A VIDA HUMANA É DINAMISMO ESSENCIAL INESGOTÁVEL

Contribuição especial do ex-subprocurador geral da República, Cláudio Lemos Fonteles

BRASILIA, sexta-feira, 9 de março de 2012 (ZENIT.org) – A visão positivista, ainda presente no conduzir-se das pessoas, reduzindo o agir humano ao que pode ser visto e aferido, enclausura os que assim se conduzem numa atitude mecanicista.

A vida humana não pode ser compreendida por perspectiva tão acanhada, típica no pensamento da uniformidade, que não tolera a diversidade, abomina o inesperado, conduzindo-nos quando não ainda à clonagem da espécie humana, mas ao estabelecer padrões comuns de expressão visual.

A vida humana é dinamismo essencial.

Na fecundação – união do espermatozóide com o óvulo – e a partir da fecundação a célula autônoma – zigoto – que assim surge, por movimento de dinamismo próprio, independente de qualquer interferência da mãe, ou do pai, realiza sua própria constituição, bipartindo-se, quadripartindo-se, no segundo dia, no terceiro dia, e assim por diante.

É, portanto, primeiramente embrião, depois feto, bebê, criança, jovem, adulto, velho.

A vida humana é dinamismo essencial.

Justo, se assim compreendida, a vida humana é única e irrepetível.

Não é linear, de modo que sejamos todos nós, no estágio existencial em que nos encontramos, vistos como no traçado imperturbável de uma linha reta.

A vida humana não é assim.

Complexa, surpreendente, imprevisível dota-se de parâmetros próprios a cada etapa do seu ser.

Esse quadro de inesgotabilidade do viver, que fundamenta a dignidade como ínsita ao ser humano, por isso que inviolável, não autoriza seja eliminada a vida humana, em qualquer etapa do seu ciclo existencial.

Bem recentemente, citado em matéria jornalística produzida em nosso País, o pediatra alemão Roberto Wüsthof, a propósito da bebê anencéfala Marcela de Jesus Galante Ferreira, que já completou seu primeiro ano de vida, sentenciou:

“Casos como o de Marcela certamente seriam incluídos nos protocolos de eutanásia na Holanda. Não faz sentido ser diferente. É como se ela fosse um computador sem processador.” (Veja – 15/08/2007 – reportagem da jornalista Adriana Dias Lopes)

Aí está: “É como se fosse um computador, sem processador”.

Esta é a frase, matriz eloqüente de setores empresariais, científicos, políticos e midiáticos, que querem impor o stablishment mecanicista. O  stablishment que reduz a vida humana a algo aferível, coletiva e funcionalmente: “não faz sentido ser diferente”.

A vida humana é dinamismo essencial inesgotável.

Eis porque se impunha ao Procurador-Geral da República o questionamento do artigo 5º, da Lei nº 11.105, que permite o uso de células tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos, para fins terapêuticos.

Não me omiti, quando no exercício do cargo, em fazê-lo.

Não se pode matar a vida, ainda que em estágio embrionário, a pretexto de cura.

A um, porque no caso das células-tronco embrionárias não há, no mundo, a comprovação, inclusive, de resultado terapêutico favorável.

A dois, porque aberto fica amplíssimo horizonte de pesquisas científicas, com as chamadas células tronco adultas, que já apresentam resultados terapêuticos favoráveis.

Aliás, a evolução da ciência é fator inconteste. Hoje, já se sabe que o cordão umbilical é fonte importante à pesquisa da medicina regenerativa, dada a possibilidade real de pluripotência, que encerra.

E mais, em dias recentes, o método científico de Reprogramação Genética de Células Adultas do próprio paciente, encaminha para a obtenção das propriedades de totipotência nas células adultas, sem que se comprometa o embrião humano.

Reitero, a procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade, que promovi, significa cessaruma única linha de pesquisa, propiciando permaneça presente amplo leque de pesquisas.

Assim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade em nada compromete a liberdade de pesquisa, até porque liberdade não há quando signifique eliminar vidas humanas na etapa embrionária.

A vida humana é dinamismo essencial inesgotável.

Do embrião ao ancião seja-nos permitido vivê-la.

Claudio Lemos Fontelles

*

Claudio Fontelles, foi Subprocurador-geral da República, grau mais alto da carreira, atuou no Supremo Tribunal Federal na área criminal. Coordenou a Câmara Criminal (1991) e a antiga Secretaria de Defesa dos Direitos Individuais e Interesses Difusos – Secodid (1987). Escolhido pelo Presidente Luis Inácio Lula Procurador da República dos anos 2003-2005. Lecionou Direito Penal e Direito Processual Penal. Recentemente graduou-se em Teologia pelo Instituto S. Boaventura dos Frades Menores Conventuais. É professor de Doutrina Social da Igreja no curso superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília. Aposentou-se do cargo de subprocurador-geral da Repúbica em 15 de agosto de 2008http://www.claudiofonteles.blogspot.com/

O Estado é Laico

Por Reinaldo Azevedo, jornalista da Veja

Escrevi em alguns posts que os valores essenciais do cristianismo certamente conduzem um juiz a um bom caminho — isso se o crucifixo estivesse em alguns tribunais por isso. Mas a razão, como já expliquei, é outra. Sempre que se fala do cristianismo, conjugam-se as mais variadas correntes de difamação da religião, especialmente do catolicismo, que se foram formando ao longo da história. A mais recente — historicamente falando — e mais poderosa, claro, é o marxismo. Atrocidades foram cometidas por autoridades eclesiásticas em quase dois mil anos de história? Foram, sim! E a própria Igreja se debruçou sobre isso.

Uma das técnicas da militância política, que deveria causar repúdio aos historiadores, é distorcer os fatos para vender uma ideologia. Infelizmente, no Brasil e em boa parte do mundo, quando o tema é religião, a irracionalidade predomina… em nome da razão!

Nos colégios, nos cursinhos, nas universidades, professores se referem aos “milhões de mortos da Inquisição”, por exemplo, para tentar criticar não aquela Igreja do passado, mas a do presente. Parece que não há diferença entre as práticas do século 17 e as do século 21!!! Imaginem se todas as barbaridades que os cientistas já cometeram, na comparação com o que sabemos hoje, fossem usadas para considerar a ciência, então, um discurso brutalizante. “Religião não é ciência”, gritará alguém. De fato, a crença não é um objeto que possa ser dissecado à luz das leis da natureza. Mas existem uma ciência teológica e uma ciência moral que remetem ao conjunto de experiências e conhecimentos acumulados no terreno da fé. Adiante.

Ao longo do tempo, por bons e maus motivos, a Igreja foi uma inimiga poderosa de poderosos. Misturou-se e não se distinguiu da política durante um largo período. E foi, nem poderia ser diferente, alvo de difamações. Uma delas diz respeito justamente aos tais “milhões” de mortos da Inquisição. Uma leitora , Tereza Cristina, manda o comentário que segue. Ao responder a ela, respondo a dezenas, talvez centenas de outros comentários de igual teor. Leiam.

Reinaldo, você pode até discordar da Liga Brasileira de Lésbicas é um direito seu. Mas negar parte da história do Cristianismo no seu discurso é inaceitável. As acusações feitas a Liga hoje por você já foram práticas do Cristianismo. Não vamos esquecer da SANTA INQUISIÇÃO: momento que sabemos muitos morreram, foram torturados, sofreram perseguição religiosa e que a proteção da vida não foi lembrada. Seria bom também, se tivéssemos como voltar no tempo e perguntar aos africanos que vieram para o Brasil sobre PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA.Só para lembrar: A Inquisição foi um espécie de Tribunal religioso criado na Idade Média para condenar TODOS que eram contra os dogmas pregados pela Igreja Católica.Mandou para a fogueira milhares de pessoas como você mesmo falou ” crime simplesmente por não concordar com eles. De que mesmo a Liga está sendo acusada???? Contra fatos não há argumentos.

Comento

Em primeiro lugar, não acusei a “Liga Brasileira de Lésbicas” de coisa nenhuma — só de intolerância. Quanto à Santa Inquisição, republico um texto do site católico Veritatis Splendor – Memória e Ortodoxia Cristãs, que põe as coisas nos seus devidos lugares, com as necessárias referências bibliográficas.

Quem ainda estiver disposto a aprender alguma coisa vai se surpreender com o texto. Quem já sabe ficará satisfeito com a divulgação dos fatos — ou vai se zangar porque a mentira lhe é útil. E há sempre aquele que não vai querer aprender nada: “Ah, o Reinaldo está dizendo que a Inquisição foi bolinho”. Atenção!

A fase do Terror, da Revolução Francesa, matou, em um ano, milhares de pessoas — os números variam de 16 mil a 40 mil. Muitas vezes mais do que a Inquisição em quatro séculos!

Fidel Castro fuzilou, sozinho, muito mais do que o Santo Ofício ao longo da história: 17 mil pessoas. Se considerarmos, então, os mais de 80 mil que morreram afogados tentando fugir da ilha… Mao Tse-Tung matou 70 milhões; Stálin, 25 milhões; Hitler, 6 milhões…

Não, senhores! Eu não estou negando que a Igreja tenha praticado brutalidades. Como vocês verão abaixo, no entanto, ela podia ser muito mais branda que os tribunais civis. Mas isso é o de menos. Invariavelmente, os que querem mandar a Igreja, mesmo a de hoje, para o banco dos réus costumam mandar para o trono Robespierre, Fidel, Mao, Stálin…

Leiam o artigo, reflitam, pesquisem.

A Inquisição exterminou 30 milhões de pessoas?

Para muitos estes supostos dados de “milhões de mortes” são as provas claras e literais do obscurantismo e corrupção da Igreja católica durante a “Idade das Trevas” podemos então afirmar a veracidade destes números que pressupõem que um verdadeiro “holocausto” foi promovido por parte do clero da Igreja Católica?

É comum vermos na literatura secular, em filmes e documentários, pior nas escolas do ensino fundamental e médio e até em faculdades e universidades, a afirmativa de que a Igreja “torturou e matou milhares”, alguns dizem milhões de pessoas aniquiladas pela Inquisição. Há também diversos ambientes acadêmicos no Brasil em que é nítido tal interpretação, são muitos autores e professores universitários a partilhar dessas objeções.

