O recente episódio judicial envolvendo o grupo “Porta dos Fundos” ilustra como a “liberdade de expressão” tem servido para atacar a verdade e fazer com que o vil pareça belo, a estupidez vire ciência e a canalhice se confunda com o humor.
Prestem bem atenção nestas palavras: “Os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação”. Apesar de tão atuais, elas foram escritas em 1970 pelo jornalista católico Gustavo Corção, que observava atônito a decadência aviltante dos ditos “intelectuais”, cujas ideias ganhavam cada vez mais espaço na mídia.
Na última semana, a polêmica sobre o “Especial de Natal” produzido pelo grupo Porta dos Fundos ganhou mais um capítulo dramático: a Justiça concluiu que, sim, é possível zombar do cristianismo, é legítimo tripudiar sobre a fé de milhões de cidadãos brasileiros. Pecado mesmo é a “censura”, a “intolerância”, o “fundamentalismo”. Dêem-se, pois, aos zombadores palcos, microfones, holofotes e prêmios. Não importa quão medíocre seja o conteúdo. Eles possuem todos os meios de comunicação.
“Os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra.”
No fundo, essa celeuma diz respeito a um problema sério acerca da “liberdade de expressão”, sob cujo pretexto não só os membros do Porta dos Fundos, mas uma porção de gente se esconde para dar vazão ao que quer que lhe dê na telha. Eles insultam o bom senso. Sim, mas e a liberdade de expressão? Eles agridem a honra e a dignidade alheia. Sim, mas e a liberdade de expressão? Eles espalham mentiras e defendem criminosos. Sim, mas e a liberdade de expressão? Aos poucos, tal balbúrdia vai deixando o imaginário das pessoas confuso e incapaz de distinguir a realidade da fantasia, o certo do errado, a verdade da mentira, o belo do feio, o digno do indigno.
Notem, por exemplo, o que aconteceu recentemente à escritora J. K. Rowling. A autora de Harry Potter, que sempre defendeu bandeiras liberais, acabou provando do próprio veneno ao querer, até que enfim, defender uma coisa óbvia: que o sexo biológico é real. No fim das contas, ela viu seu legado ameaçado pela milícia do gênero, que passou a considerá-la uma “transfóbica”. É isso mesmo. Rowling, que já defendeu a homossexualidade do personagem Dumbledor, é agora a mais nova inimiga do movimento gay. Pecknold, articulista do Catholic Herald, resumiu assim a questão: “Uma vez que os ideólogos de gênero não têm ao seu lado a verdade, eles continuarão procurando bruxas — e livros — para queimar”.
A situação parece ridícula, mas põe a descoberto as consequências de uma liberdade mal entendida. É claro que todo ser humano tem o direito de expor suas ideias em matéria de cultura, esporte, política, religião etc. Porém, esse direito deve ter limites, responsabilidades, compromissos. Do contrário, a própria liberdade fica doente pelo engano, e o homem vira refém da mentira.
“Porventura dirá alguém que se podem e devem espalhar livremente venenos ativos, vendê-los publicamente e dá-los a tomar, porque pode acontecer que, quem os use, não seja arrebatado pela morte?”, perguntava o Papa Gregório XVI a quem defendia “o direito de trazer-se à baila toda espécie de escritos” (Mirari vos, n. 11). E o que é, senão lixo e veneno, o que grande parte da livre imprensa tem dado de beber todos os dias às nossas famílias? É ou não é verdade que as estações de rádio, os canais de televisão e a internet estão cheios de materiais baixos, que ofendem a dignidade humana?
O que é, senão lixo e veneno, o que grande parte da livre imprensa tem dado de beber todos os dias às nossas famílias?
Sem dúvida, temos de concordar com a denúncia de Pio IX na encíclica Quanta Cura: esses homens “não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição, e que, se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à Verdade” (n. 3). Mais de um século após a publicação desse documento, temos visto a consumação do que Bento XVI chamou “a ditadura do relativismo”, isto é, a negação contumaz da verdade para fazer valer um falso “pluralismo de ideais” e uma errônea “liberdade de expressão”. Sim, eles se atrevem a resistir à verdade e, com isso, escravizam toda a população sob a tirania da opinião dominante, da imprensa marrom e da ideologia política.
Não, senhores, a Igreja não defende nenhuma espécie de AI-5. Ela apenas adverte seus filhos de que veneno é veneno. Ou seja, a mentira não pode gozar dos mesmos privilégios da verdade, não pode ser considerada digna de atenção e prestígio, não deve ser aplaudida e ostentada como “coroa de glória”. E por um motivo muito simples: quando o mentiroso se converte em herói, é o honesto que se torna vilão. Isso é tão claro e óbvio que mesmo o escritor Machado de Assis, que por muitos é tido como ateu, soube reconhecer a necessidade da encíclica de Pio IX e louvá-lo por sua coragem: “O débil velho não se assusta; toma friamente a pena e lança contra o espírito moderno a mais peremptória condenação. É positivamente arriscar a tiara”.
Eles se atrevem a resistir à verdade, e, com isso, escravizam toda a população sob a tirania da opinião dominante.
Mas o “espírito moderno” não deu ouvidos ao “débil velho”, não quis ouvir a sabedoria dos avós, preferindo lançar-se às novidades do último charlatão. E agora temos o vil como arte, a estupidez erigida em ciência e a canalhice convertida em humor. Tudo em nome da “liberdade de expressão”. Para completar o espetáculo do Porta dos Fundos, só lhe faltava alguém insano o suficiente (que não, não era cristão) para desferir o golpe que o tornaria “mártir”. É provável que o grupo ganhe o próximo Emmy por isso. Porque, no fim das contas, “em toda a parte os malvados andam soltos”, diz o salmista, “porque se exalta entre os homens a baixeza” (11, 8).
Jornais do país todo logo se apressaram a associar o atentado à sede do Porta dos Fundos aos “cruéis cristãos” que não sabem rir de uma piada. Mais uma mentira. Já rimos muito com as críticas duras de O Auto da Compadecida e não deixamos de reconhecer a importância de um filme como Spotlight. O próprio senhor Porchat, membro do grupo, sempre se sentiu muito seguro para zombar daqueles que ele insiste em atacar dia sim, dia também. “Eu, por exemplo, não faço piada com Alá e Maomé, porque não quero morrer! Não quero que explodam a minha casa só por isso”, já declarou ele.
Em 1970, Gustavo Corção concluía sua crônica de modo melancólico, profetizando que, diante da onda liberal, uma nova leva de autores pseudointelectuais surgiria futuramente, e ainda mais obstinada em seus erros. “De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes”, lamentava. E, de fato, ele tinha razão.
Padre Paulo Ricardo