“Jesus Cristo, a verdadeira novidade que responde às expectativas do homem”

As palavras do Papa durante a oração do Ângelus

CIDADE DO VATICANO, domingo, 28 de outubro de 2012 (ZENIT.org) – Ao final da Missa celebrada com os Padres Sinodais para a conclusão da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, o Papa Bento XVI recitou a oração do Ângelus. Estas são as suas palavras:

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[Antes do Ângelus]

Caros irmãos e irmãs!

Com a Santa Missa celebrada esta manhã na Basílica de São Pedro, terminou a XIII Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos. Por três semanas enfrentamos a realidade da nova evangelização para a transmissão da fé cristã: toda a Igreja estava representada e, portanto, envolvida nesse esforço, que não deixará de dar os seus frutos, com a graça do Senhor. Primeiro de tudo, no entanto, o Sínodo é sempre um momento de grande comunhão eclesial, e por isso eu quero agradecer a Deus com todos vocês, que mais uma vez nos fez experimentar a beleza de ser Igreja, e sê-lo hoje, neste mundo tal qual ele está, no meio desta humanidade com as suas dificuldades e esperanças. Muito significativa foi a coincidência desta Assembleia sinodal com o 50 º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, e portanto com o início do Ano da Fé. Repensar o Beato João XIII, o Servo de Deus Paulo VI, no tempo conciliar, tem sido muito bom, porque nos ajudou a reconhecer que a nova evangelização não é uma invenção nossa, mas é uma dinâmica que se desenvolveu na Igreja especialmente a partir da década de 50 do século passado, quando se tornou evidente que mesmo os Países de antiga tradição cristã tornaram-se, como acostumamos dizer, “terra de missão”. Assim surgiu a necessidade de um renovado anúncio do Evangelho nas sociedades secularizadas, na dupla certeza de que, por um lado, é só Ele, Jesus Cristo, a verdadeira novidade que responde às expectativas do homem de todas as épocas, e por outro, que a sua mensagem pede para ser transmitida de modo adequado nos diferentes contextos sociais e culturais.

O que podemos dizer depois destes intensos dias de trabalho? Da minha parte, eu escutei e reuni muitos pontos de reflexão e muitas propostas, que, com a ajuda da Secretaria do Sínodo e dos meus colaboradores, buscarei ordenar e elaborar, para oferecer a toda a Igreja uma síntese orgânica e indicações coerentes. Desde já podemos dizer que deste Sínodo sai um reforçado esforço para a renovação espiritual da mesma Igreja, para poder renovar espiritualmente o mundo secularizado; e esta renovação virá da redescoberta de Jesus Cristo, da sua verdade e da sua graça, da sua “face”, tão humana e tão divina, sobre a qual brilha o mistério transcendente de Deus. Confiamos à Virgem Maria os frutos do trabalho da Assembleia Sinodal apenas concluido. Ela, Estrela da nova evangelização, nos ensine e nos ajude a levar Cristo a todos, com coragem e com alegria.

[Depois da recitação da oração do Ângelus, o Papa lançou o seguinte apelo:]

Começo com um apelo.

Nos últimos dias um furacão devastador atingiu com particular violência Cuba, Haiti, a Jamaica e as Bahamas, causando várias mortes e extensos danos, fazendo com que várias pessoas fossem obrigadas a deixar as próprias casas. Desejo assegurar a minha proximidade e lembrança a todos aqueles que foram atingidos por este desastre natural, enquanto convido a todos à oração e à solidariedade, para aliviar a dor dos familiares das vítimas e oferecer ajuda aos milhares de danificados.

[No final do Ângelus, o Papa cumprimentou os peregrinos. Em português disse:]

Dirijo agora uma calorosa saudação aos peregrinos de língua portuguesa, e de modo especial ao grupo vindo do Brasil – das dioceses de Guaxupé, São João da Boa Vista e Jundiaí. Ao concluir a Sínodo sobre a Nova Evangelização, confio à Virgem Santíssima os seus frutos e peço-Lhe que guie e proteja maternalmente os vossos passos ao serviço do anúncio e testemunho da Boa Nova de Jesus Cristo! A minha Bênção desça sobre vós, vossas famílias e comunidades cristãs.