É inegável a atuação da Inquisição assim como os julgamentos, qualquer contraposição é uma aberração um erro grotesco de história, a crítica veiculada neste texto é dirigida aos números de mortes e incidentes referentes aos cerca de 386 anos de atuação, deste tribunal eclesiástico.

Muitos podem até dizer que números não importam, contudo ela “matou e torturou”, a questão é que nesta situação os números representam o maior pretexto e fonte de contradições a temática, pois tendem a alimentar e propagar a ideia de uma tragédia histórica, sem controle, um crime, um perverso e criminoso ato, vindo da Igreja contra a humanidade.

Não levando em conta os fatores, o contexto e as posições religiosas da época estaria correto colaborar com estas argumentações e afirmações? Teria sido uma ferramenta de perseguição e extermínio de quem ousava pensar diferente? ou trata-se de posições subjetivas oriundas do homem contemporâneo?

Vale salientar que estas sociedades eram claramente ligadas ao bem e ‘alegria social’ (Pernoud, 1997) e da religião “em função da fé cristã” (Daniel Rops, Vol. III. p. 43), tinham como ferramentas de prevenção, a condenação de grupo ou individuo, para evitar a contaminação de confusões e divisões que ruíam ‘todo o sistema e ordem social da época’ (Gonzaga, 1994) além de evitar a propagação de heresias e divisões entre os fieis na Cristandade, assim os códigos penais abraçavam e previam comumente a tortura e a morte do réu. E o povo entendia que estes eram os princípios jurídicos e inquisidores (cf. Mt 18,6-7) que evitavam a expansão de cismas e heresias.

Mas seriam verdadeiros estes indicies sobre a Inquisição? Ou é maquinação vinda dos inimigos da religião que tiram proveito não só da Inquisição ou das Cruzadas, centram-se também nos erros e faltas morais de alguns filhos da Igreja para fazê-los de “cavalo de batalha na sua guerra contra a religião e para perpetuamente as estarem lançando em rosto à Igreja.” como disse o historiador e Pe. W. Devivier, S.J. Fato que “é da natureza da Igreja provocar ira e ataque do mundo” segundo Hilaire Belloc.

A principal finalidade do artigo não é amenizar os efeitos da Instituição ou fazê-la mais branda, mas trazer a tona os fatos e verdadeiros números da referida instituição, cujos estudiosos sérios testemunham para que possamos construir uma justa interpretação do tema, sem nos veicularmos a nenhuma propaganda anticatólica.

Vamos tomar como referência as Atas do grande Simpósio Internacional sobre a Inquisição, em que 30 grandes historiadores participaram vindos de diversas confissões religiosas, para tratar historicamente da Inquisição, proposta motivada pela Igreja. O Papa João Paulo II afirmou certa vez: “Na opinião do publico, a imagem da Inquisição representa praticamente o símbolo do escândalo”. E perguntou “Até que ponto essa imagem é fiel à realidade”.

O encontro realizou-se entre os dias 29 e 31 de Outubro de 1998. Com total abertura dos arquivos da Congregação do Santo Oficio e da Congregação do Índice. As Atas deste Simpósio, foram anos depois reunidas e apresentadas ao público, sob forma de livro contendo 783 paginas, intitulado originalmente de “L’Inquisione” pelo historiador Agostinho Borromeo, professor da Universidade de La Sapienza de Roma. O mesmo historiador lembrou “Para historiadores, porem, os números têm significado” (Folha de S. Paulo, 16 junho 2004).

As atas documentais do Simpósio, já foram utilizadas em vários obras de historiadores, e continuam a ser, tais documentos são resultados de uma profunda pesquisa sobre os dados de processos inquisitoriais: as seguintes afirmações foram declaradas pelo historiador Agostinho Borromeo.

Sobre a “famigerada e terrível” Inquisição Espanhola:

“A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700, 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em “contumácia”, ou seja, pessoas de paradeiro desconhecido ou mortos que em seu lugar se queimavam ou enforcavam bonecos.”

Sobre as famosas “caças às bruxas”.

“Dos 125.000 processos de sua historia [tribunais eclesiásticos], a Inquisição espanhola condenou a morte 59 “bruxas”. Na Itália. 36 e em Portugal 4.”

E a propaganda de que “foram milhões”.

Constatou-se que os tribunais religiosos eram mais brandos do que os tribunais civis, tiveram poucas participações nestes casos, o que não aconteceu com os tribunais civis que mataram milhares de pessoas.

Sentenças de um famoso inquisidor:

“Em 930 sentenças que o Inquisidor Bernardo Guy pronunciou em 15 anos, houve 139 absolvições, 132 penitências canônicas, 152 obrigações de peregrinações, 307 prisões e 42 “entregas ao braço secular” ([citado em] AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. 1 ed. Cleofas. Lorena. 2009, p. 23).

O Simpósio conclui que as penas de morte e os processos em que se usava-se tortura, representam números pouco expressivos, ao contrario do se imaginava e foi propagado. Os dados são uma verdadeira demolição e extirpação de muitas ideias falsas e fantasiosas sobre a Inquisição.

“Hoje em dia, os historiadores já não utilizam o tema da inquisição como instrumento para defender ou atacar a Igreja. Diferentemente do que antes sucedia, o debate se encaminhou para o ambiente histórico com estatísticas sérias” (Historiador Agostinho Borromeo, presidente do Instituto Italiano de Estudos Ibéricos: AS, 1998).

Bom que tudo isto tem mudado é sinal de esperança, tomara que haja uma nova reconstrução “hermenêutica”, sendo esta necessidade histórica. Que com uma justa crítica acurada, superem-se as ambiguidades historiográficas.

Pena que as correntes históricas penduram-se e os teóricos antigos, dizem eles os “conceituados” continuam a ser as referencias “fidelíssimas”, assim na prática pedagógica e histórica; seja superior (acadêmica) ou (média e fundamental) ensinos públicos, continua à ritualista tradição a-histórica, não transparente sobre os acontecimentos e de tom feiticista e alienado, incluindo dentre destes, muitos estudiosos, professores, e jornalistas brasileiros e do resto do mundo.

“Há milhões de pessoas que odeiam o que erroneamente supõe o que seja a Igreja Católica” (Bispo americano, John Fulton Sheen).

Referencias:

AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. 1º ed. Cleofas. Lorena. 2009.

DEVEVIER, W. A Historia da Inquisição, curso de apologética cristã. Melhoramentos, São Paulo, 1925.

L’INQUISIONI. Atas do Simpósio sobre a Inquisição, 1998.

PERNOUD, Régine. A Idade Média: Que não nos ensinaram. Ed. Agir, SP, 1964.

ROPS. Henri-Daniel. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. Vol. III. Ed. Quadrante, São Paulo. 1993

 

As duas faces do amor: ‘eros’ e ‘ágape’

1. As duas faces do amor

Com as prédicas desta Quaresma, eu gostaria de continuar o esforço, iniciado no Advento, de trazer uma pequena contribuição à re-evangelização do Ocidente  secularizado, que constitui nesta hora a preocupação principal de toda a Igreja e, em particular, do Santo Padre Bento XVI.
Há um âmbito em que a secularização age de maneira especialmente difusa e nefasta, e é o âmbito do amor. A secularização do amor consiste em separar o amor humano de Deus, em todas as formas desse amor, reduzindo-o a algo meramente “profano”, onde Deus sobra e até incomoda.
Mas o amor não é um assunto importante apenas para a evangelização, ou seja, para as relações com o mundo. Ele importa, antes de todo o mais, para a própria vida interna da Igreja, para a santificação dos seus membros. É nesta perspectiva que se situa a encíclicaDeus caritas est, do Papa Bento XVI, e é nela que nós também nos colocamos para estas reflexões.
O amor sofre de uma separação nefasta não só na mentalidade do mundo secularizado, mas também, do lado oposto, entre os crentes e, em particular, entre a s almas consagradas. Poderíamos formular a situação, simplificando ao máximo, assim: temos no mundo um erossem ágape; e entre os crentes, temos frequentemente um ágape sem eros.
O eros sem ágape é um amor romântico, mas comummente passional, até violento. Um amor de conquista, que reduz fatalmente o outro a objecto do próprio prazer e ignora toda dimensão de sacrifício, de fidelidade e de doação de si. Não é preciso insistir na descrição desse amor, porque se trata de uma realidade que temos todo dia diante dos nossos olhos, propagandeada com estrondo pelos romances, filmes, novelas, internet, revistas. É o que a linguagem comum entende, hoje, com a palavra “amor”.

Para nós é mais útil entender o que significa ágape sem eros. Na música, existe uma diferenciação que pode nos ajudar a ter uma ideia: a diferença entre o jazz quente e o jazz frio. Eu li certa vez essa caracterização dos dois géneros, mas sei que não é a única possível. O jazz quente (hot) é o jazz apaixonado, ardente, expressivo, feito de ímpetos, de sentimentos e, portanto, de improvisações originais. O jazz frio (cool) é o profissional: os sentimentos se tornam repetitivos, o estro é substituído pela técnica, a espontaneidade pelo virtuosismo.
Com base nessa distinção, o ágape sem eros é um “amor frio”, um amar parcial, sem a participação do ser inteiro, mais por imposição da vontade do que por ímpeto íntimo do coração. Um entrar num cenário predefinido, em vez de criar um próprio, realmente irrepetível, como irrepetível é cada ser humano perante Deus. Os actos de amor voltados para Deus parecem aqueles de namorados desinspirados, que escrevem à amada cartas copiadas de modelos prontos.

Se o amor mundano é um corpo sem alma, o amor religioso praticado assim é uma alma sem corpo. O ser humano não é um anjo, um espírito puro; é alma e corpo substancialmente unidos: tudo o que ele faz, amar inclusive, tem que reflectir essa estrutura. Se o componente humano ligado ao tempo e à corporeidade é sistematicamente negado ou reprimido, a saída será dúplice: ou seguir adiante aos arrastos, por senso de dever, por defesa da própria imagem, ou ir atrás de compensações mais ou menos lícitas, chegando até os dolorosíssimos casos que estão afligindo actualmente a Igreja. No fundo de muitos desvios morais de almas consagradas, não é possível ignorá-lo: há uma concepção distorcida e retorcida do amor.

