Vaticano investe em parceria para pesquisas com células-tronco adultas

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A relação entre o Vati­­cano e as pesquisas com células-tronco costuma ser resumida à oposição dos católicos à pesquisa com embriões. No entanto, desde 2010 a Igreja Católica mantém uma parceria com a NeoStem, um laboratório norte-americano de terapia celular, para não apenas incentivar a pesquisa com células-tronco adultas, mas também estudar os efeitos culturais e incentivar cientistas a refletir sobre as implicações éticas de seu trabalho. A parceria já rendeu dois congressos no Vaticano (o último deles neste ano, com a participação do Nobel de Medicina John Gurdon) e um livro sobre o potencial desse tipo de células. A CEO da NeoStem, Robin Smith, e o monsenhor Tomasz Trafny, diretor do Departamento de Ciência e Religião do Pontifício Conselho para a Cultura, conversaram com a Gazeta do Povo por telefone, da sede da NeoStem em Nova York, e explicaram como religiosos e cientistas se uniram por um objetivo comum. Confira os principais trechos da entrevista:

Como se produziu uma par­­ceria como esta, que muitos veem como incomum?

Monsenhor Tomasz Trafny: Normalmente os departamentos do Vaticano não estabelecem parcerias com companhias privadas. Mas queríamos explorar algumas questões específicas, como o potencial das células-tronco adultas, o que exigia uma colaboração mais próxima não só com quem tivesse expertise no tema, mas que também pudesse ajudar com recursos. O motivo pelo qual começamos a trabalhar com a NeoStem é o fato de que buscávamos não apenas um parceiro qualquer, mas um parceiro que cumprisse alguns requisitos. Buscávamos parceiros que compartilhassem da nossa visão, não apenas do ponto de vista científico, mas principalmente do ponto de vista moral. Eles têm uma plataforma ética muito clara: nunca fizeram pesquisa com embriões e nem querem fazê-lo. E é muito importante o fato de eles compartilharem conosco o interesse em um tema muito específico que estamos explorando: o potencial impacto cultural da pesquisa com células-tronco na medicina.

Robin Smith: Quando as pessoas falam de células-tronco, frequentemente há confusão. A maioria pensa de imediato nas células embrionárias porque, durante boa parte dos anos 90, a imprensa priorizou a controvérsia criada pelo debate sobre a pesquisa com embriões. Como essa é a única impressão que boa parte do público tem sobre células-tronco, muitos não sabem que as células-tronco adultas são algo diferente, são células retiradas do nosso próprio corpo com nosso consentimento, ou seja, não há implicações éticas associadas ao seu uso.

O Vaticano e a NeoStem já têm algum tempo de parceria. Ela chegou a mudar as concepções de cientistas do seu convívio que ainda podem ver “ciência” e “Vaticano” como entidades que não se misturam?

Smith: Essa tem sido uma colaboração maravilhosa. Temos gerado diálogo entre pesquisadores de vários campos de estudo ao redor do mundo. Estamos focados em nossa missão: educar as pessoas sobre os avanços nas pesquisas com células-tronco adultas e ajudar a levantar recursos para financiar testes clínicos. Também estamos trabalhando com o público estudantil, para que as próximas gerações possam entender o poder e o potencial da terapia celular.

Como poderíamos resumir, até agora, o que foi conseguido com a pesquisa com células-tronco adultas?

Smith: Há 4,7 mil testes clínicos em curso que usam terapias com células-tronco adultas. Acreditamos que, se você olhar para a indústria como um todo, conseguirá ver um grande progresso sendo feito. Por exemplo, na medicina cardiovascular há uma grande empolgação com as possíveis terapias. Há alguns produtos de terapia celular já aprovados em ortopedia, como o Carticel, da Genzyme, para a indústria de cartilagens articulares. Para mim, os dados mostram a animação em torno dos avanços em várias frentes clínicas, e esperamos ver ainda mais disso no futuro.

A pesquisa com embriões pode dar resultados similares no futuro, ou mais cedo ou mais tarde chegará a um beco sem saída?

Trafny: Não sabemos. É até possível que a pesquisa com células-tronco embrionárias dê resultados, mas a verdadeira questão é se é correto fazer tudo o que seja tecnicamente possível. Estamos fazendo essa pergunta aos cientistas. Claro que muitos não compartilham da sensibilidade moral e ética dos cristãos e dos católicos nesse tema específico, mas de qualquer forma as pessoas deveriam pensar sobre as potenciais consequências de agredir a vida humana. Se não temos nenhum limite, que diferença faz destruir a vida em seu início, ou no meio, ou no fim? Então, há coisas que, de um ponto de vista meramente técnico-científico, são possíveis, como usar embriões em pesquisa, mas queremos que a sociedade pergunte a si mesma se podemos fazer isso, de um ponto de vista moral. Essa é a questão.

Fonte: Gazeta do Povo

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