[Tradução do Italiano Thácio Siqueira]

“O fogo de Deus, à semelhança dum fogo em brasas, pede para ser reavivado”

Homilia do Papa na missa de conclusão do Sínodo dos Bispos

CIDADE DO VATICANO, domingo, 28 de outubro de 2012 (ZENIT.org) – Publicamos a seguir a homilia do Papa Bento XVI na Missa celebrada na basílica vaticana por ocasião da conclusão da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos com o tema “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”.

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Venerados Irmãos,
Ilustres Senhores e Senhoras,
Amados irmãos e irmãs!

O milagre da cura do cego Bartimeu ocupa uma posição significativa na estrutura do Evangelho de Marcos. De facto, está colocado no fim da secção designada «viagem para Jerusalém», isto é, a última peregrinação de Jesus para a Cidade Santa, para a Páscoa em que, como Ele sabe, O aguardam a paixão, a morte e a ressurreição. Para subir a Jerusalém a partir do vale do Jordão, Jesus passa por Jericó, e o encontro com Bartimeu tem lugar à saída da cidade, «quando – observa o evangelista – [Jesus] ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão» (10, 46), a mesma multidão que, dali a pouco, aclamará Jesus como Messias na sua entrada em Jerusalém. Precisamente na estrada estava sentado a mendigar Bartimeu, cujo nome significa «filho de Timeu», como diz o próprio evangelista. Todo o Evangelho de Marcos é um itinerário de fé, que se desenvolve gradualmente na escola de Jesus. Os discípulos são os primeiros actores deste percurso de descoberta, mas há ainda outros personagens que desempenham papel importante, e Bartimeu é um deles. A sua cura prodigiosa é a última que Jesus realiza antes da sua paixão, e não é por acaso que se trata da cura dum cego, isto é, duma pessoa cujos olhos perderam a luz. A partir de outros textos, sabemos também que a condição de cegueira tem um significado denso nos Evangelhos. Representa o homem que tem necessidade da luz de Deus – a luz da fé – para conhecer verdadeiramente a realidade e caminhar pela estrada da vida. Condição essencial é reconhecer-se cego, necessitado desta luz; caso contrário, permanece-se cego para sempre (cf. Jo 9, 39-41).

Situado naquele ponto estratégico da narração de Marcos, Bartimeu é apresentado como modelo. Ele não é cego de nascença, mas perdeu a vista: é o homem que perdeu a luz e está ciente disso, mas não perdeu a esperança, sabe agarrar a possibilidade deste encontro com Jesus e confia-se a Ele para ser curado. Na realidade, ouvindo dizer que o Mestre passa pela sua estrada, grita: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» (Mc 10, 47), e repete-o vigorosamente (v. 48) E quando Jesus o chama e lhe pergunta que quer d’Ele, responde: «Mestre, que eu veja!» (v. 51). Bartimeu representa o homem que reconhece o seu mal, e grita ao Senhor com a confiança de ser curado. A sua imploração, simples e sincera, é exemplar, tendo entrado na tradição da oração cristã da mesma forma que a súplica do publicano no templo: «Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13). No encontro com Cristo, vivido com fé, Bartimeu readquire a luz que havia perdido e, com ela, a plenitude da sua própria dignidade: põe-se de pé e retoma o caminho, que desde então tem um guia, Jesus, e uma estrada, a mesma que Jesus percorre. O evangelista não nos diz mais nada de Bartimeu, mas nele mostra-nos quem é o discípulo: aquele que, com a luz da fé, segue Jesus «pelo caminho» (v. 52).

Num dos seus escritos, Santo Agostinho observa um particular acerca da figura de Bartimeu, que pode ser interessante e significativo também hoje para nós. O santo Bispo de Hipona reflecte sobre o facto de Marcos referir, neste caso, não só o nome da pessoa que é curada, mas também de seu pai, e chega à conclusão de que «Bartimeu, filho de Timeu, era um personagem decaído duma situação de grande prosperidade, e a sua condição de miséria devia ser universalmente conhecida e de domínio público, enquanto não era apenas cego, mas um mendigo que estava sentado na berma da estrada. Por esta razão, Marcos não o quis recordar só a ele, porque o facto de ter recuperado a vista conferiu ao milagre tão grande ressonância como grande era a fama da desventura que atingira o cego» (O consenso dos evangelistas, 2, 65, 125: PL 34, 1138) . Assim escreve Santo Agostinho!