Temos, então, um duplo motivo e uma dupla urgência de redescobrir o amor na sua unidade original. O amor verdadeiro e integral é uma pérola encerrada entre duas conchas que são o eros e o ágape. Não podem ser separadas, essas duas dimensões do amor, sem destruí-lo, como o hidrogénio e o oxigénio não podem ser separados sem se privarem da água.

2. A tese da incompatibilidade entre os dois amores

A reconciliação mais importante entre as duas dimensões do amor é prática. É aquela que acontece na vida das pessoas, mas, para ser possível, ela precisa começar pela reconciliação entre o eros e o ágape inclusive teoricamente, na doutrina. Isto nos permitirá conhecer finalmente o que é que se entende por estes dois termos tão frequentemente usados e subentendidos.
A importância da questão nasce do fato de existir uma obra que popularizou em todo o mundo cristão a tese oposta da inconciliabilidade das duas formas de amor. É o livro do teólogo luterano sueco Anders Nygren, intitulado Eros e Ágape. Podemos resumir o pensamento dele nestes termos: eros e ágape designam dois movimentos opostos. O primeiro indica ascensão e subida do homem para Deus e para o divino como próprio bem e própria origem; o outro, o ágape, indica a descida de Deus até o homem com a encarnação e a cruz de Cristo, e, portanto, a salvação oferecida ao homem sem mérito nem resposta de sua parte, a não ser a fé e somente a fé. O Novo Testamento fez uma escolha precisa, usando, para exprimir o amor, o termo ágape, e refutando sistematicamente o termo eros.
Foi São Paulo quem recolheu e formulou com mais pureza essa doutrina do amor. Depois dele, ainda segundo a tese de Nygren, essa antítese radical se perdeu para dar lugar a tentativas de síntese. Assim que o cristianismo entra em contacto cultural com o mundo grego e a visão platónica, já com Orígenes, há uma reavaliação do eros, como movimento ascensional da alma rumo ao bem e ao divino, como atracção universal exercitada pela beleza e pelo divino. Nesta linha, o Pseudo Dionísio Areopagita escreverá que “Deus é eros” [1], substituindo com este termo o ágape da célebre frase de João (I Jo, 4,10).

No ocidente, uma síntese análoga foi feita por Agostinho com a doutrina da caritas, entendida como doutrina do amor descendente e gratuito de Deus pelo homem (ninguém falou da “graça” com mais força do que ele), mas também como anseio do homem pelo bem e por Deus. É dele a afirmação: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e inquieto está o nosso coração até descansar em ti” [2]. Também é dele a imagem do amor como um peso que atrai a alma, como por força de gravidade, para Deus, como ao lugar do próprio repouso e prazer [3]. Tudo isso, para Nygren, insere um elemento do amor de si, do próprio bem, e, portanto, de egoísmo, que destrói a pura gratuidade da graça; é uma recaída na ilusão pagã de fazer a salvação consistir numa ascensão a Deus, em vez de na gratuita e imotivada descida de Deus até nós.

Prisioneiros desta impossível síntese entre eros e ágape, entre amor de Deus e amor de si, são, para Nygren, São Bernardo, quando define o grau supremo do amor de Deus como um “amar a Deus por si mesmo” e um “amar a si mesmo por Deus” [4]; São Boaventura, com seu ascensional Itinerário da mente para Deus; e São Tomás de Aquino, que define o amor de Deus infuso no coração do baptizado (cf. Rom, 5,5) como “o amor com que Deus nos ama e nos faz amá-lo” (amor quo ipse nos diligit et quo ipse nos dilectores sui facit) [5]. Isto viria a significar que o homem, amado por Deus, pode, por sua vez, amar a Deus, dar-lhe algo de seu, o que destruiria a absoluta gratuidade do amor de Deus. No plano existencial, ainda de acordo com Nygren, o mesmo desvio acontece na mística católica. O amor dos místicos, com a sua fortíssima carga de eros, nada é, para ele, senão amor sensual sublimado, uma tentativa de estabelecer com Deus uma relação de presunçosa reciprocidade em amor.

Quem rompeu a ambiguidade e devolveu à luz a pura antítese paulina, segundo o autor, foi Lutero. Fundamentando a justificação apenas na fé, ele não excluiu a caridade do momento-base da vida cristã, como o acusa a teologia católica; antes, libertou a caridade, o ágape, do elemento espúrio do eros. À fórmula do “somente a fé”, com exclusão das obras, corresponderia, em Lutero, a fórmula do “somente o ágape”, com exclusão do eros.

Não me cabe estabelecer se o autor interpretou corretamente neste ponto o pensamento de Lutero, que, deve-se dizer, nunca pôs o problema em termos de contraste entre eros e ágape como fez com fé e obras. É significativo, no entanto, que Karl Barth, num capítulo da suaDogmática Eclesial, também chegue ao mesmo resultado que Nygren de um contraste insanável entre eros e ágape. “Onde entra em cena o amor cristão”, escreve ele, “começa de súbito o conflito com o outro amor, e este conflito não tem mais fim” [6]. Eu digo que se isto não é luteranismo, é sem dúvida teologia dialéctica, teologia do “aut-aut”, da antítese, não da síntese.
O contragolpe desta operação é a radical mundanização e secularização do eros. Enquanto certa teologia retirava o eros do ágape, a cultura secular era bem feliz, por sua vez, ao retirar o ágape do eros, ou seja, ao retirar do amor humano toda referência a Deus e à graça. Freud apresentou para isto uma justificativa teórica, reduzindo o amor a eros e o eros a libido, uma mera pulsão sexual que luta contra toda repressão e inibição. É o estágio a que se reduz hoje o amor em muitas manifestações da vida e da cultura, principalmente no mundo do espectáculo.
Dois anos atrás eu estava em Madrid. Os jornais só faziam falar de uma certa mostra de arte na cidade, intitulada As lágrimas do eros. Era uma mostra de obras artísticas de cunho erótico – quadros, desenhos, esculturas – que pretendiam pôr em foco o inseparável vínculo que existe, na experiência do homem moderno, entre eros e thanatos, entre amor e morte. À mesma constatação se chega quando se lê a colectânea de poesias As flores do mal, de Baudelaire, ou Uma temporada no inferno, de Rimbaud. O amor que por natureza deveria levar à vida acaba ao invés levando à morte.

3. Retorno à síntese

Se não podemos mudar de uma vez a ideia de amor que o mundo possui, podemos, sim, corrigir a visão teológica, que, sem querer, a favorece e legitima. É o que fez de maneira exemplar o papa Bento XVI com a encíclica Deus caritas est. Ele reafirma a síntese católica tradicional expressando-a com os termos modernos. “Eros e ágape”, lemos ali, “amor ascendente e amor descendente, não se deixam jamais separar de todo um do outro […]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo contraposto ao original fenómeno humano que é o amor, mas aceita o homem todo, intervindo na sua procura pelo amor para purificá-la, destruindo, em paralelo, novas dimensões suas” (7-8). Eros e ágape estão unidos à própria fonte do amor, que é Deus: “Ele ama”, segue o texto da encíclica, “e este seu amor pode ser qualificado certamente como eros, que, no entanto, é também e totalmente ágape” (9).

Entende-se o acolhimento insolitamente favorável que este documento pontifício encontrou mesmo nos ambientes leigos mais abertos e responsáveis. Dá esperança ao mundo. Corrige a imagem de uma fé que toca o mundo em tangente, sem penetrá-lo, com a imagem evangélica da levedura que faz a massa fermentar; substitui a ideia de um reino de Deus que veio julgar o mundo pela de um reino de Deus que veio salvar o mundo, começando pelo eros que é a sua força dominante.

À visão tradicional, própria tanto da teologia católica como da ortodoxa, pode-se dar, creio eu, uma confirmação também do ponto de vista da exegese. Quem sustenta a tese da incompatibilidade entre eros e ágape se baseia no fato de o Novo Testamento evitar com esmero – e, ao parecer, propositadamente – o termo eros, usando em seu lugar sempre e somente ágape (a não ser por algum raro emprego do termo philia, que indica um amor de amizade).

O fato é verdadeiro, mas não são verdadeiras as conclusões que dele se tiram. Supõe-se que os autores do NT estivessem a par tanto do sentido que o termo eros tinha na linguagem comum (o eros assim chamado “vulgar”) como do sentido elevado e filosófico que tinha, por exemplo, em Platão, o chamado eros “nobre”. Na aceitação popular, eros indicava mais ou menos o que indica hoje quando se fala de erotismo ou de filmes eróticos: a satisfação do instinto sexual, um degradar-se mais do que elevar-se. Na aceitação nobre, indicava um amor pela beleza, a força que mantém o mundo e que impulsiona todos os seres à unidade, aquele movimento de ascensão rumo ao divino que os teólogos dialécticos reputam incompatível com o movimento de descida do divino até o homem.

É difícil defender que os autores do NT, dirigindo-se a pessoas simples e de nenhuma cultura, pretendessem lhes falar do eros de Platão. Eles evitaram o termo eros pelo mesmo motivo que o pregador de hoje evita o termo erótico, ou, se o emprega, é somente em sentido negativo. O motivo é que, tanto naquele tempo como agora, a palavra evoca o amor na sua expressão mais egoísta e sensual [7]. A desconfiança dos primeiros cristãos quanto ao eros se agravava ainda pelo papel que ele desempenhava nos desenfreados cultos dionisíacos.

Tão logo o cristianismo entra em contacto e diálogo com a cultura grega daquele tempo, cai por terra de imediato, como já vimos, toda preclusão quanto ao eros. Ele é usado com frequência, nos autores gregos, como sinónimo de ágape, e empregado para indicar o amor de Deus pelo homem, como também o amor do homem por Deus, o amor pelas virtudes e por tudo o que é belo. Basta, para nos convencermos disso, uma simples olhada no Léxico Patrístico Grego, de Lampe [8]. O sistema de Nygren e Barth, portanto, foi construído sobre uma falsa aplicação do assim chamado argumento “ex silentio”.

