Cristãos guiados pela verdade inspirada pelo Espírito Santo

Catequese do Papa Francisco durante a Audiência Geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, 15 de Maio de 2013 (Zenit.org) – Publicamos a seguir a catequese realizada esta manhã pelo Papa Francisco durante a tradicional Audiência Geral da quarta-feira, tida na Praça de São Pedro.

***

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

hoje gostaria de refletir sobre a ação que o Espírito Santo realiza ao guiar a Igreja e cada um de nós à Verdade. Jesus mesmo diz aos discípulos: o Espírito Santo “vos guiará à toda a verdade” (Jo 16, 13), sendo ele mesmo “o Espírito de Verdade” (cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13).

Vivemos em uma época na qual as pessoas são céticas em relação à verdade. Bento XVI tem falado muitas vezes do relativismo, da tendência a acreditar que não há nada de definitivo e pensar que a verdade seja dada pelo consentimento ou por aquilo que nós queremos. Surge a pergunta: existe realmente “a” verdade? O que é “a” verdade? Podemos conhecê-la? Podemos encontrá-la? Aqui me vem à mente a pergunta do Procurador romano Pôncio Pilatos quando Jesus lhe revelou o sentido profundo da sua missão: “O que é a verdade?” (Jo 18,37.38). Pilatos não consegue compreender que “a” Verdade está diante dele, não consegue ver em Jesus o rosto da verdade, que é o rosto de Deus. No entanto, Jesus é justamente isso: a Verdade, que, na plenitude dos tempos, “se fez carne” (Jo 1,1.14), veio em meio a nós para que a conhecêssemos. A verdade não é compreendida como uma coisa, a verdade é encontrada. Não é uma possessão, é um encontro com uma Pessoa.

Mas quem nos faz reconhecer que Jesus é “a” Palavra de verdade, o Filho unigênito de Deus Pai? São Paulo ensina que “ninguém pode dizer” Jesus é o Senhor!” senão pela ação do Espírito Santo “(1 Cor 12, 3). É apenas o Espírito Santo, o dom de Cristo Ressuscitado, que nos faz reconhecer a Verdade. Jesus define-o “Paráclito”, ou seja “aquele que vem em nosso auxílio”, que está do nosso lado para sustentar-nos neste caminho de conhecimento; e, durante a Última Ceia, Jesus assegura aos discípulos que o Espírito Santo ensinará todas as coisas, lembrando-lhes as suas palavras (cf. Jo 14,26).

Qual é a ação do Espírito Santo na nossa vida e na vida da Igreja para guiar-nos à verdade? Em primeiro lugar, lembra e imprime nos corações dos crentes as palavras que Jesus disse, e, precisamente por meio de tais palavras, a lei de Deus – como tinham anunciado os profetas do Antigo Testamento – é inscrita no nosso coração e se torna em nós princípio de avaliação nas escolhas e guia nas ações cotidianas, se torna princípio de vida. Realiza-se a grande profecia de Ezequiel: “Eu vos purificarei de todas as vossas impurezas e de todos os vossos ídolos, dar-lhes-ei um coração novo, colocarei dentro de vós um espírito novo… Colocarei o meu espírito dentro de vós e vos farei viver segundo as minhas leis e vos farei observar e colocar em prática os meus preceitos”(36, 25-27). De fato, é do íntimo de nós mesmos que nascem as nossas ações: é precisamente o coração que deve se converter a Deus, e o Espírito Santo o transforma se nós nos abrimos a Ele.

O Espírito Santo, então, como Jesus promete, nos guia “à toda a verdade” (Jo 16, 13); nos guia não somente ao encontro com Jesus, plenitude da Verdade, mas nos guia também “dentro” da Verdade, nos faz entrar em comunhão sempre mais profunda com Jesus, dando-nos inteligência das coisas de Deus. E esta não a podemos conseguir com as nossas forças. Se Deus não nos ilumina interiormente, o nosso ser cristãos será superficial. A Tradição da Igreja afirma que o Espírito de verdade age no nosso coração suscitando aquele “sentido da fé” (sensus fidei) por meio do qual, como afirma o Concílio Vaticano II, o Povo de Deus, sob a guia do Magistério, adere infalivelmente à fé transmitida, aprofunda nela e a aplica mais plenamente na vida (cf. Constituição dogmática. Lumen Gentium, 12). Tentemos perguntar-nos: estou aberto à ação do Espírito Santo, oro para Ele para que me dê luz, me faça mais sensível às coisas de Deus? Esta é uma oração que devemos fazer todos os dias: “Espírito Santo, faça que o meu coração seja aberto à Palavra de Deus, que o meu coração seja aberto ao bem, que o meu coração seja aberto à beleza de Deus todos os dias”. Gostaria de fazer uma pergunta a todos: quantos de vocês rezam a cada dia ao Espírito Santo? Serão poucos, mas temos que cumprir esse desejo de Jesus e orar todos os dias ao Espírito Santo, para que nos abra o coração a Jesus.

Pensemos em Maria que “guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2,19.51). A acolhida das palavras e das verdades da fé para que se tornem vida, se realiza e cresce sob a ação do Espírito Santo. Neste sentido é necessário aprender de Maria, reviver o seu “sim”, a sua disponibilidade total em receber o Filho de Deus na sua vida, que a partir daquele momento se transformou. Por meio do Espírito Santo, o Pai e o Filho fazem sua morada no meio de nós: nós vivemos em Deus e de Deus. Mas a nossa vida é verdadeiramente animada por Deus? Quantas coisas coloco na frente de Deus?

Queridos irmãos e irmãs, precisamos deixar-nos inundar pela luz do Espírito Santo, para que Ele nos introduza na Verdade de Deus, que é o único Senhor da nossa vida. Neste Ano da fé perguntemo-nos se concretamente demos algum passo para conhecer mais a Cristo e as verdades da fé, lendo e meditando a Sagrada Escritura, estudando o Catecismo, aproximando-nos com constância dos Sacramentos. Mas, perguntemo-nos ao mesmo tempo quais passos estamos dando para que a fé oriente toda a nossa existência. Não dá pra ser cristãos “por tempos”, somente em alguns momentos, em algumas circunstâncias, em algumas escolhas. Não dá para ser cristãos assim, cristão se é em todos os momentos! Totalmente! A verdade de Cristo, que o Espírito Santo nos ensina, e nos dá, interessa para sempre e totalmente a nossa vida cotidiana. Invoquemo-lo com mais frequência, para que nos guie no caminho dos discípulos de Cristo. Invoquemo-lo todos os dias. Faço-vos esta proposta: invoquemos todos os dias o Espírito Santo, assim o Espírito Santo nos aproximará de Jesus Cristo.

(Tradução do original italiano por Thácio Siqueira)

Ao final da catequese o Papa dirigiu uma saudação em diversas línguas. Em português disse:

Queridos irmãos e irmãs,

O Espírito Santo guia a Igreja e cada um de nós para a Verdade. Diante de uma época como a nossa, em que impera o relativismo, é importante lembrar que Espírito Santo é Aquele que nos permite encontrar a Verdade. Ter encontro com a Verdade que se fez carne: Jesus Cristo. De fato, a ação do Divino Paráclito consiste em recordar e imprimir no coração dos fiéis as Palavras de Jesus, fazendo com que estas se transformem em princípio e guia da vida cristã. É do íntimo de nós mesmos que nascem as nossas ações; é o coração que deve converter-se a Deus, e o Espírito Santo transforma-o se nos abrirmos a ele. Neste Ano da Fé, somos convidados, seguindo o exemplo de docilidade de Nossa Senhora, a nos deixar inundar pela luz do Espírito Santo, predispondo-nos à Sua ação, buscando conhecer mais a Cristo e as verdades da fé: meditando a Sagrada Escritura, estudando o Catecismo e aproximando-se com mais freqüência dos sacramentos.

Jesus virá para julgar vivos e mortos

Catequese do Papa Francisco na Audiência Geral da quarta-feira.

CIDADE DO VATICANO, 24 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Nesta quarta-feira, o Papa Francisco, em sua habitual catequese semanal continuou aprofundando no Símbolo da fé: o Credo. Com uma praça de São Pedro, mais uma vez, cheia de jovens e peregrinos, o Papa dirigiu-lhes estas palavras:

***

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

No Credo professamos que Jesus “virá novamente na glória para julgar os vivos e os mortos”. A história humana começa com a criação do homem e da mulher à imagem e semelhança de Deus e conclui com o juízo final de Cristo. Muitas vezes esquecemos estes dois pólos da história e, sobretudo, a fé no retorno de Cristo e no juízo final, às vezes não é assim tão clara e forte no coração dos cristãos. Jesus, durante sua vida pública, refletiu muitas vezes na realidade da sua última vinda. Hoje eu gostaria de refletir sobre três textos evangélicos que nos ajudam a entrar neste mistério: o das dez virgens, o dos talentos e o do juízo final. Todos os três fazem parte do discurso de Jesus sobre o fim dos tempos, no Evangelho de São Mateus.

