Seminarista responde a jovem que recorreu à morte assistida: “Eu sinto por ela e entendo sua difícil situação, mas nenhum diagnóstico justifica o suicídio”
Mesmo afirmando que a sua escolha poderia ser adiada, no último dia 1º de novembro, Brittany pôs fim à própria vida. “Adeus a todos os meus queridos amigos e parentes que amo”, escreveu ela no Facebook, horas antes de morrer. “Hoje é o dia que escolhi partir com dignidade diante de minha doença terminal, este terrível câncer cerebral que tirou tanto de mim… mas que poderia ter tirado muito mais”. Os últimos dias da vida de Brittany foram dedicados a uma campanha pela legalização do “suicídio assistido”, chamado eufemisticamente de “morte com dignidade”.
Em inglês, a expressão utilizada pelos veículos de comunicação e pelos adeptos da campanha é “death-with-dignity”. Deste modo, a modernidade tenta abrandar, com palavras bonitas, aquilo que é intrinsecamente mau e condenável – como se a alteração das palavras pudesse mudar a substância das coisas. O “suicídio assistido”, por mais que se queira pintá-lo com novos nomes, é o que é: um suicídio, “o mal extremo e absoluto; a recusa de interessar-se pela existência; a recusa de fazer um juramento de lealdade à vida”. Como bem escreve Chesterton, “o homem que mata um homem, mata um homem”, mas “o homem que se mata, mata todos os homens; no que lhe diz respeito, ele elimina o mundo” [2].
Quando se condena com veemência a atitude de Brittany, não se pretende ignorar ou menosprezar o sofrimento pelo qual a jovem passou após descobrir o tumor no seu cérebro. As pessoas e famílias que lidam dia a dia com o drama do câncer – e de qualquer outra enfermidade – sabem que não é nada fácil enfrentar a doença e, principalmente, as suas consequências espirituais, que tocam as profundezas da existência humana. A opção da jovem norte-americana, no entanto, mais do que um “não” ao sofrimento, trata-se de um “não” à própria existência e à dignidade humana. E o pior é que tudo isso recebe o amparo do Estado, como se a liberdade humana fosse onipotente e intocável, até mesmo quando destrói e degrada a si mesma.
A Igreja, ao assumir o papel profético de defesa da vida, não fica à margem do mistério da dor e da morte. O Papa São João Paulo II, em 1984, por meio da carta apostólica Salvifici Doloris, procurou perscrutar o “sentido do sofrimento”, que ele classificava como uma experiência “quase inseparável da existência terrena do homem”. Na ocasião, o Papa afirmava que, pela Cruz, “o homem está (…) ‘destinado’ a superar-se a si mesmo” e que “o Amor é ainda a fonte mais plena para a resposta à pergunta acerca do sentido do sofrimento” [3]. De fato, nos anos finais de seu pontificado, após a entrada no terceiro milênio, ele mesmo enfrentaria com coragem a cruz de uma doença, a qual, vivida com amor e entrega a Deus, elevá-lo-ia à honra dos altares.
A santificação do sofrimento, no entanto, não é uma obra restrita ao Papa ou a um ou outro membro do clero, mas um chamado pessoal a todos os cristãos. Quando Brittany prenunciou ao mundo o seu suicídio, em outubro, o jovem Philip Johnson, seminarista da Diocese de Raleigh, na Carolina do Norte, respondeu à sua iniciativa com um bonito artigo, publicado na Internet [4]. A sua história, muito parecida com a de Brittany nos detalhes – também ele foi diagnosticado com um câncer terminal no cérebro, com apenas 24 anos de idade –, tem, todavia, um final bem diferente.
Quando descobriu o câncer, Philip servia como oficial da marinha norte-americana no Golfo Pérsico. “Recordo o momento em que vi as imagens computadorizadas dos scanners cerebrais. Fui à capela da base e caí no chão chorando. Perguntei a Deus: ‘Por que eu?’”. Depois de consultar os médicos, ele foi informado de que perderia gradualmente o controle de suas funções corporais – “desde paralisia até incontinência” – e que muito provavelmente também as suas faculdades mentais desapareceriam.
Ele conta, porém, que nada disso o faria procurar o chamado “suicídio assistido”. “Eu acho que ninguém quer morrer dessa maneira”, declara. “A minha vida significa algo para mim, para Deus e para a minha família e amigos, e, salvo uma recuperação milagrosa, continuará significando muito, mesmo depois de paralisado em uma cama de hospital”.
O seminarista reconhece a tentação de Brittany de acabar com a sua vida “por seus próprios termos”, mas não pode aceitar a sua decisão. “Eu concordo que o seu estado é duro, mas a sua decisão é tudo, menos corajosa”, afirma. “Eu sinto por ela e entendo sua difícil situação, mas nenhum diagnóstico justifica o suicídio”.
Philip também assegura que, com sua doença, pôde experimentar “incontáveis milagres”. Ele aprendeu, sobretudo, que “o sofrimento e a dor de coração, que fazem parte da condição humana, não devem ser desperdiçados ou interrompidos por medo ou procurando controle em uma situação aparentemente incontrolável”. “Não procuramos a dor em si mesma – explica Philip –, mas o nosso sofrimento pode ter grande significado se tentamos uni-lo à Paixão de Cristo e oferecê-lo pela conversão ou intenções dos outros”.
Mesmo passando por momentos de grande dificuldade, Johnson mantém a confiança em Deus e segue em seus estudos para tornar-se padre. “Ainda fico triste, ainda choro”, escreve. “Ainda peço a Deus que mostre a Sua vontade através de todo este sofrimento e me permita ser Seu sacerdote (…), mas sei que não estou sozinho no meu sofrimento”.
Eis o exemplo de quem se configurou à redenção de Cristo e, com isso, deu sentido ao próprio sofrimento. Que Deus tenha misericórdia da alma de Brittany Maynard. E que todos os que sofrem ouçam, com esperança, o apelo de Nosso Senhor: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós (…), porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve.” [5].
- The Brittany Maynard Fund – YouTube
- Ortodoxia, V, p. 76
- Salvifici Doloris, 2. 3. 13
- Dear Brittany: Our Lives Are Worth Living, Even With Brain Cancer | Diocese of Raleigh
- Mt 11, 28-30