4. Um eros para os consagrados

O resgate do eros ajuda acima de tudo os enamorados humanos e os esposos cristãos, mostrando a beleza e a dignidade do amor que os une. Ajuda os jovens a experimentar o fascínio do outro sexo não como coisa turva, a ser vivida às costas de Deus, mas, ao contrário, como um dom do Criador para a sua alegria, desde que vivido na ordem querida por Ele. Na sua encíclica, o papa acena ainda para esta função positiva do eros sobre o amor humano quando fala do caminho de purificação do eros, que leva da atracção momentânea ao “para sempre” do matrimónio (4-5).

Mas o resgate do eros deve ajudar também a nós, consagrados, homens e mulheres. Eu acenei no início ao perigo que as almas religiosas correm de um amor frio, que não desce da mente para o coração. Um sol de inverno, que ilumina, mas não aquece. Se eros significa ímpeto, desejo, atracão, não devemos ter medo dos sentimentos, nem muito menos desprezá-los e reprimi-los. Quando se trata do amor de Deus, escreveu Guilherme de Saint Thierry, o sentimento de afeto (affectio) é também graça; a natureza não pode infundir um sentimento assim [9].

Os salmos estão cheios desse anseio do coração por Deus: “A ti, Senhor, eu elevo a minh’alma…”. “A minh’alma tem sede de Deus, do Deus vivente”. “Preste atenção”, diz o autor da Nuvem do não conhecimento, “a este maravilhoso trabalho da graça na tua alma. Ele não é senão impulso imprevisto, que surge sem aviso e aponta directamente para Deus, como uma centelha que se desencarcera do fogo… Golpeie essa nuvem do não conhecimento com a flecha afiada do desejo de amor e não esmoreça, ocorra o que ocorrer” [10]. É suficiente, para tanto, um pensamento, um movimento do coração, uma jaculatória.

Mas tudo isso não nos é bastante e Deus o sabe melhor que nós. Somos criaturas, vivemos no tempo e num corpo; precisamos de uma tela na qual projectar o nosso amor que não seja apenas “a nuvem do não conhecimento”, o véu de escuridão por trás do qual se oculta o Deus que ninguém nunca viu e que habita numa luz inacessível…

A resposta que se dá a esta interrogação nós conhecemos bem: por isso mesmo Deus nos deu o próximo para amarmos. “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor se torna perfeito em nós. Quem não ama o próprio irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4, 12-20). Mas devemos ficar atentos para não saltar uma fase decisiva: antes do irmão que vemos, há outro que também vemos e tocamos: o Deus feito carne, Jesus Cristo! Entre Deus e o próximo existe o Verbo feito carne, que reuniu os dois extremos numa só pessoa. É nele que o próprio amor ao próximo encontra o seu fundamento: “Foi a mim que o fizestes”.

O que significa tudo isto pelo amor de Deus? Que o objecto primário no nosso eros, da nossa busca, desejo, atracão, paixão, deve ser o Cristo. “Ao Salvador é pré-ordenado o amor humano desde o princípio, como ao seu modelo e fim, como uma urna tão grande e tão ampla que pudesse acolher a Deus […] O desejo da alma é unicamente de Cristo. Aqui é o lugar do seu repouso, porque só Ele é o bem, a verdade e tudo quanto inspira amor”. Não quer dizer restringir o horizonte do amor cristão de Deus a Cristo; quer dizer amar a Deus do jeito que Ele quer ser amado. “O Pai vos ama porque vós me amais” (Jo 16, 27). Não se trata de um amor mediato, quase por procuração, por meio do qual quem ama Jesus “é como se” amasse o Pai. Não. Jesus é um mediador imediato; amando a Ele, amamos, ipso facto, o Pai. “Quem me vê, vê o Pai”; quem me ama, ama o Pai.

É verdade que nem mesmo a Cristo se vê, mas ele existe. Ressuscitou, vive, está connosco, de modo mais real do que o mais apaixonado esposo está com a esposa. Eis o ponto crucial: pensar em Cristo não como uma pessoa do passado, mas como o Senhor ressuscitado e vivente, com quem eu posso falar, a quem eu posso beijar se quiser, certo de que o meu beijo não termina na estampa ou no lenho de um crucifixo, mas num rosto e em lábios de carne viva (ainda que espiritualizada), felizes de receber o meu beijo.

A beleza e a plenitude da vida consagrada depende da qualidade do nosso amor por Cristo. É só o que pode nos defender dos altos e baixos do coração. Jesus é o homem perfeito; nele se encontram, em grau infinitamente superior, todas aquelas qualidades e atenções que um homem procura numa mulher e uma mulher no homem. O amor dele não nos elimina necessariamente a sedução das criaturas e, em particular, a atracção do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atracções com uma atracção mais forte. “Casto”, escreve São João Clímaco, “é quem afasta o eros com o Eros” [11].
Será que tudo isso destrói a gratuidade do ágape, pretendendo dar a Deus alguma coisa em troca do seu coração? Anula a graça? De jeito nenhum. Antes, a exalta. O que, afinal, neste mundo, damos a Deus se não o que recebemos dele? “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19). O amor que damos a Cristo é o seu próprio amor por nós, que devolvemos a Ele, como o eco nos devolve a nossa voz.

Onde está então a novidade e a beleza deste amor que chamamos eros? O eco reenvia para Deus o seu próprio amor, mas enriquecido, colorido e perfumado com a nossa liberdade. E é tudo o que Ele quer. A nossa liberdade lhe paga tudo. E não só isto, mas, coisa inaudita, escreve Cabasilas, “recebendo de nós o dom do amor em troca de tudo o que Ele nos deu, Ele ainda se reputa nosso devedor” [12]. A tese que contrapõe eros e ágape se baseia em outra conhecida contraposição: a contraposição entre graça e liberdade, e, mais ainda, na negação da liberdade no homem decaído.

Eu procurei imaginar, Veneráveis padres e irmãos, o que diria Cristo ressuscitado se, como fazia na vida terrena, quando entrava aos sábados numa sinagoga, viesse agora sentar-se aqui, no meu lugar, e nos explicasse em pessoa qual é o amor que Ele deseja de nós. Quero compartilhar com vocês, com simplicidade, o que eu penso que Ele diria. Pode nos servir para o nosso exame de consciência sobre o amor:
O amor ardente:

É colocares-me sempre em primeiro lugar.
É procurares-me alegrar em todo momento.
É confrontares teus desejos com o meu desejo.
É viveres como meu amigo, confidente, esposo, e seres feliz assim.
É te inquietares ao pensamento de ficar um pouco longe de mim.
É seres repleto de felicidade quando estou contigo.
É estares disposto a grandes sacrifícios para nunca me perder.
É preferires viver pobre e desconhecido comigo a rico e famoso sem mim.
É falares comigo como ao amigo mais amado em todo momento possível.
É te confiares a mim olhando para o teu futuro.
É desejares perder-te em mim como meta do teu existir.

Se vocês acharem, como eu acho, que estamos muito longe dessa situação, não nos desencorajemos. Temos alguém que pode nos ajudar a chegar lá se pedirmos sua ajuda. Repitamos com fé ao Espírito Santo: Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium et tui amoris in eis ignem accende: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.

[Traduzido do original em italiano por ZENIT]
Notas:
(1) Pseudo Dionísio Areopagita, Os nomes divinos, IV,12 (PG, 3, 709 em diante.)
(2) S. Agostinho, Confissões I, 1.
(3) Comentário ao evangelho de João, 26, 4-5.
(4) Cf. S. Bernardo, De diligendo Deo, IX,26 –X,27.
(5) S. Tomás de Aquino, Comentário à Carta aos Romanos, cap. V, liç.1, n. 392-293; cf. S. Agostinho, Comentário à Primeira Carta de João, 9, 9.
(6) K. Barth, Dogmática eclesial, IV, 2, 832-852.
(7) O sentido que os primeiros cristãos davam à palavra eros se deduz do famoso texto de S. Inácio de Antioquia,  Carta aos Romanos, 7,2: “O meu amor (eros) foi crucificado e não há em mim fogo de paixão…não me atraem o nutrir corrupção e os prazeres desta vida”. “O meu eros” não indica aqui Jesus crucificado, mas “o amor de mim mesmo” , o apego aos prazeres terrenos, na linha do paulino “Fui crucificado com Cristo, não sou mais eu que vivo” (Gal 2, 19 s.).
(8) Cf. G.W.H. Lampe,  A Patristic Greek Lexicon, Oxford 1961, pp.550.
(9) Guilherme de St. Thierry, Meditações, XII, 29 (SCh  324, p. 210).
(10 Anónimo, A nuvem do não conhecimento, trad. Italiana, Ed. Áncora, Milão, 1981, pp. 136.140.
(11) S. João Clímaco, A escada do paraíso, XV,98 (PG 88,880).
(12) N. Cabasilas, Vida em Cristo, VI, 4 .

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por Frei Raniero Cantalamessa, Pregador do Vaticano *

O desafio do sofrimento segundo o pensar de Viktor Frankl

Sofrer num “contexto válido” e sofrer “por causa de” algo ou alguém

ROMA, quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012 (ZENIT.org) – Por ocasião da Jornada Mundial dos Enfermos, é particularmente significativo repropor o pensamento do psiquiatra austríaco Viktor E. Frankl, fundador da logoterapia e da análise existencial, considerada a Terceira Escola Vienense de Psicoterapia, focada na procura do sentido da vida e nas atitudes a serem assumidas perante situações de sofrimento.

É indicativo um episódio que Viktor Frankl narrou muitas vezes aos seus ouvintes. Um homem encontra na rua o médico de família, que lhe pergunta sobre o seu estado de saúde. Imediatamente, o médico percebe que o paciente demonstra alguma dificuldade para ouvir. “Provavelmente, você está bebendo demais. Pare de beber e se sentirá melhor”, aconselha. Alguns meses mais tarde, os dois se encontram novamente na rua e, para saber do estado atual de saúde do paciente, o médico levanta a voz, mas o homem responde: “Não há necessidade de gritar, doutor. Eu escuto perfeitamente”. “Certamente você parou de beber, não é? Continue nesse tratamento”. Depois de mais um tempo, eles se encontram pela terceira vez. E, novamente, o médico precisa levantar a voz para se fazer ouvir. “Provavelmente, você começou a beber de novo”, diz ao paciente. E este lhe explica: “Veja, doutor. Antes eu bebia e a minha audição era ruim. Depois, parei de beber e estava me sentindo melhor. Mas o que eu sentia não era tão bom quanto o uísque”.