Em primeiro lugar lembremos que, com a Ascensão, o Filho de Deus levou para junto do Pai a nossa humanidade assumida por Ele e quer atrair todos a si, chamar todo o mundo para ser acolhido nos braços abertos de Deus, para que no final da história, toda a realidade seja entregue ao Pai. Há, no entanto, este “tempo imediato” entre a primeira vinda de Cristo e a última, que é precisamente o momento que estamos vivendo. Neste contexto do “tempo imediato” coloca-se a parábola das dez virgens (cf. Mt 25,1-13). São dez jovens que  esperam a chegada do esposo, mas ele atrasa e elas caem no sono. Ao anúncio repentido de que Esposo está chegando, todas se preparam para acolhê-lo, mas enquanto cinco dessas, sábias, têm óleo para alimentar as próprias lâmpadas, as outras, tolas, ficam com as lâmpadas apagadas porque não o têm; e enquanto procuram chega o Esposo e as virgens tolas encontram fechada a porta que leva à festa nupcial. Batem com insistência, mas agora é tarde, o Esposo responde: não vos conheço.

O Esposo é o Senhor, e o tempo de espera da sua chegada é o tempo que Ele nos presenteia, a todos nós, com misericórdia e paciência, antes da sua vinda final; é um tempo de vigilância; tempo em que devemos ter acesas as lâmpadas da fé, da esperança e da caridade, de ter aberto o coração para o bem, para a beleza e para a verdade; tempo de viver segundo Deus, porque não conhecemos nem o dia, nem a hora da volta de Cristo. O único que nos é pedido é estarmos preparados para o encontro – preparados para um encontro, para um lindo encontro, o encontro com Jesus -, que significa saber ver os sinais da sua presença, ter viva a nossa fé, com a oração, com os Sacramentos, ser vigilantes para não dormirmos, para não esquecermos de Deus. A vida dos cristãos adormecidos é uma vida triste, não é uma vida feliz. O cristão deve ser feliz, a alegria de Jesus. Não durmamos!

A segunda parábola, a dos talentos, nos faz refletir sobre a relação entre como empregamos os dons recebidos por Deus e o seu retorno, onde nos pedirá contas de como os temos utilizado (cf. Mt 25, 14-30). Conhecemos bem a parábola: antes de partir, o patrão entrega a cada servo alguns talentos, para que sejam utilizados bem durante a sua ausência. Entregou cinco ao primeiro, dois ao segundo e um ao terceiro. No período da ausência, os primeiros dois servos multiplicam os seus talentos – moedas antigas -, enquanto que o terceiro prefere enterrar o próprio e entregá-lo intacto ao patrão. Ao seu retorno, o patrão julga o seu modo de obrar: louva os dois primeiros, mas o terceiro é lançado nas trevas exteriores, porque escondeu por medo o talento, fechando-se em si mesmo. Um cristão que se fecha em si mesmo, que esconde tudo o que o Senhor lhe deu é um cristão… não é cristão! É um cristão que não agradece a Deus por tudo o que Ele lhe deu! Isso nos diz que a espera da volta do Senhor é o tempo da ação – nós estamos no tempo da ação -, o tempo de frutificar os dons de Deus não para nós mesmos, mas para Ele, para a Igreja, para os outros, o tempo de fazer sempre crescer o bem no mundo. E especialmente neste tempo de crise, hoje, é importante não fechar-se em si mesmo, enterrando o próprio talento, as próprias riquezas espirituais, intelectuais, materiais, tudo o que o Senhor nos deu, mas abrir-se, ser solidários, ter cuidado com o outro.  Na praça, vi que há muitos jovens hoje: é verdade, isso? Há muitos jovens? Onde estão? A vocês, que estão no início do caminho da vida, pergunto: pensaram nos talentos que Deus lhes deu? Pensaram em como colocá-los ao serviço dos outros? Não enterrem os talentos! Apostem em grandes ideais, aqueles ideais que ampliam o coração, aqueles ideais de serviço que farão frutificar os vossos talentos. A vida não nos foi dada para a conservarmos cuidadosamente para nós mesmos, mas nos foi dada para que a entreguemos. Caros jovens, tenham um ânimo grande! Não tenham medo de sonhar coisas grandes!

Finalmente, uma palavra sobre o juízo final, no qual se descreve a segunda vinda do Senhor, quando Ele julgará todos os seres humanos, vivos e mortos (cf. Mt 25, 31-46). A imagem usada pelo evangelista é a do pastor que separa as ovelhas dos cabritos. À direita são colocados aqueles que agiram de acordo com a vontade de Deus, socorrendo o próximo faminto, com sede, estrangeiro, nú, doente, preso – disse “estrangeiro”: penso em tantos estrangeiros que estão aqui na diocese de Roma: o que fazemos por eles? – enquanto à esquerda vão aqueles que não socorreram o próximo. Isso nos diz que seremos julgados por Deus sobre a caridade, sobre como o amamos nos nossos irmãos, especialmente nos mais frágeis e necessitados. É claro, devemos sempre ter em mente que somos justificados, somos salvos pela graça, por um ato de amor gratuito de Deus que sempre nos precede; sozinhos, não podemos fazer nada. A fé é principalmente um dom que nós recebemos. Mas para dar frutos, a graça de Deus requer sempre a nossa abertura a Ele, a nossa resposta livre e concreta. Cristo vem para levar-nos à misericórdia de Deus que salva. O único que nos é pedido é confiar Nele, corresponder ao dom do seu amor com uma vida boa, feita de ações animadas pela fé e pelo amor.

Queridos irmãos e irmãs, que olhar para o juízo final nunca nos dê medo; mas nos leve a viver melhor o presente. Deus nos oferece com misericórdia e paciência este tempo para que aprendamos a reconhecê-lo a cada dia nos pobres e nos pequenos, nos comprometamos pelo bem e sejamos vigilantes na oração e no amor. O Senhor, no final da nossa existência e da história, possa reconhecer-nos como servos bons e fieis. Obrigado.

[Tradução do italiano por Thácio Siqueira]

“A Ascensão não indica a ausência de Jesus, mas nos diz que Ele está vivo no meio de nós”

Catequese do Papa Francisco na Audiência Geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, 17 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Na audiência geral desta quarta-feira, o Papa continuou com o tema das catequeses dedicadas ao Credo, no Ano da Fé. Com milhares de fieis reunidos na Praça de São Pedro, depois de cumprimentar e abençoar os assistentes, no jeep branco, Francisco comentou a verdade de fé de que Cristo “subiu ao céu e está sentado à direita do Pai”. Oferecemos as palavras do santo padre:

***

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

No Credo, nós encontramos a afirmação de que Jesus “subiu ao céu, sentou à direita do Pai”. A vida terrena de Jesus culmina com o evento da Ascensão, que é quando Ele passa deste mundo ao Pai, e é levantado à sua direita. Qual é o significado deste evento? Quais são as consequências para a nossa vida? O que significa contemplar Jesus sentado à direita do Pai? Deixemo-nos guiar pelo evangelista Lucas.

Começamos a partir do momento em que Jesus decide embarcar na sua última peregrinação a Jerusalém. São Lucas nota: “Quando se completaram os dias de sua assunção, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém” (Lc 9, 51). Enquanto “sobe” para a Cidade Santa, onde cumprir-se-á o seu “êxito” desta vida, Jesus já vê a meta, o Céu, mas sabe bem que o caminho que o leva à glória do Pai passa por meio da Cruz, por meio da obediência ao plano divino de amor pela humanidade. O Catecismo da Igreja Católica afirma que “a elevação na Cruz significa e anuncia a elevação da Ascensão ao céu” (n. 662). Também nós temos que ter claro, na nossa vida cristã, que entrar na glória de Deus exige a fidelidade cotidiana à sua vontade, também quando requer sacrifício, requer às vezes mudar os nossos programas. A Ascensão de Jesus concretamente acontece no Monte das Oliveiras, perto do lugar onde tinha se retirado em oração antes da paixão para permanecer em profunda união com o Pai: mais uma vez vemos que a oração nos dá a graça de viver fieis ao projeto de Deus.

No final do seu Evangelho, São Lucas narra o evento da Ascensão de forma muito sintética. Jesus levou  os discípulos “até Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. E enquanto os abençoava, distanciou-se deles e era elevado ao céu. Eles ficaram prostrados diante dele, e depois voltaram a Jerusalém com grande alegria, e estavam continuamente no Templo, louvando a Deus”. (24,50-53); assim fala São Lucas. Gostaria de destacar dois elementos da narrativa.

