Antes de morrer, a mãe de Santo Agostinho não se preocupou com seu corpo, “não desejou ter rico monumento, nem mesmo ter sepultura na própria pátria”. Seu último desejo era outro, bem diferente…
Na Nova Lei nós temos o santo Sacrifício da Missa, do qual os vários sacrifícios da lei mosaica eram apenas frágeis figuras. O Filho de Deus o instituiu, não só como uma digna homenagem prestada pela criatura à Divina Majestade, mas também como uma propiciação pelos vivos e pelos mortos, isto é, como um meio eficaz de aplacar a Justiça Divina, afrontada por nossos pecados.
O santo Sacrifício da Missa era celebrado pelos defuntos desde o tempo da fundação da Igreja. “Nós celebramos o aniversário do triunfo dos mártires”, escreve Tertuliano no século III (De Corona, c. 5), “e, de acordo com a tradição de nossos pais, nós oferecemos o santo Sacrifício pelos defuntos no aniversário de suas mortes.”
“Não resta dúvidas”, escreve por sua vez Santo Agostinho (Serm. 34, De Verbis Apost.), “que as orações da Igreja, o santo Sacrifício, as esmolas distribuídas pelos falecidos, aliviam essas santas almas e incitam Deus a tratá-las com mais clemência do que merecem os seus pecados. Trata-se da prática universal da Igreja, uma prática que ela observa por haver recebido de seus antepassados, isto é, dos Apóstolos.”
Santa Mônica, a valorosa mãe de Santo Agostinho, quando estava prestes a expirar, não pediu a seu filho senão uma só coisa: que ele se lembrasse dela diante do altar do Senhor. Este santo Doutor, por sua vez, ao relatar em suas Confissões (l. IX, c. 11-13) esse incidente comovedor, suplica a todos os seus leitores que se unam a ele e encomendem sua mãe a Deus durante o santo Sacrifício da Missa.
Querendo voltar para a África, Santa Mônica foi com Santo Agostinho até Óstia, a fim de embarcar; mas ela caiu doente e rapidamente sentiu que seu fim estava se aproximando. “Enterrai este corpo em qualquer lugar”, ela disse a seu filho, “e não vos preocupeis com ele. Faço-vos apenas um pedido: lembrai-vos de mim no altar do Senhor, seja qual for o lugar em que estiverdes”: ut ad altare Domini memineritis mei.
Não nos parecia justo celebrar o funeral com lamentos e choros, pois essas demonstrações servem usualmente para deplorar a morte como infelicidade ou aniquilamento total, ao passo que essa morte não era uma desgraça, nem era para sempre. Estávamos certos disso pelo testemunho de seus costumes, pela sinceridade de sua fé e por outros motivos bem fundados. O que é que me fazia então sofrer interiormente, senão a chaga recente causada pela ruptura inopinada de um hábito tão suave e querido da vida em comum? […]
Curado já o meu coração dessa ferida, pela qual podia ser repreendido por um apego demasiadamente carnal, derramo agora diante de ti, meu Deus, por tua serva, um tipo bem diferente de lágrimas, aquelas que brotam de um coração comovido pelos perigos que corre todo homem que deve morrer em Adão.
É verdade que ela, regenerada em Cristo, ainda antes de ser libertada da carne, vivia de tal modo que o teu nome era glorificado na sua fé e nos seus bons costumes. Contudo, não ouso afirmar que desde o tempo em que a regeneraste pelo batismo não tenha escapado de sua boca alguma palavra contra a tua Lei. […] Ai do homem, mesmo de vida irrepreensível, se tu o julgares sem misericórdia! […]
Por isso, Deus do meu coração, minha glória e minha vida, esquecendo por um momento as boas obras de minha mãe, pelas quais te dou graças alegremente, peço-te perdão por seus pecados. Ouve-me, pelos méritos daquele Médico das nossas feridas, que foi suspenso no madeiro e que, sentado à tua direita, intercede por nós.
Sei que ela agiu sempre com misericórdia e que perdoou de coração as faltas contra ela cometidas. Perdoa-lhe também as suas faltas, se algumas cometeu em tantos anos de vida depois do batismo. Perdoa, Senhor, perdoa, eu te suplico, e “não chames a juízo a tua serva” (Sl 142, 2). Que a misericórdia triunfe sobre a justiça. Tuas palavras são verdadeiras, e prometeste misericórdia aos misericordiosos. […]
Eu creio que já fizeste tudo o que peço, mas acolhe, Senhor, as livres oferendas de meus lábios. Aproximando-se o dia de sua morte, minha mãe não se preocupou em ter seu corpo suntuosamente revestido ou embalsamado com aromas, não desejou ter rico monumento, nem mesmo ter sepultura na própria pátria. Não nos pediu nenhuma dessas coisas, mas desejou somente que nos lembrássemos dela diante de teu altar, ao qual ela não deixou um só dia de servir, porque sabia que aí se oferece a Vítima santa, pela qual ‘foi destruído o libelo contra nós’ (Cl 2, 14). […]
Que ela repouse em paz ao lado do marido, antes e depois do qual a ninguém ela desposou. Serviu a ele, oferecendo-te os frutos da paciência a fim de ganhá-lo para ti. E inspira, meu Senhor e meu Deus, inspira aos teus servos, aos meus irmãos, aos teus filhos, aos meus senhores, a quem sirvo com o coração, com a voz e com a pena, a fim de que, ao lerem estas páginas, se lembrem, diante de teu altar, de Mônica tua serva, e de Patrício, outrora seu esposo, pelos quais me introduziste misteriosamente nesta vida. Que se lembrem com piedosa emoção dos que foram meus pais nesta vida transitória […].
Assim, o último desejo de minha mãe será satisfeito, graças às minhas Confissões, e mais abundantemente com as orações de muitos, do que somente com as minhas.
Essa bela passagem de Santo Agostinho mostra-nos qual era a opinião desse grande Doutor quanto aos sufrágios oferecidos pelos defuntos, e fazem-nos ver claramente que o maior de todos os sufrágios é o santo Sacrifício da Missa.