Frankl comenta: “Na ausência de um sentido da vida, cuja realização o teria feito feliz, ele tentou chegar a um sentimento de felicidade eludindo toda realização de significado, apoiando-se num elemento bioquímico. O sentimento de felicidade, que normalmente nunca é proposto como o fim da aspiração humana, mas parece ser uma manifestação lateral do ter-alcançado-o-próprio-escopo, um “efeito” secundário, se deixa ‘perseguir’, e isso foi possibilitado justamente pelo álcool etílico” (Frankl, 2005, pág. 17).

Para Frankl, ser homem significa ser fundamentalmente orientado para algo que nos transcende, para algo que está além e acima de nós, algo que nos atrai profundamente. Só aquele que crê na sua “vontade de significação” pode construir uma hierarquia de valores capaz de atribuir ao prazer e ao poder, à auto-afirmação e à satisfação dos próprios instintos o seu verdadeiro lugar, que é o de ser produtos secundários, efeitos de uma realização do sentido da própria existência.

Hoje é um verdadeiro desafio falar de procura de sentido, porque se é imediatamente reconduzido à capacidade radical do homem de descobrir os significados das situações individuais que abarrotam a vida cotidiana, de tomar decisões que correspondam ao seu dever-ser, de descobrir as possibilidades que estão inseridas na sua existência única.

Se a vida do homem é sempre específica, por referir-se a um ser singular, concreto, individual, a sua tarefa não pode ser algo geral, válida para todos e para qualquer um, permanente em qualquer momento, mas varia de homem para homem, porque corresponde à singularidade e à individualidade de cada um.

Ao mesmo tempo, no entanto, a tarefa varia de situação para situação, porque a singularidade das situações traz consigo uma caracterização diferente, com exigências e condições próprias, nunca repetíveis. E o homem deve observar atentamente, portanto, a situação em que se encontra, e que não apresenta nenhum desencontro com o que acontece consigo mesmo ou com outros, agora ou anteriormente.

Com a voz da consciência, o homem é capaz de perceber qual é o sentido que está escondido por trás de uma situação e assim agir em conformidade e com responsabilidade. “Numa época em que parece que os dez mandamentos estão perdendo a sua validade incondicional para muitos homens, o homem deve aprender a perceber os dez mil mandamentos que surgem das dez mil situações únicas que enchem a sua vida” (Frankl, 1992, págs. 29-30). Isto significa que somos constantemente interpelados pela realidade, pelas situações em que nos encontramos e que nos pedem uma resposta. É por isso que John F. Kennedy, em 20 de janeiro de 1961, no discurso de posse como presidente dos Estados Unidos da América, disse aos seus compatriotas: “Não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês, mas o que vocês podem fazer pelo seu país” (citado em Dallek, 2004, pág. 366). E, quase como complemento, Frankl aconselhava aos seus ouvintes norte-americanos: “Depois de ter construído a Estátua da Liberdade na costa leste, seria de se construir a estátua da responsabilidade na costa oeste” (Frankl, 2010, pág. 63).

Em nossa era científica, o progresso humano é calculado com dados que podem ser facilmente medidos, inseridos no computador e analisados. No entanto, as respostas do computador indicam apenas como o homem se comporta na média e em amostras de grupos, mas nunca como ele deveria se comportar em situações específicas. “A nossa vida não é regulada em cada cruzamento por uma luz vermelha que manda parar, nem por uma luz verde que manda seguir em frente. Nós vivemos em uma era de luz amarela intermitente, que deixa para cada indivíduo o peso da decisão” (Fabry, 1970, pág. 80). Viver, basicamente, significa ter a responsabilidade de “responder” exatamente aos problemas vitais, de cumprir as tarefas que a vida coloca para cada indivíduo, de atender às necessidades do momento.

As tarefas que o homem é chamado a realizar têm um sentido tríplice: o trabalho, o amor e o sofrimento. Se no trabalho o homem pode se expressar imprimindo a sua marca pessoal à realidade, e se no amor ele pode viver as mais fortes e íntimas experiências, é no sofrimento que ele manifesta a sua grandeza, pois só no sofrimento ele se acha tragicamente confrontado consigo mesmo, com a sua capacidade não só de trabalhar e de desfrutar, mas também de sofrer.

O homem tem o direito à vida, à alegria, ao trabalho, à paz. Mas também tem um direito fundamental que ninguém pode lhe arrebatar, por nenhum preço: o direito de sofrer a sua própria dor, de inundar de significado uma vida aparentemente destruída, economicamente sem sucesso. O sofrimento “não é simplesmente uma possibilidade qualquer, mas a possibilidade de realizar o valor supremo, a oportunidade de dar plenitude ao significado mais profundo da vida” (Frankl, 2001, pág. 190).

Este sentido brilha na atitude que o homem assume diante de um destino de dor, diante das forças adversas, diante de situações irreparáveis. É por isso que o imperador austríaco Francisco José II, em 1784, quis que à entrada do Hospital Policlínico de Viena fosse escrita a frase latina Saluti et solatio aegrorum. Quem cuida da saúde física e mental de outro também é chamado a ajudá-lo a suportar com aceitação e compreensão os sofrimentos inevitáveis que a vida lhe reserva e a recuperar não apenas a capacidade de trabalhar e desfrutar, mas também a de sofrer.

Eugenio Fizzotti

Espanha: partido socialista inclui lei de “morte digna”

Um projeto do atual governo de José Luis Rodríguez Zapatero

MADRI, quinta-feira, 6 de outubro de 2011 (ZENIT.org) – A Conferência Política do Partido Socialista Obrero Español (PSOE) confirmou, no último domingo, que incluirá em seu programa eleitoral o projeto de “Lei reguladora dos direitos da pessoa diante do processo final da vida”, promovido pelo atual governo Rodríguez Zapatero.

É “uma norma – explica Santiago Díez, porta-voz da campanha Vida Digna, da associação Profesionales por la Ética – que abre as portas para a eutanásia, ao obrigar o profissional a cumprir a vontade do paciente ou dos seus familiares (ainda que se trate de atuações inadequadas ou contraindicadas); define a sedação paliativa como direito sem limites (incluindo a possibilidade de aplicar sedações desproporcionais ou irregulares); e outorga ao médico a possibilidade de decidir sobre a vida da pessoa ‘que tiver dificuldades para compreender a informação que lhe é dada’, sem necessidade de consultar familiares ou a outros profissionais”.

Em definitiva, explica Díez, “a incorporação deste projeto de lei no programa eleitoral do PSOE é a uma aposta nas práticas eutanásicas e no radicalismo ideológico; e expressa a renúncia de Rubalcaba [candidato socialista às próximas eleições gerais] a uma política de qualidade na atenção ao final da vida, como solicitaram os profissionais dedicados aos cuidados paliativos”.

Estes últimos, na opinião de Profesionales por la Ética, “deveriam constituir a prioridade de qualquer governo, assim como o direito dos pacientes a que ninguém, nem familiares, nem médicos, ponham fim à sua vida antes do tempo”.

Mais informação sobre este tema em: http://www.profesionalesetica.org/wp-content/uploads/downloads/2011/03/Informe-Ley-de-Muerte-Digna-o-Eutanasia-Encubierta-PPE.pdf.

Chile debate sobre aborto “terapêutico”

Ativistas pró-vida buscam eliminar eufemismos sobre esta matéria

SANTIAGO DO CHILE, quinta-feira, 6 de outubro de 2011 (ZENIT.org) – “Um dos pontos mais fracos da sociedade chilena é a fragilidade da família”, denunciou na semana passada Dom Gonzalo Duarte García, bispo de Valparaíso (Chile). “E as igrejas têm, sem dúvida, uma responsabilidade fundamental nesta área, assim como todo o país”, acrescentou.

Os pronunciamentos do prelado foram feitos depois de a Comissão de Saúde do Senado do Chile aprovar, no dia 6 de setembro, debater três projetos de lei que buscam a descriminalização do chamado “aborto terapêutico” no país.

O debate no Congresso se centrará na despenalização do aborto para os casos de risco de vida para a mãe, estupro e má-formação fetal.

Não obstante, o presidente Sebastián Piñera informou, no dia 11 de setembro, durante a oração do Te Deum em uma igreja evangélica, que estaria disposto a fazer uso da sua faculdade de veto presidencial em caso de que se conseguisse a aprovação de algum dos três projetos destinados a regular o aborto terapêutico.

“Uma das tarefas mais importantes de um presidente é lutar pela vida, pela dignidade e pela família de todos e de cada um dos chilenos, da concepção até o momento da morte natural”, insistiu o mandatário.

Terapêutico?

Com relação ao termo “aborto terapêutico”, Patricio Ventura-Junca, membro do conselho da Academia Pontifícia para a Vida e do Centro de Bioética da Pontifícia Universidade Católica de Santiago do Chile, opinou, em diálogo com ZENIT, que a expressão é inadequada e ambígua, devido a que “a relação entre o efeito bom e o mau deve ter uma adequada proporção. O efeito colateral mau não pode ser maior que o efeito benéfico”. E explicou que, neste caso, “a terapia tem como objeto salvar a vida da mãe, e não produzir um aborto”.

Além disso, os projetos de lei misturaram a descriminalização do aborto por risco de vida da mãe com outras causas. “Tudo isso sob o guarda-chuva do aborto terapêutico”, indica Ventura-Junca, quem garante que se trata de uma estratégia para introduzir o aborto diretamente.

Mulheres em risco?