Em primeiro lugar, durante a Ascensão Jesus realiza o gesto sacerdotal da benção e certamente os discípulos expressam a sua fé com a prostração, ajoelham-se enclinando a cabeça. Este é um primeiro ponto importante: Jesus é o único e eterno Sacerdote que com a sua paixão atravessou a morte e o túmulo e ressuscitou e subiu ao Céu; está junto do Pai, onde intercede para sempre em nosso favor (cf. Hb 9,24). Como São João afirma em sua Primeira Epístola Ele é o nosso advogado: que bom ouvir isso! Quando alguém é intimado por um juiz ou é processado, a primeira coisa que faz é buscar um advogado para que o defenda. Nós temos um, que nos defende sempre, nos defende das ciladas do demônio, nos defende de nós mesmos, de nossos pecados! Queridos irmãos e irmãs, temos este advogado: não tenhamos medo de ir até Ele para pedir perdão, para pedir a benção, para pedir misericórdia! Ele nos perdoa sempre, é o nosso advogado: nos defende sempre! Não se esqueçam disso! A Ascensão de Jesus ao Céu nos faz conhecer então esta realidade tão consoladora para o nosso caminho: em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a nossa humanidade foi levada para junto de Deus; Ele nos abriu a passagem; Ele é como o Primeiro de cordada ao escalar uma montanha, que chegou ao topo e nos atrai para si, conduzindo-nos a Deus. Se confiamos a Ele a nossa vida, se nos deixamos guiar por Ele tenhamos certeza de estar em boas mãos, nas mãos do nosso salvador, do nosso advogado.

Um segundo elemento: São Lucas menciona que os apóstolos, depois de verem Jesus subir ao céu, voltaram a Jerusalém “com grande alegria”. Isto parece um pouco estranho. No geral quando somos separados dos nossos familiares, dos nossos amigos, por causa de uma partida definitiva e sobretudo por causa da morte, há em nós uma tristeza natural, porque não veremos mais o seus rostos, não escutaremos mais as suas vozes, não poderemos mais desfrutar do afeto deles, da presença deles. Em vez disso, o evangelista ressalta a profunda alegria dos Apóstolos. Mas por quê? Porque, com os olhos da fé, eles entendem que, apesar de tirado dos seus olhos, não os abandona e, na glória do Pai, sustenta-os, guia-os e intercede por eles.

São Lucas narra o fato da Ascensão também no começo dos Atos dos Apóstolos, para enfatizar que este evento é como o anel que envolve e conecta a vida terrena de Jesus com a da Igreja. Aqui São Lucas também menciona a nuvem que tirou Jesus da vista dos discípulos, os quais permanecem contemplando o Cristo que ascende para junto de Deus (cf. At 1, 9-10). Intervêm então dois homens vestidos de branco que os convida a não permanecerem imóveis olhando para o céu, mas que alimentem as suas vidas e o seu testemunho com a certeza de que Jesus voltará do mesmo modo como o viram subir ao céu (Atos 1, 10-11). É um convite a partir da contemplação do Senhorio de Cristo, para receber dele a força de levar e testemunhar o Evangelho na vida de todos os dias:contemplare e agire, ora et labora ensina São Bento, ambos são necessários para as nossas vidas de cristãos.

Queridos irmãos e irmãs, a Ascensão não indica a ausência de Jesus, mas nos diz que Ele está vivo no meio de nós; não está mais num lugar específico do mundo como estava antes da Ascensão; agora está no Senhorio de Deus, presente em todos os lugares e tempos, perto de cada um de nós. Na nossa vida nunca estamos a sós: temos este advogado que nos espera, que nos protege. Nunca estamos sozinho: o Senhor crucificado e ressuscitado nos guia; conosco estão muitos irmãos e irmãs que no silêncio e no escondimento, na sua vida de família e de trabalho, nos seus problemas e dificuldades, nas suas alegrias e esperanças, vivem cotidianamente a fé e levam, junto conosco, ao mundo o senhorio do amor de Deus, em Cristo Jesus ressuscitado, ascendido ao Céu, nosso advogado. Obrigado.

[Traduzido do original por Thácio Siqueira]

O significado da ressurreição para as nossas vidas

Catequese do Papa Francisco na Audiência Geral da quarta-feira. Texto integral


CIDADE DO VATICANO, 10 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Publicamos a seguir a catequese semanal do Papa Francisco durante a habitual Audiência Geral da quarta-feira, realizada hoje na Praça de São Pedro.

***

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Na última catequese falamos sobre o evento da Ressurreição de Jesus, no qual as mulheres tiveram um papel especial. Hoje gostaria de refletir sobre o seu significado salvífico. O que significa para as nossas vidas a Ressurreição? E por que a nossa fé é vã sem ela? A nossa fé se fundamenta na Morte e Ressurreição de Cristo, assim como uma casa que se apoia nos seus alicerces: se desabarem os alicerces, toda a casa cai. Na cruz, Jesus ofereceu a si mesmo tomando sobre si os nossos pecados e descendo ao abismo da morte, e na Ressurreição os venceu, os tirou e nos abriu o caminho para renascer a uma vida nova. São Pedro o expressa resumidamente no começo da sua Primeira Carta, como já ouvimos: “Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, em sua grande misericórdia, nos gerou de novo, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para a esperança viva, para a herança incorruptível, imaculada e imarcescível” (1,3-4).

O Apóstolo nos diz que com a Ressurreição de Jesus algo novo acontece: somos libertos da escravidão do pecado e nos tornamos filhos de Deus, somos gerados a uma nova vida. Quando é que isso se realiza para nós? No sacramento do Batismo. Antigamente, ele era recebido por imersão. Aquele que seria batizado descia na grande banheira do Batistério, deixando as suas roupas, e o Bispo ou o sacerdote derramava-lhe por três vezes a água sobre a cabeça, batizando-o em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Depois o batizado saia da banheira e colocava uma veste nova, branca: ou seja, tinha nascido para uma vida nova, mergulhando na Morte e Ressurreição de Cristo. Tinha se tornado filho de Deus. São Paulo na Carta aos Romanos escreve: vós “recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pai!” (Rm 8,15). É o Espírito que recebemos no batismo que nos ensina, nos leva a dizer a Deus: “Pai”, ou melhor, “Abba!”, que significa “papai”. Assim é o nosso Deus: é um papai para nós. O Espírito Santo realiza em nós esta nova condição de filhos de Deus. E isso é o maior dom que recebemos do Mistério pascal de Jesus. E Deus nos trata como filhos, nos compreende, nos perdoa, nos abraça, nos ama, mesmo quando cometemos erros. Já no Antigo Testamento, o profeta Isaías afirmava que mesmo que uma mãe esquecesse do filho, Deus não se esquece jamais de nós, em nenhum momento (cf. 49:15). E isso é lindo!

No entanto, esta relação filial com Deus não é como um tesouro que conservamos em um canto da nossa vida, mas deve crescer, deve ser alimentada todos os dias com a escuta da Palavra de Deus, a oração, a participação nos sacramentos, especialmente da Penitência e da Eucaristia, e a caridade. Nós podemos viver como filhos! E esta é a nossa dignidade – nós temos a dignidade dos filhos. Comportar-nos como verdadeiros filhos! Isso quer dizer que a cada dia devemos deixar que Cristo nos transforme e nos faça como Ele; quer dizer buscar viver como cristãos, buscar segui-lo, mesmo que vejamos os nossos limites e as nossas fraquezas. A tentação de deixar Deus de lado para colocar-nos no centro está sempre às portas e a experiência do pecado fere a nossa vida cristã, o nosso ser filhos de Deus. Por isso devemos ter a coragem da fé e não deixar-nos levar pela mentalidade que nos fala: “Deus não é necessário, não é importante para você”, e assim por diante. É exatamente o contrário: só comportando-nos como filhos de Deus, sem  desencorajar-nos por causa das nossas quedas, pelos nossos pecados, sentindo-nos amados por Ele, a nossa vida será nova, animada pela serenidade e pela alegria. Deus é a nossa força! Deus é a nossa esperança!

Queridos irmãos e irmãs, devemos ter bem firmes para nós esta esperança e devemos ser um sinal visível, claro, luminoso para todos. O Senhor Ressuscitado é a esperança que nunca falha, que não decepciona (Rm 5,5). A esperança não decepciona. Aquela do Senhor! Quantas vezes na nossa vida as esperanças desaparecem, quantas vezes as expectativas que levamos no coração não se realizam! A nossa esperança de cristãos é forte, segura, sólida nesta terra, onde Deus nos chamou para caminhar, e está aberta para a eternidade, porque está fundamentada em Deus, que sempre é fiel; Deus sempre é fiel conosco. Que Ressuscitar com Cristo por meio do Batismo, com o dom da fé, para uma herança que não se corrompe, nos leve a buscar mais as coisas de Deus, a pensar mais Nele, a orar mais. Ser cristãos não se reduz a seguir alguns mandamentos, mas quer dizer ser em Cristo, pensar como Ele, agir como Ele, amar como Ele; é deixar que Ele tome posse da nossa vida e a transforme, a liberte das trevas do mal e do pecado.