Esta interpretação de Bartimeu como pessoa decaída duma condição de «grande prosperidade» é sugestiva, convidando-nos a reflectir sobre o facto que há riquezas preciosas na nossa vida que podemos perder e que não são materiais. Nesta perspectiva, Bartimeu poderia representar aqueles que vivem em regiões de antiga evangelização, onde a luz da fé se debilitou, e se afastaram de Deus, deixando de O considerarem relevante na própria vida: são pessoas que deste modo perderam uma grande riqueza, «decaíram» duma alta dignidade – não económica ou de poder terreno, mas a dignidade cristã –, perderam a orientação segura e firme da vida e tornaram-se, muitas vezes inconscientemente, mendigos do sentido da existência. São as inúmeras pessoas que precisam de uma nova evangelização, isto é, de um novo encontro com Jesus, o Cristo, o Filho de Deus (cf. Mc 1, 1), que pode voltar a abrir os seus olhos e ensinar-lhes a estrada. É significativo que, no momento em que concluímos a Assembleia sinodal sobre a Nova Evangelização, a Liturgia nos proponha o Evangelho de Bartimeu. Esta Palavra de Deus tem algo a dizer de modo particular a nós que nestes dias nos debruçamos sobre a urgência de anunciar novamente Cristo onde a luz da fé se debilitou, onde o fogo de Deus, à semelhança dum fogo em brasas, pede para ser reavivado a fim de se tornar chama viva que dá luz e calor a toda a casa.

A nova evangelização diz respeito a toda a vida da Igreja. Refere-se, em primeiro lugar, à pastoral ordinária que deve ser mais animada pelo fogo do Espírito a fim de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a comunidade reunindo-se no dia do Senhor para se alimentarem da sua Palavra e do Pão de vida eterna. Aqui gostaria de sublinhar três linhas pastorais que emergiram do Sínodo. A primeira diz respeito aos Sacramentos da iniciação cristã. Foi reafirmada a necessidade de acompanhar, com uma catequese adequada, a preparação para o Baptismo, a Confirmação e a Eucaristia; e reiterou-se também a importância da Penitência, sacramento da misericórdia de Deus. É através deste itinerário sacramental que passa o chamamento do Senhor à santidade, que é dirigido a todos os cristãos. Na realidade, várias vezes se repetiu que os verdadeiros protagonistas da nova evangelização são os santos: eles falam, com o exemplo da vida e as obras da caridade, uma linguagem compreensível a todos.

Em segundo lugar, a nova evangelização está essencialmente ligada à missão ad gentes. A Igreja tem o dever de evangelizar, de anunciar a mensagem da salvação aos homens que ainda não conhecem Jesus Cristo. No decurso das próprias reflexões sinodais, foi sublinhado que há muitos ambientes em África, na Ásia e na Oceânia, onde os habitantes aguardam com viva expectativa – às vezes sem estar plenamente conscientes disso – o primeiro anúncio do Evangelho. Por isso, é preciso pedir ao Espírito Santo que suscite na Igreja um renovado dinamismo missionário, cujos protagonistas sejam, de modo especial, os agentes pastorais e os fiéis leigos. A globalização provocou um notável deslocamento de populações, pelo que se impõe a necessidade do primeiro anúncio também nos países de antiga evangelização. Todos os homens têm o direito de conhecer Jesus Cristo e o seu Evangelho; e a isso corresponde o dever dos cristãos – de todos os cristãos: sacerdotes, religiosos e leigos – de anunciarem a Boa Nova.

Um terceiro aspecto diz respeito às pessoas baptizadas que, porém, não vivem as exigências do Baptismo. Durante os trabalhos sinodais, foi posto em evidência que estas pessoas se encontram em todos os continentes, especialmente nos países mais secularizados. A Igreja dedica-lhes uma atenção especial, para que encontrem de novo Jesus Cristo, redescubram a alegria da fé e voltem à prática religiosa na comunidade dos fiéis. Para além dos métodos tradicionais de pastoral, sempre válidos, a Igreja procura lançar mão de novos métodos, valendo-se também de novas linguagens, apropriadas às diversas culturas do mundo, para implementar um diálogo de simpatia e amizade que se fundamenta em Deus que é Amor. Em várias partes do mundo, a Igreja já encetou este caminho de criatividade pastoral para se aproximar das pessoas afastadas ou à procura do sentido da vida, da felicidade e, em última instância, de Deus. Recordamos algumas missões urbanas importantes, o «Átrio dos Gentios», a missão continental, etc.. Não há dúvida que o Senhor, Bom Pastor, abençoará abundantemente estes esforços que nascem do zelo pela sua Pessoa e pelo seu Evangelho.