O Chile tem a taxa mais baixa de mortalidade materna por aborto da América Latina. Segundo a Revista Chilena de Obstetrícia e Ginecologia, v.73, n.6, de 2008, esta diminuiu de 105 para cada 100.000 nascidos vivos, em 1960, a 0,8 para cada 100.000, em 2005, e estima-se que oscila entre 0,8 e 1,6 por 100.000 nascidos vivos.

Para continuar reduzindo estes índices, Ventura-Junca afirmou que “o caminho moral e humano não é favorecer um aborto em condições higiênicas, mas promover redes sociais e familiares que acompanhem estas mulheres, oferecendo-lhes apoio, carinho e a possibilidade de dar seu filho em adoção”.

Além disso, estudos afirmam que o aborto aumenta o risco de muitas patologias psiquiátricas em 81%, incluindo o suicídio. A revista The British Journal of Psychiatry, BJP 2011, indica que uma das conclusões do estudo é que, na Inglaterra, estes riscos deveriam ser informados às pacientes antes de realizarem um aborto.

Com relação a má-formação física, o Pe. Hodge Cornejo disse: “Melhor é legislar para dar assistência médica e psicológica às mães que vivem esta dramática situação”.

Por isso, “um crescimento do individualismo conduz à falta de solidariedade com os seres humanos mais indefesos, como os que estão em suas primeiras etapas de desenvolvimento”, conclui Ventura-Junca.

Santa Sé contra promoção do “aborto seguro”

Rejeita que se desviem ao aborto ajudas necessárias para as mulheres

GENEBRA, quarta-feira, 21 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – O observador permanente junto à ONU em Genebra, Dom Silvano Tomasi, mostrou, em sua intervenção sobre a mortalidade materna – na 18ª Sessão do Conselho de Direitos do Homem, que está sendo realizada na cidade –, a rejeição total da Santa Sé à promoção do “aborto seguro” nos países pobres.

“Minha delegação considera inaceitável qualquer tentativa de desviar os recursos econômicos, tão necessários, destas eficazes intervenções salva-vidas, a programas mais amplos para a contracepção e o aborto, dirigidos a limitar a procriação de uma nova vida ou a destruir a vida de uma criança”, sublinhou o prelado, em sua intervenção de 15 de setembro.

Dom Tomasi se referia ao informe sobre “Práticas para a adoção de um enfoque baseado nos direitos humanos para eliminar a mortalidade materna evitável e os direitos humanos”(A/HRC/18/27, 8 de julho de 2011), submetida a estudo nesta sessão.

No informe, fala-se de práticas médicas adequadas para combater a mortalidade materna com as quais a Santa Sé concorda, como a proteção dos direitos das mulheres e das meninas, a extensão da assistência sanitária etc.

No entanto, afirma, há dois elementos negativos propostos pelo informe, definidos como “aspectos de boa práxis” para reduzir a mortalidade materna, isto é, “aumentar o acesso à contracepção e ao planejamento familiar” e resolver o problema do chamado “aborto não-seguro para as mulheres”.

Diante disso, replicou o prelado, “a Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstrou que, na África, as mulheres morrem sobretudo por cinco causas principais: patologias vinculadas à hipertensão, falta de assistência obstétrica, hemorragias, septicemia, infecções e doenças relacionadas ao HIV”.

“As intervenções realizadas para enfrentar estas emergências médicas incluem a formação e o emprego de instrumentos obstétricos, a provisão de antibióticos e de medicações uterotônicas e melhoria do sistema dos bancos de sangue”, sublinhou, declarando “inaceitável” que estes fundos sejam destinados à contracepção e ao aborto.

Responsabilidade da família

O prelado considera que deve ser dirigida “uma particular atenção para que o marido e a mulher tenham garantida a liberdade de decidir responsavelmente, livres de qualquer coação social ou legal, o número de filhos e o intervalo entre um nascimento e outro”.

“A intenção dos governos e das demais agências não deveria ser a de decidir pelo casal, mas a de criar as condições sociais que lhe permitam tomar as decisões corretas à luz das suas responsabilidades diante de Deus, de si mesmo, da sociedade da qual faz parte e da ordem moral objetiva”, afirmou, citando a carta de João Paulo II ao secretário-geral da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, de 1994.

Além disso, recordou que a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre População, realizada na Cidade do México em 1984, reconheceu, por unanimidade, que “o aborto, que destrói a vida humana existente (…), não é jamais um método aceitável de planificação familiar”.

“Consideramos totalmente inaceitável que o chamado ‘aborto seguro’ seja promovido pelo informe debatido nesta Sessão do Conselho dos Direitos do Homem ou talvez, de forma mais significativa, pela Estratégia Global para a Saúde das Mulheres e das Crianças das Nações Unidas, posta em marcha pelo secretário-geral das Nações Unidas em setembro de 2010”, acrescentou.

Ação eclesial

Por outro lado, quis recordar que a Igreja Católica apoia uma ampla rede de serviços de saúde em todos os lugares do mundo, oferecendo particularmente assistência a comunidades pobres e rurais, que muitas vezes são excluídas do acesso aos serviços promovidos pelos governos.

Citou, entre outros, os serviços especializados no tratamento e reintegração social das vítimas de violência doméstica, bem como a promoção do desenvolvimento integral e educação das mulheres e das jovens.

“Além disso, as organizações católicas defendem, no âmbito global, regional, nacional e local, políticas e práticas dirigidas a proteger os direitos das mulheres e das meninas”, acrescentou.

Neste sentido, afirmou que, para reduzir a mortalidade e morbilidade maternas, é necessário, em primeiro lugar, “melhorar a condição das mulheres, promovendo a igualdade entre homens e mulheres, a eliminação dos casamentos em idade precoce e a conseguinte promoção da dilação no início das relações sexuais, melhoria da condição social, econômica, sanitária e alimentar das mulheres e jovens, e a eliminação de algumas práticas prejudiciais, como a mutilação dos genitais femininos e a violência doméstica”.

O prelado concluiu afirmando que é necessário “reforçar os sistemas de saúde e assistência sanitária básica, para melhorar o acesso a obstetras válidos e assistência obstétrica de emergência em caso de complicações”, além de “melhorar o acompanhamento e avaliação das obrigações estatais para garantir a responsabilidade de todos os participantes e levar a cabo as diversas políticas”.

fonte: ZENIT.org

Hertfelder: “Família sem futuro é sociedade sem futuro”

Entrevista com o presidente do Instituto de Política Familiar

MADRI, quinta-feira, 15 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – A Espanha registrou, em 2010, três rupturas em cada quatro casamentos. O Instituto de Política Familiar alertou recentemente que, se continuar a tendência a aumentar o número de rupturas familiares e diminuir o número de casamentos, em breve haverá tantas rupturas quanto casamentos.

Seu presidente na Espanha, Eduardo Hertfelder, adverte, na seguinte entrevista concedida a ZENIT, que o país avança rumo a uma “sociedade egoísta e individualizada”. “Famílias fortes e estáveis geram uma sociedade forte e estável; família sem futuro é sociedade sem futuro”, afirma.

ZENIT: Dentro de alguns anos, realmente poderia haver, na Espanha, tantas rupturas como casamentos?

Eduardo Hertfelder: A tendência é que cada vez haja menos casamentos. Passamos de 220 mil a 170 mil nos últimos 20 anos. Desde 2000, perdemos 45 mil casamentos. Por outro lado, está aumentando a ruptura familiar como os divórcios.

Portanto, neste momento, já estamos falando de 170 mil casamentos e 125 mil rupturas.

Se estas duas tendências não diminuírem – ou seja, se diminuírem os casamentos e aumentarem as rupturas –, as duas linhas vão convergir. De fato, nas Canárias já houve mais rupturas que casamentos em 2010.

ZENIT: Que consequências tem o aumento da taxa de ruptura por casamento?

Eduardo Hertfelder: Consequências nefastas para os cônjuges: a ruptura produz um drama, causa problemas psicológicos, entre outros fatores.

É um drama para os filhos, que passam a viver em famílias desestruturadas. Os estudos nacionais e internacionais indicam que os maiores prejudicados são os filhos.

A partir desse momento, os filhos começam a ver que a fidelidade, a entrega, o sacrifício não têm validez, porque as pessoas que mais amam – seus pais – não o viveram, e não consideram que estes serão valores para transmitir amanhã a outra pessoa.

Se não viveram nem a fidelidade, nem a entrega… não o farão amanhã, quando tiverem um projeto de vida.

Depois, isso traz consequências negativas para a sociedade, porque vamos vivendo em uma sociedade mais desestruturada, mais individualista, na qual, não tenho relações, porque as famílias estão destruídas, acabo me preocupando mais comigo mesmo, uma sociedade mais egoísta.

Caminhamos rumo a uma sociedade com problemas para os pais, os filhos e a sociedade, uma sociedade egoísta e individualizada.

ZENIT: Em sua opinião, a que se deve esta tendência?

Eduardo Hertfelder: Há muitas causas e seria muito simplista reduzi-la a uma só causa.

Em primeiro lugar, está a causa de tipo cultural: transmitiram-se ideias que penetraram, como a de que, diante da crise, a única solução é a ruptura; não existe o dar-se uma segunda oportunidade.

Foi-nos transmitido também que a fidelidade e a indissolubilidade são uma utopia, que o casamento é uma questão de afetividade exclusivamente e, quando acaba, posso mudar, que é um contrato, que em um dado momento posso anular.

De fato, atualmente, na Espanha, é mais fácil anular este contrato matrimonial que o contrato com uma operadora de telefones celulares.

É preciso permanecer 18 meses em fidelidade a uma companhia telefônica, por exemplo, enquanto, com a lei do divórcio expresso, a pessoa pode se divorciar em três meses.

Além das causas de índole cultural, existem as de índole jurídica: na Espanha, não há lei de família, de prevenção e mediação familiar, nem de natalidade, mas sim uma lei que potencia a ruptura.

Não temos legislações de apoio à família, mas regressivas, legislações antifamiliares.

Na Espanha, há problemas estruturais, laborais, há um déficit de conciliação de vida familiar e laboral, em que os horários de trabalho são cada vez mais longos.

Frequentemente, os dois cônjuges trabalham, chegam tarde a casa e não há tempo para comunicar-se com os filhos nem entre eles; há uma falta cada vez maior de comunicação no casal.