Queridos irmãos e irmãs, para aqueles que nos pedem razão da esperança que está em nós (cf. 1 Pd 3,15), indicamos o Cristo Ressuscitado. O indicamos com a proclamação da Palavra, mas especialmente com a nossa vida de ressuscitados. Mostremos a alegria de ser filhos de Deus, a liberdade que nos traz o viver em Cristo, que é a verdadeira liberdade, aquela que nos salva da escravidão do mal, do pecado, da morte! Olhemos para a Pátria celestial, teremos uma nova luz e força também no nosso compromisso e nas nossa fadigas cotidianas. É um serviço precioso, que devemos dar a este mundo, que muitas vezes não consegue mais levantar o olhar para o alto, não consegue mais levantar o olhar para Deus.

[Tradução Thácio Siqueira]

[Depois da audiência cumprimentou os peregrinos de língua portuguesa:]

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa, em particular os grupos vindos de Coimbra e de São José do Rio Preto. A todos agradeço pela presença, desejando a cada um que possa crescer sempre mais na vida nova de ressuscitados que Cristo nos conquistou. Que Deus vos abençoe!

O coração da nossa esperança é a morte e a ressurreição de Jesus

Catequese do Papa Francisco na segunda Audiência Geral do pontificado

 

ROMA, 03 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Na sua segunda Audiência geral, com uma Praça de São Pedro amarrotada de fieis, o santo padre Francisco retomou as catequeses do Ano da Fé, começadas pelo seu predecessor Bento XVI. A ocasião foi propícia para explicar a força da mensagem que contém o artigo de fé sobre a ressurreição de Cristo. Oferecemos aos nossos leitores a tradução de ZENIT do original italiano do Papa.

***

Queridos irmãos e irmãs,

Bom dia,

hoje voltamos às catequeses sobre o Ano da fé. No Credo repetimos esta expressão: “ressuscitou no terceiro dia segundo as Escrituras”. E é este o evento que estamos celebrando: a Ressurreição de Jesus, centro da mensagem cristã, ecoado desde o princípio e transmitido para que chegasse até nós. São Paulo escreve aos cristãos de Corinto: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi; Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas e depois aos Doze” (1 Cor 15, 3-5). Esta breve confissão de fé anuncia justamente o Mistério Pascal, com as primeiras aparições do Ressuscitado a Pedro e aos Doze: a Morte e a Ressurreição de Jesus são o coração da nossa esperança. Sem esta fé na morte e na ressurreição de Jesus a nossa esperança será fraca, mas não será nem sequer esperança, e o coração da nossa esperança é a morte e a ressurreição de Jesus. O Apóstolo afirma: “Se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé; ainda estais nos vossos pecados” (v. 17). Infelizmente, muitas vezes procurou-se obscurecer a fé na Ressurreição de Jesus, e também entre os mesmos crentes insinuaram-se dúvidas. Um pouco aquela fé “água com açucar”, como dizemos; não é a fé forte. E isso por superficialidade, às vezes por indiferença, ocupados por várias coisas que são consideradas mais importantes do que a fé, ou também por uma visão só horizontal da vida. Mas, é justamente a Ressurreição que nos abre à esperança maior, porque abre a nossa vida e a vida do mundo ao futuro eterno de Deus, à felicidade plena, à certeza de que o mal, o pecado, a morte podem ser vencidos. E isto leva a viver com mais confiança as realidades cotidianas, enfrentá-las com coragem e com compromisso. A Ressurreição de Cristo ilumina com uma nova luz estas realidades cotidianas. A Ressurreição de Cristo é a nossa força!

Mas como é que nos foi transmitida a verdade de fé da Ressurreição de Cristo? Há dois tipos de testemunhos no Novo Testamento: alguns estão na forma de profissão de fé, ou seja, de fórmulas sintéticas que mostram o núcleo da fé; outros, pelo contrário, estão na forma de narração do evento da Ressurreição e dos fatos ligados a ela. A primeira: a forma da profissão de fé, por exemplo, é aquela que acabamos de escutar, como também aquela da Carta aos Romanos na qual São Paulo escreve: “Porque, se confessares com tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (10, 9). Desde os primeiros passos da Igreja é bem sólida e clara a fé no Mistério da Morte e Ressurreição de Jesus. Hoje, porém, gostaria de deter-me na segunda, nos testemunhos como forma de narração, que encontramos nos Evangelhos. Em primeiro lugar notemos que as primeiros testemunhas deste evento foram as mulheres. Na aurora, elas vão até o sepulcro para ungir o corpo de Jesus, e encontram o primeiro sinal: o túmulo vazio (Mc 16,1). Depois continua o encontro com um Mensageiro de Deus que anuncia: Jesus de Nazaré, o Crucificado, não está aqui, ressuscitou (cf. vv 5-6.). As mulheres são movidas pelo amor e sabem acolher este anúncio com fé: crêem, e rapidamente o transmitem, não o guardam para si, transmitem-no. A alegria de saber que Jesus está vivo, a esperança que enche o coração, não pode ser contida. Isto também deveria acontecer na nossa vida. Sentimos a alegria de ser cristãos! Nós cremos num Ressuscitado que venceu o mal e a morte! Temos a coragem de “sair” para levar essa alegria e essa luz a todos os lugares da nossa vida”. A Ressurreição de Cristo é a nossa maior certeza; é o tesouro mais precioso! Como não compartilhar com os outros esse tesouro, essa certeza? Não é só para nós, é para transmití-la, para dar aos outros, compartilhar com os outros. É é o nosso testemunho.

Um outro elemento. Nas profissões de fé do Novo Testamento, como testemunhas da Ressurreição são lembrados somente homens, os Apóstolos, mas não as mulheres. Isto porque, de acordo com a lei judaica da época, as mulheres e as crianças não podiam dar um testemunho confiável, credível. Nos Evangelhos, no entanto, as mulheres têm um papel primordial, fundamental. Aqui podemos captar um elemento a favor da historicidade da Ressurreição: se fosse um fato inventado, no contexto daquela época não teria sido ligado ao testemunho das mulheres. Os evangelistas pelo contrário narram simplesmente o que aconteceu: as mulheres são as primeiras testemunhas. Isso diz que Deus não escolhe de acordo com os critério humanos: as primeiras testemunhas do nascimento de Jesus são os pastores, gente simples e humilde; as primeiras testemunhas da Ressurreição são as mulheres. E isso é bonito. E essa é um pouco a missão das mulheres: das mães, das mulheres! Dar testemunho aos filhos, aos netos, que Jesus está vivo, é o vivente, ressuscitou.

Mães e mulheres, adiante com este testemunho! Para Deus o que conta é o coração, o quanto estamos abertos à Ele, se somos como as crianças que confiam. Mas isso nos faz refletir também sobre como as mulheres, na Igreja e no caminho de fé, tenham tido e também hoje o tenham, um papel especial no abrir as portas para o Senhor, no seguí-lo e no comunicar o seu Rosto, porque o olhar de fé tem sempre necessidade do olhar simples e profundo do amor. Os Apóstolos e os discípulos têm mais dificuldades para crer. As mulheres não. Pedro corre ao sepulcuro, mas fica parado diante do túmulo vazio; Tomé tem que tocar com as suas mãos as feridas do corpo de Jesus. Também no nosso caminho de fé é importante saber e sentir que Deus nos ama, não ter medo de amá-lo: a fé se professa com a boca e com o coração, com a palavra e com o amor.

Depois das aparições às mulheres, acontecem outras: Jesus se faz presente de um modo novo: é o Crucificado, mas o seu corpo é glorioso; não voltou à vida terrena, mas numa nova condição. No começo não o reconhecem, e somente por meio das suas palavras e dos seus gestos que os olhos se abrem: o encontro com o Ressuscitado transforma, dá uma nova força à fé, um fundamento inabalável. Também para nós há tantos sinais em que o Ressuscitado se deixa reconhecer: a Sagrada Escritura, a Eucaristia, os outros sacramentos, a caridade, aqueles gestos de amor que trazem um raio do Ressuscitado. Deixemo-nos iluminar pela Ressurreição de Cristo, deixemo-nos transformar pela sua força, para que também através de nós os sinais de morte no mundo cedam o lugar aos sinais de vida. Vi que a praça está cheia de jovens. Eis aí! Digo a vocês: Levem adiante esta certeza: o Senhor está vivo e caminha ao nosso lado na vida. Esta é a missão de vocês! Levar adiante esta esperança. Estejam ancorados nessa esperança: esta âncora que está no céu; segurem forte a corda, estejam ancorados e levem adiante a esperança. Vocês, testemunhas de Jesus, levem adiante o testemunho de que Jesus está vivo e isto lhes dará esperança, dará esperança a este mundo um pouco envelhecido pelas guerras, pelo mal, pelo pecado. Adiante jovens!