Queridos irmãos e irmãs, Bartimeu, uma vez obtida novamente a vista graças a Jesus, juntou-se à multidão dos discípulos, entre os quais havia seguramente outros que, como ele, foram curados pelo Mestre. Assim são os novos evangelizadores: pessoas que fizeram a experiência de ser curadas por Deus, através de Jesus Cristo. Eles têm como característica a alegria do coração, que diz com o Salmista: «O Senhor fez por nós grandes coisas; por isso, exultamos de alegria» (Sal 126/125, 3). Com jubilosa gratidão, hoje também nós nos dirigimos ao Senhor Jesus, Redemptor hominis e Lumen gentium, fazendo nossa uma oração de São Clemente de Alexandria: «Até agora errei na esperança de encontrar Deus, mas porque Vós me iluminais, ó Senhor, encontro Deus por meio de Vós, e de Vós recebo o Pai, torno-me herdeiro convosco, porque não Vos envergonhastes de me ter por irmão. Cancelemos, portanto, cancelemos o esquecimento da verdade, a ignorância; e, removendo as trevas que nos impedem de ver como a névoa nos olhos, contemplemos o verdadeiro Deus…; já que, sobre nós sepultados nas trevas e prisioneiros da sombra da morte, brilhou uma luz do céu [luz] mais pura que o sol, mais doce que a vida nesta terra » (Protrettico, 113, 2–114, 1). Amen.

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“O que significa crer hoje?”

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta- feira

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de outubro de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos as palavras de Bento XVI dirigidas aos fiéis e peregrino reunidos na Praça de São Pedro para a tradicional audiência de quarta-feira.

Queridos irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada, com o início do Ano da Fé, comecei uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de refletir com vocês sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda há um sentido para a fé em um mundo cuja ciência e a técnica abriram horizontes até pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? De fato, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua um conhecimento das suas verdades e dos eventos da salvação, mas que sobretudo nasça de um verdadeiro encontro com Deusem Jesus Cristo, de amá-lo, de confiar Nele, de modo que toda a vida seja envolvida.

Hoje, junto a tantos sinais do bem, cresce ao nosso redor também um certo deserto espiritual. Às vezes, tem-se a sensação, por certos acontecimentos dos quais temos notícia todos os dias, que o mundo não vai em direção à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as mesmas ideias de progresso e de bem estar mostram também as suas sombras. Apesar da grandeza das descobertas da ciência e dos sucessos da técnica, hoje o homem não parece verdadeiramente mais livre, mais humano; permanecem tantas formas de exploração, de manipulação, de violência, de abusos, de injustiça…Um certo tipo de cultura, então, educou a mover-se somente no horizonte das coisas, do factível, a crer somente no que se vê e se toca com as próprias mãos. Por outro lado, cresce também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão somente horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto, surgem algumas perguntas fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Em que direção orientar as escolhas da nossa liberdade para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas insuprimíveis perguntas emergem como o mundo do planejamento, do cálculo exato e do experimento, em uma palavra o saber da ciência, mesmo sendo importante para a vida do homem, sozinho não basta. Nós precisamos não apenas do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá exatamente isto: é um confiante confiar em um “Tu”, que é Deus, o qual me dá uma certeza diferente, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência.A fé não é um simples consentimento intelectual do homem e da verdade particular sobre Deus; é um ato com o qual confio livremente em um Deus que é Pai e me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Certamente esta adesão a Deus não é privada de conteúdo: com essa sabemos que Deus mesmo se mostrou a nós em Cristo, mostrou a sua face e se fez realmente próximo a cada um de nós. Mais, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é sem medida: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito homem, nos mostra do modo mais luminoso a que ponto chega este amor, até a doação de si mesmo, até o sacrifício total. Com o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até o fundo na nossa humanidade para trazê-la de volta a Ele, para elevá-la à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, diante do mal e da morte, mas é capaz de transformar cada forma de escravidão, dando a possibilidade da salvação.Ter fé, então, é encontrar este “Tu”, Deus, que me sustenta e me concede a promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas a doa; é confiar-se em Deus como a atitude de uma criança, que sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão seguros no “Tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Acho que deveríamos meditar com mais frequência –na nossa vida cotidiana, caracterizada por problemas e situações às vezes dramáticas –sobre o fato de que crer de forma cristã significa este abandonar-me com confiança ao sentido profundo que sustenta a mim e ao mundo, aquele sentido que nós não somos capazes de dar, mas somente de receber como dom, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem medo. E esta certeza libertadora e tranquilizante da fé devemos ser capazes de anunciá-la com a palavra e de mostrá-la com a nossa vida de cristãos.