Por outro lado, existem questões de índole econômica: a Espanha é o país – dos 27 países da União Europeia – que menos ajuda a família, em todos os sentidos: econômico, estrutural, de leis, de medidas etc.

Em conclusão, causas culturais e de cunho legislativo, econômico e trabalhista estão incidindo em que haja cada vez menos casamentos e mais rupturas.

ZENIT: Que propostas existem para lutar contra esta tendência?

Eduardo Hertfelder: Incidir, em primeiro lugar, na derrogação da lei do divórcio expresso, pelo seu caráter regressivo, e potencializar os centros de orientação familiar seriam as duas grandes medidas.

Uma lei tem de resolver problemas, mas o que fez, em apenas cinco anos, foi duplicar o número de divórcios na Espanha, passando de 50 mil a 100 mil.

É uma lei absolutamente má. Não tem comparação em todo o mundo ocidental, porque introduz três características: a possibilidade do divórcio, de forma unilateral, sem nenhuma causa imediata. Legalizou-se o direito ao repúdio na Espanha.

Com relação aos centros de orientação familiar (COF), eles ajudam as famílias a superar os conflitos. Mas, até agora, com exceção dos centros de iniciativa privada, como os COF diocesanos, houve um descuido no âmbito público, de administração.

Foram ignoradas as recomendações do Conselho da Europa, que leva mais de trinta anos instando a criar tais organismos.

ZENIT: Por que lutar pelo casamento?

Eduardo Hertfelder: Porque é a base da sociedade. Pensemos somente em uma sociedade sem família, sem casamentos: seria uma sociedade de indivíduos solitários, amorfa, na qual não haveria relação entre as pessoas e somente o Estado educaria, legislaria e determinaria o que é bom ou mau, segundo OS seus interesses.

A história demonstra que a família é a célula básica da sociedade, a que transmite vida, a primeira escola. A primeira coisa que uma criança diz é “papai” e “mamãe”; ela não diz “Zapatero” ou “Aznar”.

Na família, ensinam-se os valores, as virtudes, a generosidade, a entrega, a doação e, graças a isso, se aprende a estar na sociedade.

Dizer família é dizer futuro; sem ela, não haveria futuro nem sociedade. Famílias fortes e estáveis geram uma sociedade forte e estável. Família sem futuro é sociedade sem futuro.

fonte: ZENIT.org

Mulheres sacerdotisas, celibato e poder de Roma

Entrevista com o prefeito da Congregação para o Clero, cardeal Piacenza

Por Antonio Gaspari

ROMA, terça-feira, 20 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – O cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação para o Clero, raramente intervém no debate público. Ele evita, de fato, toda demagogia e presencialismo e é conhecido como homem de incansável e silencioso trabalho e como eficaz observador de todos os fenômenos que afetam a cultura contemporânea.

Extraordinariamente, ele nos concedeu esta entrevista sobre temas “candentes”, em um clima de cordialidade, mostrando essa criatividade pastoral que sempre aparece em um autêntico e fiel pastor da Igreja.

ZENIT: Eminência, com surpreendente periodicidade, há várias décadas, voltam a aparecer no debate público algumas questões eclesiais, sempre as mesmas. A que se deve este fenômeno?

Cardeal Piacenza: Sempre, na história da Igreja, houve movimentos “centrífugos”, que tendem a “normalizar” a excepcionalidade do evento de Cristo e do seu Corpo vivente na história, que é a Igreja. Uma “Igreja normalizada” perderia toda a sua força profética, não diria mais nada ao homem e ao mundo e, de fato, trairia o seu Senhor.

A grande diferença da época contemporânea é doutrinal e midiática. Doutrinalmente, pretende-se justificar o pecado, não confiando na misericórdia, mas deixando-se levar por uma perigosa autonomia que tem o sabor do ateísmo prático; do ponto de vista midiático, nas últimas décadas, as fisiológicas “forças centrífugas” recebem a atenção e a inoportuna amplificação dos meios de comunicação que vivem, de certa maneira, de contrastes.

ZENIT: Deve-se considerar a ordenação sacerdotal das mulheres como uma “questão doutrinal”?

Cardeal Piacenza: Certamente, como todos sabem, a questão já foi tratada por Paulo VI e o Beato João Paulo II, e este, com a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994, fechou definitivamente a questão.

De fato, afirmou: “Com o fim de afastar toda dúvida sobre uma questão de grande importância, que diz respeito à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar na fé aos irmãos, declaro que a Igreja não tem, de forma alguma, a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que este ditame deve ser considerado como definitivo por todos os fiéis da Igreja”. Alguns, justificando o injustificável, falaram de uma “definitividade relativa” da doutrina até esse momento, mas, francamente, esta tese é tão inusual que carece de qualquer fundamento.

ZENIT: Então, não há lugar para as mulheres na Igreja?

Cardeal Piacenza: Todo o contrário: as mulheres têm um papel importantíssimo no corpo eclesial e poderiam ter outro mais evidente ainda. A Igreja foi fundada por Cristo e não podemos determinar, nós, os homens, o seu perfil; portanto, a constituição hierárquica está ligada ao sacerdócio ministerial, que está reservado aos homens. Mas absolutamente nada impede de valorizar o gênio feminino em papéis que não estão ligados estreitamente ao exercício da ordem sagrada. Quem impediria, por exemplo, que uma grande economista fosse chefe da Administração da Sé Apostólica, ou que uma jornalista competente se tornasse porta-voz da Sala de Imprensa da Santa Sé?

Os exemplos podem se multiplicar em todos os desempenhos não vinculados à ordem sagrada. Há infinidade de tarefas nas quais o gênero feminino poderia realizar uma grande contribuição! Outra coisa é conceber o serviço como um poder e procurar, como o mundo faz, as “cotas” de tal poder. Considero, além disso, que o menosprezo do grande mistério da maternidade, que está sendo realizado nesta cultura dominante, tenha um papel muito importante na desorientação geral que existe com relação à mulher. A ideologia do lucro reduziu e instrumentalizou as mulheres, não reconhecendo a maior contribuição que estas, indiscutivelmente, podem dar à sociedade e ao mundo.

A Igreja, além disso, não é um governo político no qual é justo reivindicar uma representação adequada. A Igreja é outra coisa, a Igreja é o Corpo de Cristo e, nela, cada um é membro segundo o que Cristo estabeleceu. Por outro lado, a Igreja não é uma questão de papéis masculinos ou femininos, mas de papéis que implicam, por vontade divina, a ordenação ou não. Tudo o que um fiel leigo pode fazer, uma fiel leiga também pode fazer. O importante é ter a preparação específica e a idoneidade; ser homem ou mulher não é relevante.

ZENIT: Mas pode existir uma participação real na vida da Igreja, sem atribuições de poder efetivo e de responsabilidade?

Cardeal Piacenza: Quem disse que a participação na Igreja é uma questão de poder? Se fosse assim, cometeriam o grande erro de conceber a própria Igreja não como é, divino-humana, mas simplesmente como uma das muitas associações humanas, talvez a maior e mais nobre, por sua história; e deveria ser “administrada” distribuindo-se o poder.

Nada mais longe da realidade! A hierarquia da Igreja, além de ser de direta instituição divina, deve ser entendida sempre como um serviço à comunhão. Somente um erro, derivado historicamente da experiência das ditaduras, poderia conceber a hierarquia eclesiástica como o exercício de um ‘poder absoluto”. Que perguntem isso a quem está chamado a colaborar com a responsabilidade pessoal do Papa pela Igreja universal! São tais e tantas as mediações, consultas, expressões de colegialidade real, que praticamente nenhum ato de governo é fruto de uma vontade única, mas sempre o resultado de um longo caminho, em escuta do Espírito Santo e da preciosa contribuição de muitos.

A colegialidade não é um conceito sociopolítico, mas deriva da comum Eucaristia, do affectus que nasce do alimentar-se do único Pão e do viver da única fé, do estar unidos a Cristo, Caminho, Verdade e Vida. E Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre!

ZENIT: Não é muito o poder que Roma ostenta?

Cardeal Piacenza: Dizer “Roma” significa simplesmente dizer “catolicidade” e “colegialidade”. Roma é a cidade que a providência escolheu como lugar do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo e o que a comunhão com esta Igreja significou sempre na história: comunhão com a Igreja universal, unidade, missão e certeza doutrinal. Roma está ao serviço de todas as Igrejas e muitas vezes protege as Igrejas que estão em dificuldade pelos poderes do mundo e por governos que nem sempre são plenamente respeitosos com o imprescindível direito humano e natural que é a liberdade religiosa.

A Igreja deve ser considerada a partir da constituição dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, incluída, obviamente, a nota prévia ao documento. Lá, está descrita a Igreja das origens, a Igreja dos Padres, a Igreja de todos os séculos, que é a nossa Igreja de hoje, sem descontinuidade, a Igreja de Cristo. Roma está chamada a presidir na caridade e na verdade, únicas fontes reais da autêntica paz cristã. A unidade da Igreja não é o compromisso com o mundo e sua mentalidade, mas o resultado, dado por Cristo, da nossa fidelidade à verdade e da caridade que seremos capazes de viver.

Parece-me significativo, a este respeito, o fato de que hoje só a Igreja, como ninguém, defende o homem e sua razão, sua capacidade de conhecer a realidade e entrar em relação com isso; em resumo, o homem em sua integridade. Roma está a pleno serviço da Igreja de Deus que está no mundo e que é uma “janela aberta” ao mundo, janela que dá voz a todos os que não a têm, que convida todos a uma contínua conversão e, por isso, contribui – muitas vezes no silêncio e com o sofrimento, pagando às vezes com sua impopularidade – para a construção de um mundo melhor, para a civilização do amor.

ZENIT: Este papel de Roma não obstaculiza a unidade e o ecumenismo?

Cardeal Piacenza: O ecumenismo é uma prioridade na vida da Igreja e uma exigência absoluta que provém da própria oração do Senhor: “Ut unum sint”, que se converte, para todo cristão, em um “mandamento da unidade”. Na oração sincera e no espírito de contínua conversão interior, na fidelidade à própria identidade e na comum tensão da perfeita caridade dada por Deus, é necessário comprometer-se com convicção para que não haja contratempos no caminho do movimento ecumênico.