“A Palavra de verdade do Evangelho é a força da Igreja, é a sua vida”

As palavras de Bento XVI na última Audiência Geral do seu pontificado

ROMA, 27 de Fevereiro de 2013 (Zenit.org) – Publicamos a seguir as palavras de Bento XVI dirigidas aos fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro na última Audiência Geral do seu pontificado.

Venerados irmãos no Episcopado e no Sacerdócio!

Ilustres Autoridades!
Queridos irmãos e irmãs!

Agradeço-vos por terem vindo em tão grande número para esta minha última Audiência geral.

Obrigado de coração! Estou realmente tocado! E vejo a Igreja viva! E penso que devemos também dizer um obrigado ao Criador pelo tempo belo que nos doa agora ainda no inverno.

Como o apóstolo Paulo no texto bíblico que ouvimos, também eu sinto no meu coração o dever de agradecer sobretudo a Deus, que guia e faz crescer a Igreja, que semeia a sua Palavra e assim alimenta a fé no seu Povo. Neste momento a minha alma se expande para abraçar toda a Igreja espalhada no mundo; e dou graças a Deus pelas “notícias” que nestes anos do ministério petrino pude receber sobre a fé no Senhor Jesus Cristo, e da caridade que circula realmente no Corpo da Igreja e o faz viver no amor, e da esperança que nos abre e nos orienta para a vida em plenitude, rumo à pátria do Céu.

Sinto levar todos na oração, um presente que é aquele de Deus, onde acolho em cada encontro, cada viagem, cada visita pastoral. Tudo e todos acolho na oração para confiá-los ao Senhor: para que tenhamos plena consciência da sua vontade, com toda sabedoria e inteligência espiritual, e para que possamos agir de maneira digna a Ele, ao seu amor, levando frutos em cada boa obra (cfr Col 1,9-10).

Neste momento, há em mim uma grande confiança, porque sei, todos nós sabemos, que a Palavra de verdade do Evangelho é a força da Igreja, é a sua vida. O Evangelho purifica e renova, traz frutos, onde quer que a comunidade de crentes o escuta e acolhe a graça de Deus na verdade e vive na caridade. Esta é a minha confiança, esta é a minha alegria.

Quando, em 19 de abril há quase oito anos, aceitei assumir o ministério petrino, tive a firme certeza que sempre me acompanhou: esta certeza da vida da Igreja, da Palavra de Deus. Naquele momento, como já expressei muitas vezes, as palavras que ressoaram no meu coração foram: Senhor, porque me pedes isto e o que me pede? É um peso grande este que me coloca sobre as costas, mas se Tu lo me pedes, sobre tua palavra lançarei as redes, seguro de que Tu me guiarás, mesmo com todas as minhas fraquezas. E oito anos depois posso dizer que o Senhor me guiou, esteve próximo a mim, pude perceber cotidianamente a sua presença. Foi uma parte do caminho da Igreja que teve momentos de alegria e de luz, mas também momentos não fáceis; senti-me como São Pedro com os Apóstolos na barca no mar da Galileia: o Senhor nos doou tantos dias de sol e de leve brisa, dias no qual a pesca foi abundante; houve momentos também nos quais as águas eram agitadas e o vento contrário, como em toda a história da Igreja, e o Senhor parecia dormir. Mas sempre soube que naquela barca está o Senhor e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas é Sua. E o Senhor não a deixa afundar; é Ele que a conduz, certamente também através dos homens que escolheu, porque assim quis. Esta foi e é uma certeza, que nada pode ofuscá-la. E é por isto que hoje o meu coração está cheio de agradecimento a Deus porque não fez nunca faltar a toda a Igreja e também a mim o seu consolo, a sua luz, o seu amor.

Estamos no Ano da Fé, que desejei para reforçar propriamente a nossa fé em Deus em um contexto que parece colocá-Lo sempre mais em segundo plano. Gostaria de convidar todos a renovar a firme confiança no Senhor, a confiar-nos como crianças nos braços de Deus, certo de que aqueles braços nos sustentam sempre e são aquilo que nos permite caminhar a cada dia, mesmo no cansaço. Gostaria que cada um se sentisse amado por aquele Deus que doou o seu Filho por nós e que nos mostrou o seu amor sem limites. Gostaria que cada um sentisse a alegria de ser cristão. Em uma bela oração para recitar-se cotidianamente de manhã se diz: “Adoro-te, meu Deus, e te amo com todo o coração. Agradeço-te por ter me criado, feito cristão…”. Sim, somos contentes pelo dom da fé; é o bem mais precioso, que ninguém pode nos tirar! Agradeçamos ao Senhor por isto todos os dias, com a oração e com uma vida cristã coerente. Deus nos ama, mas espera que nós também o amemos!

Mas não é somente a Deus que quero agradecer neste momento. Um Papa não está sozinho na guia da barca de Pedro, mesmo que seja a sua primeira responsabilidade. Eu nunca me senti sozinho no levar a alegria e o peso do ministério petrino; o Senhor colocou tantas pessoas que, com generosidade e amor a Deus e à Igreja, ajudaram-me e foram próximas a mim. Antes de tudo vós, queridos Cardeais: a vossa sabedoria, os vossos conselhos, a vossa amizade foram preciosos para mim; os meus Colaboradores, a começar pelo meu Secretário de Estado que me acompanhou com fidelidade nestes anos; a Secretaria de Estado e toda a Cúria Romana, como também todos aqueles que, nos vários setores, prestaram o seu serviço à Santa Sé: são muitas faces que não aparecem, permanecem na sombra, mas propriamente no silêncio, na dedicação cotidiana, com espírito de fé e humildade foram para mim um apoio seguro e confiável. Um pensamento especial à Igreja de Roma, a minha Diocese! Não posso esquecer os Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, as pessoas consagradas e todo o Povo de Deus: nas visitas pastorais, nos encontros, nas audiências, nas viagens, sempre percebi grande atenção e profundo afeto; mas também eu quis bem a todos e a cada um, sem distinções, com aquela caridade pastoral que é o coração de cada Pastor, sobretudo do Bispo de Roma, do Sucessor do Apóstolo Pedro. Em cada dia levei cada um de vós na oração, com o coração de pai.

Gostaria que a minha saudação e o meu agradecimento alcançasse todos: o coração de um Papa se expande ao mundo inteiro. E gostaria de expressar a minha gratidão ao Corpo diplomático junto à Santa Sé, que torna presente a grande família das Nações. Aqui penso também em todos aqueles que trabalham para uma boa comunicação, a quem agradeço pelo seu importante serviço.

Neste ponto gostaria de agradecer verdadeiramente de coração todas as numerosas pessoas em todo o mundo, que nas últimas semanas me enviaram sinais comoventes de atenção, de amizade e de oração. Sim, o Papa não está nunca sozinho, agora experimento isso mais uma vez de um modo tão grande que toca o coração. O Papa pertence a todos e tantas pessoas se sentem muito próximas a ele. É verdade que recebo cartas dos grandes do mundo – dos Chefes de Estado, dos Líderes religiosos, de representantes do mundo da cultura, etc. Mas recebo muitas cartas de pessoas simples que me escrevem simplesmente do seu coração e me fazem sentir o seu afeto, que nasce do estar junto com Cristo Jesus, na Igreja. Estas pessoas não me escrevem como se escreve, por exemplo, a um príncipe ou a um grande que não se conhece. Escrevem-me como irmãos e irmãs ou como filhos e filhas, com o sentido de uma ligação familiar muito afetuosa. Aqui pode se tocar com a mão o que é a Igreja – não uma organização, uma associação para fins religiosos ou humanitários, mas um corpo vivo, uma comunhão de irmãos e irmãs no Corpo de Jesus Cristo, que une todos nós. Experimentar a Igreja deste modo e poder quase tocar com as mãos a força da sua verdade e do seu amor é motivo de alegria, em um tempo no qual tantos falam do seu declínio. Mas vejamos como a Igreja é viva hoje!

Nestes últimos meses, senti que as minhas forças estavam diminuindo e pedi a Deus com insistência, na oração, para iluminar-me com a sua luz para fazer-me tomar a decisão mais justa não para o meu bem, mas para o bem da Igreja. Dei este passo na plena consciência da sua gravidade e também inovação, mas com profunda serenidade na alma. Amar a Igreja significa também ter coragem de fazer escolhas difíceis, sofrer, tendo sempre em vista o bem da Igreja e não de si próprio.