Ao nosso redor, porém, vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes ou recusam-se a acolher este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado que diz: “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 16), perde a si mesmo. Gostaria de convidá-los a refletir sobre isso. A confiança na ação do Espírito Santo, nos deve impulsionar sempre a andar e anunciar o Evangelho, ao corajoso testemunho da fé; mas além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé, há também o risco de rejeição ao Evangelho, do não acolhimento ao encontro vital com Cristo.Santo Agostinho já colocava este problema em seu comentário da parábola do semeador: “Nós falamos – dizia – lançamos a semente, espalhamos a semente. Existem aqueles que desprezam, aqueles que reprovarão, aquelas que zombam. Se nós temos medo deles, não temos mais nada a semear e no dia da ceifa ficaremos sem colheita. Por isso venha a semente da terra boa” (Discurso sobre a disciplina cristã, 13, 14: PL 40, 677-678). A recusa, portanto, não pode nos desencorajar. Como cristãos somos testemunhas deste terreno fértil: a nossa fé, mesmo com nossos limites, mostra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, existe a semente boa, e traz fruto.

Mas perguntamo-nos: de onde atinge o homem aquela abertura do coração e da mente para crer no Deus que se fez visível em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de forma que Ele e seu Evangelho sejam o guia e a luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. A fé então é primeiramente um dom sobrenatural, um dom de Deus.O Concílio Vaticano II afirma: “Para que se possa fazer este ato de fé, é necessária a graça de Deus que previne e socorre, e são necessários os auxílios interiores do Espírito Santo, o qual mova o coração e o volte a Deus, abra os olhos da mente, e doe ‘a todos doçura para aceitar e acreditar na verdade’” (Cost. dogm. Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé tem o Batismo, o sacramento que nos doa o Espírito Santo, fazendo-nos tornar filhos de Deus em Cristo, e marca o ingresso na comunidade de fé, na Igreja: não se crê por si próprio, sem a vinda da graça do Espírito; e não se crê sozinho, mas junto aos irmãos. A partir do Batismo cada crente é chamado a re-viver e fazer própria esta confissão de fé, junto aos irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica o diz com clareza: “É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade e nem à inteligência do homem” (n. 154). Mas, as implica e as exalta, em uma aposta de vida que é como um êxodo, isso é, um sair de si mesmo, das próprias seguranças, dos próprios esquemas mentais, para confiar na ação de Deus que nos indica a sua estrada para conseguir a verdadeira liberdade, a nossa identidade humana, a verdadeira alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar com toda a liberdade e com alegria no desenho providencial de Deus na história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. A fé, então, é um consentimento com o qual a nossa mente e o nosso coração dizem o seu “sim” a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este “sim” transforma a vida, abre a estrada para uma plenitude de significado, a torna nova, rica de alegria e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo requer cristãos que foram apreendidos por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustenta no caminho e nos abre à vida que nunca terá fim. Obrigado.

Ao final o Santo Padre dirigiu a seguinte saudação em português:

Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projeto de Deus a vosso respeito. Acompanha-vos a minha oração e a minha Bênção.

(Trad.MEM)

“O nosso tempo exige cristãos fascinados por Cristo”

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de outubro de 2012(ZENIT.org) – Bento XVI prosseguiu com a catequese neste Ano da fé durante a audiência geral desta quarta feira.

Apresentamos o resumo de suas palavras:

Queridos irmãos e irmãs,

O nosso tempo exige cristãos fascinados por Cristo, que não se cansem de crescer na fé, por meio da familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. A fé não é apenas conhecimento e adesão a algumas verdades divinas; mas também um acto da vontade, pelo qual me entrego livremente a Deus, que é Pai e me ama. Crer é confiar-se, com toda a liberdade e com alegria, ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez Maria de Nazaré. Nós podemos crer em Deus, porque Ele vem ao nosso encontro e nos toca. Na base do nosso caminho de fé, está o Baptismo, pelo qual nos tornamos filhos de Deus em Cristo e marca a entrada na comunidade de fé, na Igreja. Não se crê sozinho, mas juntamente com os nossos irmãos. Depois do Baptismo, cada cristão é chamado a viver e assumir a profissão da fé, juntamente com seus irmãos. Concluindo, a fé é um assentimento, pelo qual a nossa mente e o nosso coração dizem «sim» a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, tornando-a rica de significado e esperança segura.