O mundo precisa da nossa unidade; portanto, é urgente continuar comprometendo-nos no diálogo da fé com todos os irmãos cristãos, para que Cristo seja o fermento da nossa sociedade. E também é urgente comprometer-se com os não-cristãos, isto é, no diálogo intercultural, para contribuir unidos para construir um mundo melhor, colaborando nas obras de bem e para que uma sociedade nova e mais humana seja possível. Roma, também nesta terra, tem um papel de propulsão único. Não há tempo para nos dividirmos: o tempo e as energias devem ser empregados para unir-nos.

ZENIT: Nesta Igreja, quem são e que papel têm os sacerdotes de hoje?

Cardeal Piacenza: Não são nem assistentes sociais nem funcionários de Deus! A crise de identidade é especialmente aguda nos contextos mais secularizados, nos quais parece que não existe lugar para Deus. Os sacerdotes, no entanto, são os de sempre: são o que Cristo quis que fossem! A identidade sacerdotal é cristocêntrica e, portanto, eucarística.

Cristocêntrica porque, como o Santo Padre recordou tantas vezes, no sacerdócio ministerial, “Cristo nos atrai dentro de Si”, envolvendo-se conosco e envolvendo-nos na sua própria existência. Tal atração “real” acontece sacramentalmente – portanto, de maneira objetiva e insuperável –, na Eucaristia, da qual os sacerdotes são ministros, isto é, servos e instrumentos eficazes.

ZENIT: É tão insuperável a lei sobre o celibato? Realmente não pode ser mudada?

Cardeal Piacenza: Não se trata de uma simples lei! A lei é consequência de uma realidade muito alta, que acontece somente na relação vital com Cristo. Jesus diz: “Quem tiver ouvidos, que ouça”. O sagrado celibato não se supera nunca, é sempre novo, no sentido de que, através disso, a vida dos sacerdotes se “renova”, porque se dá sempre em uma fidelidade que tem em Deus sua raiz e no florescer da liberdade humana, o próprio fruto.

O verdadeiro drama está na incapacidade contemporânea de realizar as escolhas definitivas, na dramática redução da liberdade humana, que se converteu em algo tão frágil, que não busca o bem nem sequer quando este é reconhecido e intuído como possibilidade para a própria existência. O celibato não é o problema; e as infidelidades e fraqueza dos sacerdotes não podem constituir um critério de juízo.

No demais, as estatísticas nos dizem que mais de 40% dos casamentos fracassam. Entre os sacerdotes, estamos em menos de 2%. Portanto, a solução não está, de forma alguma, na opcionalidade do sagrado celibato. Não será talvez questão de deixar de interpretar a liberdade como “ausência de vínculos” e de definitividade, e começar a redescobrir que, na definitividade do dom ao outro e a Deus consiste a verdadeira realização e felicidade humanas?

ZENIT: E as vocações? Não aumentariam, se abolissem o celibato?

Cardeal Piacenza: Não! As confissões cristãs nas quais, não existindo o sacerdócio ordenado, não existe a doutrina e a disciplina do celibato, encontram-se em um estado de profunda crise com relação às “vocações” de guia da comunidade – da mesma maneira que existem crises do sacramento do matrimônio uno e indissolúvel.

A crise da qual, na verdade, se está saindo lentamente, está ligada, fundamentalmente, à crise da fé no Ocidente. O que é preciso é comprometer-se a fazer a fé crescer. Este é o ponto. Nos mesmos ambientes, está em crise a santificação das festas, está em crise a confissão, está em crise o casamento etc. O secularismo e a conseguinte perda do sentido do sagrado, da fé e da sua prática, determinaram e determinam também uma importante diminuição do número dos candidatos ao sacerdócio.

A estas razões teológicas e eclesiais acrescentam-se algumas de caráter sociológico: a primeira de todas é a notável diminuição da natalidade, com a conseguinte diminuição dos jovens e das jovens vocações. Também este é um fator que não pode ser ignorado. Tudo está relacionado. Às vezes, estabelecem-se premissas e depois não se quer aceitar as consequências, mas estas são inevitáveis.

O primeiro e irrenunciável remédio para a diminuição das vocações foi sugerido pelo próprio Jesus: “Orai, portanto, ao dono da messe, para que envie operários para a sua messe” (Mt 9, 38). Este é o realismo da pastoral das vocações. A oração pelas vocações – uma intensa, universal, dilatada rede de oração e de adoração eucarística, que envolva todo mundo – é a verdadeira e única resposta possível para a crise da resposta às vocações. Onde esse comportamento orante é vivido de forma estabelecida, pode-se afirmar que se leva a cabo uma recuperação real.

É fundamental, além disso, prestar atenção à identidade e especificidade na vida eclesial, de sacerdotes, religiosos – estes na peculiaridade dos carismas fundacionais dos próprios institutos de pertença – e fiéis leigos, para que cada um possa, na verdade e na liberdade, compreender e acolher a vocação que Deus pensou para ele. Mas cada um deve ser autêntico e cada dia deve se comprometer em tornar-se o que é.

ZENIT: Eminência, neste momento histórico, se o senhor tivesse que resumir a situação geral, o que diria?

Cardeal Piacenza: Nosso programa não pode ser influenciado por querer estar por cima a todo custo, de querer sentir-nos aplaudidos pela opinião pública: nós devemos somente servir, por amor e com amor, o nosso Deus no nosso próximo, seja ele quem for, conscientes de que o Salvador é somente Jesus. Nós devemos deixá-lo passar, deixá-lo agir através das nossas pobres pessoas e do nosso compromisso cotidiano. Devemos colocar o que é “nosso”, mas também o que é “seu”. Nós, diante das situações aparentemente mais desastrosas, não devemos nos assustar. O Senhor, na barca de Pedro, parecia dormir, parecia! Devemos agir com energia, como se tudo dependesse de nós, mas com a paz de quem sabe que tudo depende do Senhor.

Portanto, devemos recordar que o nome do amor, no tempo, é “fidelidade”! O crente sabe que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, e não é “um” caminho, “uma” verdade, “uma” vida. Portanto, a coragem da verdade, pagando o preço de receber insultos e desprezo, é a chave da missão na nossa sociedade; é essa coragem que se une ao amor, à caridade pastoral, que deve ser recuperada e que torna fascinante, hoje mais do que nunca, a vocação cristã. Eu gostaria de citar o programa formulado sinteticamente em Stuttgart pelo Conselho da Igreja Evangélica em 1945: “Anunciar com mais coragem, rezar com mais confiança, crer com mais alegria, amar com mais paixão”.

fonte: ZNITE.org

A TRADIÇÃO DO NATAL

O evangelista Mateus retrata uma discursão entre os fariseus e os escribas, querendo O interpelar a respeito da falta de cumprimento da tradição deles por parte dos discípulos. Fizeram então a seguinte pergunta: “Porque os teus discípulos violam a tradição dos antigos? Pois que não lavam as mãos quando comem”. Ele respondeu – lhes: “E vós, porque violais o mandamento de Deus por causa da vossa tradição? Com efeito, Deus disse: Honra pai e mãe e Aquele que maldisser pai ou mãe, certamente deve morrer. Vós, porém dizeis: Aquele que disser ao pai ou à mãe “Aquilo que de mim poderias receber foi consagrado a Deus, esse não está obrigado a honrar pai ou mãe”. E assim invalidastes a Palavra de Deus por causa da tradição. Hipócritas! Bem profetizou Isaias a vosso respeito quando disse: Este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são mandamentos humanos “(Mt 15, 2-9).

O que vimos nesta passagem da Sagrada Escritura é que a tradição oral a que os fariseus e escribas submetiam o povo sob o pretexto de assegurar a observância da Lei escrita, ia mais longe do que ela. No caso acima, o rodapé da Bíblia de Jerusalém nos explica: Porque os bens assim votados, ou seja, oferecidos a Deus (Korbâm) passaram a revestir um caráter “sagrado”, que interditava aos pais pretenderem para si qualquer parte deles. Esse voto, aliás, fictício, não obrigando a nenhuma doação real, era um meio odioso de livrar-se de um dever sagrado. Os rabinos, embora reconhecendo seu caráter imoral, consideravam válidos tais votos.

E o que isto tem a nos ensinar no dia de hoje? Cada vez que meditamos com a Palavra de Deus, ela tem a capacidade de fazer nova todas às coisas e de ser tão viva e atual, pois o Senhor quer nos falar exatamente sobre essas tradições as quais muitas vezes nos faz viver um Natal que nos tira do verdadeiro sentido: O nascimento do seu Filho Jesus.

O que fazemos muitas vezes por tradição, seguindo os mandamentos dos homens? O natal hoje é focado no consumismo desenfreado, nas compras em excesso, nas preocupações com a grande ceia de Natal, nos amigos secretos… Os canais de televisão com as suas propagandas, jornais, filmes, só nos mostram o Papai Noel, a árvore de Natal, os presentes… Aqui e ali é que vemos um presépio.

E com tudo isso, esquecemos que estamos vivendo um tempo tão maravilhoso da nossa Igreja, Tempo de Advento, Tempo de Espera, Tempo de Expectativa, que nos levou a refletir com os profetas e com Nossa Senhora de como anda a nossa vida e como está o nosso coração. Será que verdadeiramente estamos preparados para celebrar a nossa maior vitória, que é a nossa salvação trazida pelo Menino Deus? Ele é a nossa salvação.

Que na noite de hoje ao nos reunir com as nossas famílias, possamos elevar os nossos olhos e os nossos corações a Deus, e juntos louvar e agradecer pelo maior de todos os seus presentes: Jesus Cristo, o nosso salvador! Por Ele o Senhor abriu as portas do céu para nós, possibilitando alcançarmos a nossa vitória. Ele sim é o único motivo de celebrarmos tão grande festa!

Que este Menino Deus, venha tocar os nossos corações para que possamos verdadeiramente honrá-Lo com os nossos lábios e também com a nossa vida…

Um abençoado Natal.

Rosana (CCRM).