Aqui, permitam-me voltar mais uma vez a 19 de abril de 2005. A gravidade da decisão foi propriamente no fato de que daquele momento em diante eu estava empenhado sempre e para sempre no Senhor. Sempre – quem assume o ministério petrino já não tem mais privacidade alguma. Pertence sempre e totalmente a todos, a toda a Igreja. Sua vida vem, por assim dizer, totalmente privada da dimensão privada. Pude experimentar, e o experimento precisamente agora, que se recebe a própria vida quando a doa. Antes disse que muitas pessoas que amam o Senhor amam também o Sucessor de São Pedro e estão afeiçoadas a ele; que o Papa tem verdadeiramente irmãos e irmãs, filhos e filhas em todo o mundo, e que se sente seguro no abraço da vossa comunhão; porque não pertence mais a si mesmo, pertence a todos e todos pertencem a ele.

O “sempre” é também um “para sempre” – não há mais um retornar ao privado. A minha decisão de renunciar ao exercício ativo do ministério não revoga isto. Não retorno à vida privada, a uma vida de viagens, encontros, recepções, conferências, etc. Não abandono a cruz, mas estou de modo novo junto ao Senhor Crucificado. Não carrego mais o poder do ofício para o governo da Igreja, mas no serviço da oração estou, por assim dizer, no recinto de São Pedro. São Bento, cujo nome levo como Papa, será pra mim de grande exemplo nisto. Ele nos mostrou o caminho para uma vida que, ativa ou passiva, pertence totalmente à obra de Deus.

Agradeço a todos e a cada um também pelo respeito e pela compreensão com o qual me acolheram nesta decisão tão importante. Continuarei a acompanhar o caminho da Igreja com a oração e a reflexão, com aquela dedicação ao Senhor e à sua Esposa que busquei viver até agora a cada dia e que quero viver sempre. Peço-vos para lembrarem-se de mim diante de Deus e, sobretudo, para rezar pelo Cardeais, chamados a uma tarefa tão importante, e pelo novo Sucessor do Apóstolo Pedro: o Senhor o acompanhe com a sua luz e a força do seu Espírito.

Invoquemos a materna intercessão da Virgem Maria Mãe de Deus e da Igreja para que acompanhe cada um de nós e toda a comunidade eclesial; a ela nos confiemos, com profunda confiança.

Queridos amigos! Deus guia a sua Igreja, a apoia mesmo e sobretudo nos momentos difíceis. Não percamos nunca esta visão de fé, que é a única verdadeira visão do caminho da Igreja e do mundo. No nosso coração, no coração de cada um de vós, haja sempre a alegre certeza de que o Senhor está ao nosso lado, não nos abandona, está próximo a nós e nos acolhe com o seu amor. Obrigado!

(Tradução:CN noticias)

Superar a tentação de submeter Deus a si e aos próprios interesses

As palavras de Bento XVI na Audiência Geral desta quarta-feira

 

CIDADE DO VATICANO, 13 de Fevereiro de 2013 (Zenit.org) – Queridos irmãos e irmãs,

Hoje, Quarta-feira de Cinzas, iniciamos o tempo litúrgico da Quaresma, quarenta dias que nos preparam para a celebração da Santa Páscoa; é um tempo de particular empenho em nosso caminho espiritual. O número quarenta aparece várias vezes na Sagrada Escritura. Em particular, como se sabe, recorda os quarenta anos no qual o povo de Israel peregrinou no deserto: um longo período de formação para transformar o povo de Deus, mas também um longo período em que a tentação de ser infiel à aliança com Deus estava sempre presente. Quarenta foram também os dias de caminhada do profeta Elias para chegar ao Monte de Deus, Horeb; bem como o tempoem que Jesuspassou no deserto antes de iniciar a sua vida pública e onde foi tentado pelo diabo. Na catequese de hoje gostaria de deter-me neste momento da vida terrena do Senhor, que leremos no Evangelho do próximo domingo.

Antes de tudo, o deserto, para onde Jesus se retira, é o lugar do silêncio, da pobreza, onde o homem é privado dos apoios materiais e se encontra diante das questões fundamentais da existência, é convidado a ir ao essencial e por isto lhe é mais fácil encontrar a Deus. Mas o deserto é também o lugar de morte, porque onde não tem água, não tem vida, é o lugar da solidão, onde o homem sente mais intensamente a tentação. Jesus vai para o deserto e lá é tentado a deixar o caminho indicado pelo Pai para seguir outros caminhos mais fáceis e mundanos (cf. Lc 4,1-13). Assim, Ele assume as nossas tentações, leva consigo a nossa miséria, para vencer o maligno e para abrir-nos o caminho para Deus, o caminho da conversão.

Refletir sobre as tentações sofridas por Jesus no deserto é um convite para cada um de nós a responder uma pergunta fundamental: o que é realmente importante na minha vida? Na primeira tentação o diabo propõe a Jesus transformar uma pedra em pão para acabar com a fome. Jesus responde que o homem vive também de pão, mas não somente de pão: sem uma resposta à fome da verdade, à fome de Deus, o homem não pode ser salvo (cf. vv 3-4.). Na segunda tentação, o diabo propõe a Jesus o caminho do poder: o conduz ao alto e lhe oferece o domínio sobre o mundo; mas este não é o caminho de Deus: Jesus tem muito claro que não é o poder mundano que salva o mundo, mas o poder da cruz, da humildade, do amor (cf. vv. 5-8). Na terceira tentação, o diabo propõe a Jesus atirar-se do ponto mais alto do Templo de Jerusalém e fazer-se salvar por Deus mediante seus anjos, isto é, de fazer algo de sensacional para colocar à prova o próprio Deus; mas a resposta é que Deus não é um objeto ao qual impor as nossas condições: é o Senhor de tudo (cf. vv 9-12.). Qual é o núcleo das três tentações que Jesus sofre? É a proposta de manipular a Deus, de usá-Lo para os próprios interesses, para a própria glória e para o próprio sucesso. Então, essencialmente, de colocar a si mesmo no lugar de Deus, retirando-O da própria existência e fazendo-O parecer supérfluo. Cada um deveria perguntar-se: qual é o lugar de Deus na minha vida? É Ele é o Senhor ou sou eu?

Superar a tentação de submeter Deus a si e aos próprios interesses ou colocá-Lo em um canto e converter-se à ordem correta de prioridade, dar a Deus o primeiro lugar, é um caminho que todo cristão deve percorrer sempre de novo. “Converter-se”, um convite que escutamos muitas vezes na Quaresma, significa seguir Jesus de modo que o seu Evangelho seja guia concreto da vida; significa deixar que Deus nos transforme, parar de pensar que somos os únicos construtores da nossa existência; é reconhecer que somos criaturas, que dependemos de Deus, do seu amor, e apenas “perdendo” a nossa vida Nele podemos ganhá-la. Isto exige trabalhar as nossas escolhas à luz da Palavra de Deus. Hoje não se pode mais ser cristão como uma simples consequência do fato de  viver em uma sociedade que tem raízes cristãs: mesmo quem nasce de uma família cristã, é educado religiosamente deve, a cada dia, renovar a escolha de ser cristão, ou seja, dar a Deus o primeiro lugar, diante das tentações que uma cultura secularizada sugere continuamente, diante das críticas de muitos contemporâneos.

As provas às quais a sociedade moderna submete o cristão, de fato, são muitas, e afetam a vida pessoal e social. Não é fácil ser fiel ao matrimônio cristão, praticar a misericórdia na vida cotidiana, dar espaço à oração e ao silêncio interior; não é fácil opor-se publicamente às escolhas que muitos consideram óbvias, como o aborto em caso de gravidez indesejada, a eutanásia em caso de doença grave, ou a seleção de embriões para prevenir doenças hereditárias. A tentação de deixar de lado a própria fé está sempre presente e a conversão torna-se uma resposta a Deus que deve ser confirmada muitas vezes na vida.

Temos como exemplo e estímulo as grandes conversões como a de São Paulo no caminho de Damasco, ou de Santo Agostinho, mas também na nossa época de eclipses do sentido do sagrado, a graça de Deus está a serviço e faz maravilhas na vida de muitas pessoas. O Senhor nunca se cansa de bater à porta dos homens em contextos sociais e culturais que parecem engolidos pela secularização, como aconteceu para o russo ortodoxo Pavel Florenskij. Depois de uma educação completamente agnóstica, a ponto de agir com verdadeira hostilidade para com os ensinamentos religiosos ensinados na escola, o cientista Florenskij encontra-se a exclamar: “Não, não é possível viver sem Deus!”, e a mudar a sua vida completamente, a ponto de tornar-se monge.

Penso também na figura de Etty Hillesum, uma jovem holandesa de origem judia que morreuem Auschwitz. Inicialmentedistante de Deus, descobre-O olhando em profundidade dentro de si mesma e escreve: “Um poço muito profundo está dentro de mim. E Deus está nesse poço. Às vezes eu posso alcançá-lo, muitas vezes a pedra e a areia o cobrem: então Deus está sepultado. É preciso de novo que o desenterrem”(Diário, 97). Na sua vida dispersa e inquieta, encontra Deus em meio à grande tragédia do século XX, o Holocausto. Esta jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé, torna-se uma mulher cheia de amor e paz interior, capaz de dizer: “Vivo constantemente em intimidade com Deus”.

