós aprendemos a gritar contra o mal, contra os mafiosos, os narcotraficantes de drogas e de vidas mas também aprendemos a dizer a todos: convertam-se, Deus é amor e misericórdia. Já estou no ocaso da vida, 70 anos, e ainda me falta uma fase para aprender a misericórdia. A fase mais bela, a que podemos aprender e que o mestre São João da Cruz apresenta na sua oração da Alma Enamorada onde diz: “Senhor, se não encontra em mim nada que te agrade, te ofereço os meus pecados, faça neles o que deseja.” Isto é, que sejam destruídos, anulados, queimados no fogo da misericórdia. Para aprender esta quarta fase da misericórdia devo ainda me sentar não no banco dos juízes mas dos advogados dos pecadores e no banco dos réus, dos pecadores. Ainda me perdoem se cito a minha “secretaria particular” Santa Teresinha: “para compreender os pecadores devemos sentar-nos `a mesa dos pecadores”.
Caminhemos neste Ano da Misericórdia para chegarmos a fazer da misericórdia o pão de cada dia, que nunca falte nem na nossa mesa e nem na mesa dos outros e que possamos sempre condenar os erros mas nunca o pecador. Afinal, não se atraem os pecadores com pedradas mas com amor. Bem dizia a minha mãe Domenica: “se apanham mais mosquitos com uma gota de mel do que com um barril de vinagre”.
A gota de mel é a misericórdia.