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Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projecto de Deus a vosso respeito. Acompanha-vos a minha oração e a minha Bênção.

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A oração cristã é olhar constantemente e de maneira sempre nova a Cristo

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta- feira

Queridos irmãos e irmãs,

Na última catequese, comecei a falar de uma das fontes privilegiadas de oração cristã: a liturgia sagrada, que – como afirma o Catecismo da Igreja Católica – é “participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Na liturgia, toda oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo” (n. 1073). Hoje, eu gostaria que nos perguntássemos: na minha vida, eu reservo espaço suficiente para a oração e, acima de tudo, que lugar na minha relação com Deus ocupa a oração litúrgica, especialmente a Santa Missa, como participação na oração comum do Corpo de Cristo que é a Igreja?

Ao responder a esta questão devemos primeiramente lembrar que a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai que é infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com

o Espírito Santo (cf. ibid., 2565). Assim, a vida de oração é o hábito de estar na presença de Deus e ter consciência de viver a relação com Deus como se vive as relações habituais de nossas vidas, com os familiares mais queridos, com amigos de verdade; e de fato, a relação com o Senhor é a que ilumina a todos os nossos outros relacionamentos. Esta comunhão de vida com Deus, Uno e Trino, é possível porque, pelo Batismo fomos introduzidos em Cristo, passamos a ser um com Ele (cf. Rm 6:5).

De fato, somente em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos, caso contrário não é possível, mas em comunhão com o Filho também nos podemos dizer como Ele disse: “Abba”. Em comunhão com Cristo, podemos conhecer a Deus como verdadeiro Pai (cf. Mt 11:27). Por isso, a oração cristã é olhar constantemente e de maneira sempre nova a Cristo, conversar com Ele, ficar em silêncio com Ele, ouvi-lo, agir e sofrer com Ele. O cristão descobre sua verdadeira identidade em Cristo, “primogênito de toda  criatura», em quem todas as coisas (cf. Cl 1,15 ss). Identificando-se com Ele, sendo um com Ele, redescubro a minha identidade pessoal, a de verdadeiro filho que vê a Deus como um Pai cheio de amor.

Mas não esqueçamos: Cristo, nos o encontramos, o conhecemos como uma pessoa viva, na Igreja. É o “seu corpo”. Esta corporeidade pode ser entendida a partir das palavras bíblicas sobre o homem e a mulher: os dois serão uma só carne (cf. Gn 2:24; Efésios 5,30 ss; 1 Cor 6,16 s.). O vínculo indissolúvel entre Cristo e a Igreja, através do poder unificador do amor, não anula o “você” e o “eu”, mas eleva-as a sua unidade mais profunda. Encontrar a própria identidade em Cristo significa alcançar uma comunhão com Ele, que não me anula, mas eleva-me a mais alta dignidade, àquela de filho de Deus em Cristo: “a história de amor entre Deus e o homem consiste no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, a nossa vontade e a vontade de Deus coincidem cada vez mais “(Encíclica Deus caritas est, 17). Rezar significa elevar-se à altura de Deus através de uma necessária e gradual transformação do nosso ser.

Assim, participando da liturgia, fazemos nossa a linguagem da mãe Igreja, aprendemos a falar nessa e através dessa. Claro que, como eu já disse, isso acontece gradualmente, pouco a pouco. Devo imergir progressivamente nas palavras da Igreja, com a minha oração, com a minha vida, com o meu sofrimento, com a minha alegria, com o meu pensamento. É um caminho que nos transforma.

Penso que essas reflexões nos permitem responder à pergunta que fizemos no início: como aprendo a rezar, como eu cresço na minha oração? Olhando para o modelo que Jesus nos ensinou, o Pai Nosso, vemos que a primeira palavra é “Pai” e a segunda é “nosso”. A resposta, então, é clara: aprendo a rezar, alimento a minha oração, dirigindo-me a Deus como Pai e rezando com outros, rezando com a Igreja, aceitando o dom de suas palavras, que tornam pouco a pouco familiar e rica de sentido. O diálogo que Deus estabelece com cada um de nós, e nós com Ele, na oração inclui sempre um “com”; não podemos rezar a Deus de maneira  individualista. Na oração litúrgica, especialmente a Eucaristia, e – formados pela liturgia – em cada oração, não falamos apenas como pessoa individualmente, mas entramos no “nós” da Igreja que reza. E precisamos transformar nosso “eu” entrando neste “nós”.