A capacidade de opor-se às atrações ideológicas do seu tempo para escolher a busca da verdade e abrir-se à descoberta da fé é evidenciada por outra mulher do nosso tempo, a americana Dorothy Day. Em sua autobiografia, confessa abertamente ter caído na tentação de resolver tudo com a política, aderindo à proposta marxista: “Eu queria andar com os manifestantes, ir para a cadeia, escrever, influenciar os outros e deixar o meu sonho no mundo. Quanta ambição e quanta busca de mim mesma havia em tudo isso!”. O caminho de fé em um ambiente tão secularizado era particularmente difícil, mas a Graça age da mesma maneira, como ela mesma ressalta: “É certo que eu senti muitas vezes a necessidade de ir à igreja, ajoelhar, curvar a cabeçaem oração. Uminstinto cego, poderia-se dizer, porque eu não estava consciente da oração. Mas eu ia, inseria-me na atmosfera da oração … “. Deus a conduziu a uma consciente adesão à Igreja, em  uma vida dedicada aos menos favorecidos.

No nosso tempo não são poucas as conversões entendidas como retorno de quem, depois de uma educação cristã talvez superficial, afastou-se da fé por anos e depois redescobre Cristo e o seu Evangelho. No livro do Apocalipse, lemos: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo “(3, 20). O nosso homem interior deve preparar-se para ser visitado por Deus, e por essa razão não deve deixar-se invadir pelas ilusões, pelas aparências, pelas coisas materiais.

Neste tempo de Quaresma, no Ano da fé, renovemos o nosso compromisso no caminho de conversão, para superar a tendência de fechar-nos em nós mesmos e fazer, ao invés, espaço para Deus, olhando com seus olhos a realidade cotidiana. A alternativa entre o fechamento no nosso egoísmo e a abertura ao amor de Deus e dos outros, podemos dizer que corresponde à alternativa das tentações de Jesus: alternativa, isso é, entre o poder humano e o amor da Cruz, entre uma redenção vista apenas no bem-estar material e uma redenção como obra de Deus, a quem damos o primado da existência. Converter-se significa não fechar-se na busca do próprio sucesso, do próprio prestígio, da própria posição, mas assegurar que a cada dia, nas pequenas coisas, a verdade, a fé em Deus e o amor tornem-se a coisa mais importante.

Superar a tentação de submeter Deus a si e aos próprios interesses

As palavras de Bento XVI na Audiência Geral desta quarta-feira

CIDADE DO VATICANO, 13 de Fevereiro de 2013 (Zenit.org) – Queridos irmãos e irmãs,

Hoje, Quarta-feira de Cinzas, iniciamos o tempo litúrgico da Quaresma, quarenta dias que nos preparam para a celebração da Santa Páscoa; é um tempo de particular empenho em nosso caminho espiritual. O número quarenta aparece várias vezes na Sagrada Escritura. Em particular, como se sabe, recorda os quarenta anos no qual o povo de Israel peregrinou no deserto: um longo período de formação para transformar o povo de Deus, mas também um longo período em que a tentação de ser infiel à aliança com Deus estava sempre presente. Quarenta foram também os dias de caminhada do profeta Elias para chegar ao Monte de Deus, Horeb; bem como o tempoem que Jesuspassou no deserto antes de iniciar a sua vida pública e onde foi tentado pelo diabo. Na catequese de hoje gostaria de deter-me neste momento da vida terrena do Senhor, que leremos no Evangelho do próximo domingo.

Antes de tudo, o deserto, para onde Jesus se retira, é o lugar do silêncio, da pobreza, onde o homem é privado dos apoios materiais e se encontra diante das questões fundamentais da existência, é convidado a ir ao essencial e por isto lhe é mais fácil encontrar a Deus. Mas o deserto é também o lugar de morte, porque onde não tem água, não tem vida, é o lugar da solidão, onde o homem sente mais intensamente a tentação. Jesus vai para o deserto e lá é tentado a deixar o caminho indicado pelo Pai para seguir outros caminhos mais fáceis e mundanos (cf. Lc 4,1-13). Assim, Ele assume as nossas tentações, leva consigo a nossa miséria, para vencer o maligno e para abrir-nos o caminho para Deus, o caminho da conversão.

Refletir sobre as tentações sofridas por Jesus no deserto é um convite para cada um de nós a responder uma pergunta fundamental: o que é realmente importante na minha vida? Na primeira tentação o diabo propõe a Jesus transformar uma pedra em pão para acabar com a fome. Jesus responde que o homem vive também de pão, mas não somente de pão: sem uma resposta à fome da verdade, à fome de Deus, o homem não pode ser salvo (cf. vv 3-4.). Na segunda tentação, o diabo propõe a Jesus o caminho do poder: o conduz ao alto e lhe oferece o domínio sobre o mundo; mas este não é o caminho de Deus: Jesus tem muito claro que não é o poder mundano que salva o mundo, mas o poder da cruz, da humildade, do amor (cf. vv. 5-8). Na terceira tentação, o diabo propõe a Jesus atirar-se do ponto mais alto do Templo de Jerusalém e fazer-se salvar por Deus mediante seus anjos, isto é, de fazer algo de sensacional para colocar à prova o próprio Deus; mas a resposta é que Deus não é um objeto ao qual impor as nossas condições: é o Senhor de tudo (cf. vv 9-12.). Qual é o núcleo das três tentações que Jesus sofre? É a proposta de manipular a Deus, de usá-Lo para os próprios interesses, para a própria glória e para o próprio sucesso. Então, essencialmente, de colocar a si mesmo no lugar de Deus, retirando-O da própria existência e fazendo-O parecer supérfluo. Cada um deveria perguntar-se: qual é o lugar de Deus na minha vida? É Ele é o Senhor ou sou eu?

Superar a tentação de submeter Deus a si e aos próprios interesses ou colocá-Lo em um canto e converter-se à ordem correta de prioridade, dar a Deus o primeiro lugar, é um caminho que todo cristão deve percorrer sempre de novo. “Converter-se”, um convite que escutamos muitas vezes na Quaresma, significa seguir Jesus de modo que o seu Evangelho seja guia concreto da vida; significa deixar que Deus nos transforme, parar de pensar que somos os únicos construtores da nossa existência; é reconhecer que somos criaturas, que dependemos de Deus, do seu amor, e apenas “perdendo” a nossa vida Nele podemos ganhá-la. Isto exige trabalhar as nossas escolhas à luz da Palavra de Deus. Hoje não se pode mais ser cristão como uma simples consequência do fato de viver em uma sociedade que tem raízes cristãs: mesmo quem nasce de uma família cristã, é educado religiosamente deve, a cada dia, renovar a escolha de ser cristão, ou seja, dar a Deus o primeiro lugar, diante das tentações que uma cultura secularizada sugere continuamente, diante das críticas de muitos contemporâneos.

As provas às quais a sociedade moderna submete o cristão, de fato, são muitas, e afetam a vida pessoal e social. Não é fácil ser fiel ao matrimônio cristão, praticar a misericórdia na vida cotidiana, dar espaço à oração e ao silêncio interior; não é fácil opor-se publicamente às escolhas que muitos consideram óbvias, como o aborto em caso de gravidez indesejada, a eutanásia em caso de doença grave, ou a seleção de embriões para prevenir doenças hereditárias. A tentação de deixar de lado a própria fé está sempre presente e a conversão torna-se uma resposta a Deus que deve ser confirmada muitas vezes na vida.

Temos como exemplo e estímulo as grandes conversões como a de São Paulo no caminho de Damasco, ou de Santo Agostinho, mas também na nossa época de eclipses do sentido do sagrado, a graça de Deus está a serviço e faz maravilhas na vida de muitas pessoas. O Senhor nunca se cansa de bater à porta dos homens em contextos sociais e culturais que parecem engolidos pela secularização, como aconteceu para o russo ortodoxo Pavel Florenskij. Depois de uma educação completamente agnóstica, a ponto de agir com verdadeira hostilidade para com os ensinamentos religiosos ensinados na escola, o cientista Florenskij encontra-se a exclamar: “Não, não é possível viver sem Deus!”, e a mudar a sua vida completamente, a ponto de tornar-se monge.

Penso também na figura de Etty Hillesum, uma jovem holandesa de origem judia que morreuem Auschwitz. Inicialmentedistante de Deus, descobre-O olhando em profundidade dentro de si mesma e escreve: “Um poço muito profundo está dentro de mim. E Deus está nesse poço. Às vezes eu posso alcançá-lo, muitas vezes a pedra e a areia o cobrem: então Deus está sepultado. É preciso de novo que o desenterrem”(Diário, 97). Na sua vida dispersa e inquieta, encontra Deus em meio à grande tragédia do século XX, o Holocausto. Esta jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé, torna-se uma mulher cheia de amor e paz interior, capaz de dizer: “Vivo constantemente em intimidade com Deus”.

