Ladeira escorregadia
John Flynn, LC
ROMA, quarta-feira, 14 de março de 2012 (ZENIT.org) – “Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty, em tom de desdém, “ela significa o que eu quero dizer. Nem mais nem menos”.
Este trecho de Alice no País do Espelho, de Lewis Carroll, foi retirado de uma narrativa ficcional, mas é muito adequado para descrever o artigo Aborto após o nascimento: por que a criança deveria viver?, publicado em 23 de fevereiro no Journal of Medical Ethics.
Os autores, Alberto Giubilini e Francesca Minerva, acadêmicos em Melbourne, Austrália, argumentam que “o que chamamos de aborto após o nascimento (o assassinato de um recém-nascido) deveria ser permitido em todos os casos em que o aborto também o é, inclusive naqueles em que a criança não é deficiente”.
O aborto é permitido quando o feto sofre de algum tipo de malformação ou doença, ou até por motivos econômicos, sociais e psicológicos, disseram eles. E na Holanda, de acordo com o Protocolo de Groningen de 2002, as crianças que tiverem um “prognóstico sem esperança” também podem ser mortas.
Em vez do termo infanticídio, universalmente aceito para descrever o procedimento, eles adotaram a expressão “aborto após o nascimento”.
“O status moral de uma criança é equivalente ao de um feto, no sentido de que que a ambos faltam as propriedades que justificam o reconhecimento do direito de um indivíduo à vida”, proclamaram os autores.
Eles não colocaram qualquer limite sobre quanto tempo após o nascimento o chamado “aborto” deveria ser permitido. Apenas notaram que, normalmente, as deficiências são descobertas em poucos dias.
Quando a justificativa é por motivos não-médicos, os autores também omitiram qualquer período de tempo, dizendo que dependeria apenas do desenvolvimento neurológico da criança recém-nascida.
Discussão razoável
Como era de se esperar, o artigo de Giubilini e Minerva despertou muitas críticas. Em resposta, o editor do Journal of Medical Ethics, Julian Savulescu, escreveu no blog da revista em 20 de fevereiro que o perturbador não era a proposta dos autores de usar a expressão “aborto após o nascimento”, mas sim as reações hostis ao que ele chamou de “qualquer tipo de discussão razoável”.
Em uma carta aberta, publicada em 2 de março no site da revista, os autores do artigo se declararam surpresos com a reação hostil, dizendo que “tratava-se de um mero exercício de lógica”.
A tática dos autores de descrever o artigo como um exercício intelectual tinha sido antecipada por Bill Muehlenberg em artigo publicado no dia anterior no site australiano Line Opinion.
“Nas décadas que precederam o Holocausto, muitas posições acadêmicas e declarações abriram caminho para o que Hitler e os nazistas fizeram”, afirmou ele.
“Usar a sala de aula e as revistas acadêmicas para defender com frieza e com calma a matança de crianças não é sinal de profissionalismo nem de progresso. É um sinal de barbárie e de retrocesso”.
As ideias têm consequências, disse por sua vez Stammers Trevor, em artigo publicado no dia 5 de março no site Mercator Net: “Simplificando, toda revolução social começa com uma ideia. As ideias de Giubilini e Minerva não são uma exceção e têm relevância além do mundo acadêmico”.
“Como pai de uma criança com síndrome de Down, os argumentos deles me dão nojo”, disse David Warren, escrevendo em 2 de março no jornal canadense The Ottawa Citizen. “É verdade”, admite Warren, “que outros, como o bioeticista Peter Singer, já apoiaram o infanticídio. Além disso, Singer defende também a aceitação da bestialidade”.
Matar crianças e fazer sexo com animais é normal na ética de camarilha, diz o título de um artigo de Rod Liddle no Sunday Times deste fim de semana. Liddle ridiculariza Peter Singer, dizendo que ele não carecia apenas de bom senso, mas de toda lógica.
Gerald Warner, no Scotland on Sunday, observou que “o lugar mais perigoso do mundo para uma criança na Escócia é o útero da mãe. Em 2010, a mortalidade infantil levou 218 crianças escocesas à morte. O aborto, 12.826”.
Niilismo ético
Embora a promoção do “aborto após o nascimento” seja um bom exemplo do que chamou de niilismo ético, Warner nota que os autores fizeram um favor à causa pró-vida. “Eles deixaram de lado os eufemismos sutis, as mentiras e os enganos anti-científicos dos lobistas pró-aborto, e chamaram o pão de pão e o queijo de queijo”, disse ele.
No australiano Daily Telegraph, Andrew Bolt escreveu: “Não há um limite claro depois que você apaga a linha do absoluto que diz: não matar o bebê no útero da mãe”. A ladeira é escorregadia, prossegue Bolt, e este caso demonstra o quanto.
Em 7 de março, Barney Zwartz, editor de religião no Age of Melbourne, também da Austrália, escreveu que um passo fatal foi dado no debate sobre a vida quando o conceito de “qualidade de vida” substituiu o do “valor da vida” nessas discussões.
O pai de uma criança com síndrome de Down afirmou: “Afirmar que você está seguindo uma lógica não é, de modo algum, uma justificativa. A lógica é uma ferramenta, cuja utilidade depende das premissas com as quais ela funciona. Não é um bem em si mesma”.
Estes princípios morais firmes são ainda acusados de “excessiva rigidez”. O episódio descrito aqui demonstra o que a “flexibilidade” pode se tornar quando o tema em questão são os princípios morais fundamentais.