Gostaria de lembrar outro aspecto importante. No Catecismo da Igreja Católica, lemos: “Na liturgia da Nova Aliança, cada ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja” (n. 1097), por isso, é o “Cristo total”, toda a Comunidade, o Corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra. A liturgia é, então, uma espécie de “auto-manifestação” de uma comunidade, mas é a saída de simplesmente “ser para si mesmo”, ser fechado em si mesmo para entrar no grande banquete, na grande comunidade viva, na qual o próprio Deus nos alimenta. A liturgia implica universalidade e esse caráter universal deve entrar novamente no conhecimento de todos. A liturgia cristã é o culto do templo universal que é Cristo Ressuscitado, cujos braços estão estendidos na cruz para atrair todos ao abraço do amor eterno de Deus.  É o culto do céu aberto. Nunca é somente o evento de uma única comunidade, com o seu lugar no tempo e no espaço. É importante que cada cristão sinta-se realmente inserido nesse “nós” universal, que fornece o  fundamento e o refúgio ao “eu”, no Corpo de Cristo que é a Igreja.

Nisto devemos estar cientes e aceitar a lógica da Encarnação de Deus: Ele se fez próximo, presente, entrando na história e natureza humana, tornando-se um de nós. E esta presença continua na Igreja, seu Corpo. A liturgia, então, não é a memória de eventos passados, mas é a presença viva do Mistério Pascal de Cristo que transcende e une todos os tempos e espaços. Se na celebração não emerge a centralidade de Cristo, não temos a liturgia cristã totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora. Deus age através de Cristo e  nós não podemos agir a não ser por meio Dele e Nele. Todos os dias deve crescer em nós a convicção de que a liturgia não é o nosso, o meu “fazer”, mas é a ação de Deus em nós e com nós.

Assim, não é o indivíduo – sacerdote ou fiel – ou o grupo que celebra a liturgia, mas é principalmente a ação de Deus através da Igreja, que tem a sua própria história, sua rica tradição e a sua criatividade. Esta universalidade e abertura fundamental, que é característica de toda a liturgia é uma das razões pelas quais não podem ser idealizada ou modificada pela comunidade individual ou por especialistas, mas deve ser fiel às formas da Igreja universal.

Mesmo na liturgia das menores comunidades está sempre presente toda a Igreja. Por esta razão, não há “estrangeiro” na comunidade litúrgica. Em toda celebração litúrgica participa junto toda a Igreja, o céu e a terra, Deus e os homens. A liturgia cristã, mesmo que celebrada em um lugar e um espaço concreto e exprime o “sim” de uma determinada comunidade, é naturalmente Católica, vem do todo e leva ao todo, em união com o Papa, os Bispos, com os fiéis de todos os tempos e lugares. Quanto mais uma celebração é animada por esta consciência, mais frutuosamente nessa se realiza o autentico sentido da liturgia.

Caros amigos, a Igreja torna-se visível de muitas maneiras: na ação caritativa, nos projetos de missão, no apostolado pessoal que cada cristão deve realizar no próprio ambiente. Mas, o lugar no qual a Igreja é experimentada plenamente como Igreja é na liturgia: essa é o ato em que acreditamos que Deus entra em nossa realidade e podemos encontra-Lo, podemos toca-Lo. É o ato no qual entramos em contato com Deus, Ele vem até nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre liturgia nós centramos a nossa atenção somente sobre como torná-la atraente, interessante, bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a liturgia se celebra por Deus e não por nós mesmos; é obra sua; é Ele o sujeito; e nós devemos nos abrir a Ele e nos deixar guiar por Ele e pelo seu Corpo que é a Igreja.

Peçamos ao Senhor para aprendermos a cada dia viver a sagrada liturgia, especialmente a Celebração Eucarística, rezando no “nós” da Igreja, que dirige o olhar não para si, mas para Deus, e nos sintamos parte da Igreja viva de todos os lugares e de todos os tempos. Obrigado.