A capacidade de opor-se às atrações ideológicas do seu tempo para escolher a busca da verdade e abrir-se à descoberta da fé é evidenciada por outra mulher do nosso tempo, a americana Dorothy Day. Em sua autobiografia, confessa abertamente ter caído na tentação de resolver tudo com a política, aderindo à proposta marxista: “Eu queria andar com os manifestantes, ir para a cadeia, escrever, influenciar os outros e deixar o meu sonho no mundo. Quanta ambição e quanta busca de mim mesma havia em tudo isso!”. O caminho de fé em um ambiente tão secularizado era particularmente difícil, mas a Graça age da mesma maneira, como ela mesma ressalta: “É certo que eu senti muitas vezes a necessidade de ir à igreja, ajoelhar, curvar a cabeçaem oração. Uminstinto cego, poderia-se dizer, porque eu não estava consciente da oração. Mas eu ia, inseria-me na atmosfera da oração … “. Deus a conduziu a uma consciente adesão à Igreja, em uma vida dedicada aos menos favorecidos.

No nosso tempo não são poucas as conversões entendidas como retorno de quem, depois de uma educação cristã talvez superficial, afastou-se da fé por anos e depois redescobre Cristo e o seu Evangelho. No livro do Apocalipse, lemos: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo “(3, 20). O nosso homem interior deve preparar-se para ser visitado por Deus, e por essa razão não deve deixar-se invadir pelas ilusões, pelas aparências, pelas coisas materiais.

Neste tempo de Quaresma, no Ano da fé, renovemos o nosso compromisso no caminho de conversão, para superar a tendência de fechar-nos em nós mesmos e fazer, ao invés, espaço para Deus, olhando com seus olhos a realidade cotidiana. A alternativa entre o fechamento no nosso egoísmo e a abertura ao amor de Deus e dos outros, podemos dizer que corresponde à alternativa das tentações de Jesus: alternativa, isso é, entre o poder humano e o amor da Cruz, entre uma redenção vista apenas no bem-estar material e uma redenção como obra de Deus, a quem damos o primado da existência. Converter-se significa não fechar-se na busca do próprio sucesso, do próprio prestígio, da própria posição, mas assegurar que a cada dia, nas pequenas coisas, a verdade, a fé em Deus e o amor tornem-se a coisa mais importante.

É possível ver a Deus

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta-feira

CIDADE DO VATICANO, 16 de Janeiro de 2013 (Zenit.org) – Jesus Cristo “Mediador e plenitude de toda a Revelação”

Queridos irmãos e irmãs,

o Concílio Vaticano II na Constituição sobre a Divina Revelação Dei Verbum, afirma que a verdade íntima da revelação de Deus brilha para nós “em Cristo, que é juntamente o mediador e a plenitude de toda a Revelação” (n 2) . O Antigo Testamento nos narra como Deus, após a criação, apesar do pecado original, apesar da arrogância do homem de querer colocar-se no lugar do seu Criador, oferece novamente a possibilidade de sua amizade, sobretudo por meio da aliança com Abraão e o caminho de um pequeno povo, o de Israel, que Ele escolhe não com critérios terrenos, mas simplesmente por amor. É uma escolha que permanece um mistério e revela o estilo de Deus que chama alguns não para excluir outros, mas para fazê-los de ponte que conduza a Ele: eleição é sempre eleição para o outro. Na história do povo de Israel é possível refazer os passos de um longo caminho no qual Deus se faz conhecer, se revela, entra a história com palavras e ações. Para esta obra Ele utiliza mediadores, como Moisés, os Profetas, os Juízes, que comunicam ao povo a sua vontade, recordam a exigência da fidelidade à aliança e mantêm viva a realização plena e definitiva das promessas divinas.

E é exatamente a realização destas promessas que contemplamos no Santo Natal: a Revelação de Deus alcança o seu cume, a sua plenitude. Em Jesus de Nazaré, Deus realmente visita o seu povo, visita a humanidade de uma forma que vai além de todas as expectativas: envia o seu Filho Unigênito; faz-se homem o próprio Deus. Jesus não nos diz algo sobre Deus, não fala simplesmente do Pai, mas é a revelação de Deus, porque é Deus, e revela assim a face de Deus. No Prólogo do seu Evangelho, São João escreve: “Deus, ninguém jamais o viu: Ninguém jamais viu Deus. O Filho único que está no seio do Pai foi quem o revelou” (João 1, 18).

Gostaria de deter-me sobre este “revelar a face de Deus”. A este respeito, São João, no seu Evangelho, relata um fato significativo que ouvimos então. Aproximando-se a Paixão, Jesus tranqüiliza seus discípulos, exortando-os a não terem medo e a ter fé, e depois, começa um diálogo com eles no qual fala de Deus Pai (cf. João 14,2-9). Em um determinado momento, o apóstolo Filipe pede a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta” (João 14, 8). Filipe é muito prático e concreto, diz também o que nós queremos dizer: “queremos ver, mostra-nos o Pai”, pede para “ver” o Pai, para ver a sua face. A resposta de Jesus é respondida não só a Felipe, mas também a nós e nos introduz no coração da fé cristológica; o Senhor diz: “Quem me viu, viu o Pai” (João 14, 9). Esta expressão contém em síntese a novidade do Novo Testamento, aquela novidade que apareceu na gruta de Belém: é possível ver a Deus, Deus manifestou a sua face, é visívelem Jesus Cristo.

Em todo o Antigo Testamento é muito presente o tema da “busca da face de Deus”, o desejo de conhecer essa face, o desejo de ver Deus como Ele é, tanto que o termo hebraico pānîm, que significa “face”, é nomeado nada menos que 400 vezes, e 100 delas são referentes a Deus: 100 vezes refere-se a Deus, deseja-se ver a face de Deus. No entanto a religião judaica proíbe todas as imagens, porque Deus não pode ser representado, como faziam os povos vizinhos com a adoração de ídolos; então, com esta proibição das imagens, o Antigo Testamento parece excluir totalmente o “ver” do culto e da devoção. O que significa, então, para o israelita piedoso, buscar a face de Deus, sabendo que não pode haver imagem alguma? A questão é importante: por um lado, se quer dizer que Deus não pode ser reduzido a um objeto, como uma imagem que se toma em mãos, nem mesmo se pode colocar algo no lugar de Deus; por outro lado, afirma-se que Deus tem uma face, um “Tu” que pode entrar em relação, que não está fechadoem seu Céu a olhar do alto a humanidade. Deus está certamente acima de todas as coisas, mas se dirige a nós, escuta-nos, vê-nos, fala, estabelece aliança, é capaz de amar. A história da salvação é a história de Deus com a humanidade, é a história deste relacionamento de Deus que se revela progressivamente ao homem, que faz conhecer a si mesmo, a sua face.

Logo no início do ano, em 1° de janeiro, ouvimos na liturgia a bela oração de benção sobre o povo: “O Senhor te abençõe e te guarde. O Senhor te mostre a sua face e conceda-te a sua graça. O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz” (Nm 6,24-26). O esplendor da face divina é a fonte de vida, é o que nos permite ver a realidade; a luz da sua face é o guia da vida. No Antigo Testamento, há uma figura que está ligada de forma muito especial ao tema da “face de Deus”; trata-se de Moisés, a quem Deus escolhe para libertar o povo da escravidão do Egito, doa-lhe a Lei da aliança e o conduz à Terra prometida. Bem como, no capítulo 33 do Livro do Êxodo, diz-se que Moisés tinha um relacionamento estreito e confidencial com Deus: “O Senhor falava com Moisés face a face, como um homem fala com seu amigo” (v. 11). Em virtude dessa confiança, Moisés pede a Deus: “Mostra-me a tua glória”, e a resposta de Deus é clara:

“Farei passar diante de ti todo o meu esplendor e proclamarei o meu nome… Mas tu não poderás ver a minha face, porque nenhum homem pode me ver e permanecer vivo…Eis um lugar perto de mim…Tu me verás por detrás, mas a minha face não pode ser vista” (vv. 18-23). Por um lado, há agora um diálogo face a face como entre amigos, mas por outro há a impossibilidade, nesta vida, de ver a face de Deus, que permanece escondida; a visão é limitada. Os Padres dizem que estas palavras, ” tu me verás por detrás”, querem dizer: tu podes somente seguir a Cristo e seguindo vê por trás o mistério de Deus; Deus pode ser seguido vendo as suas costas.

Algo novo acontece, porém, com a Encarnação. A busca da face de Deus recebe uma mudança incrível, porque agora é possível ver essa face: é aquela de Jesus, do Filho de Deus que se fez homem. Nele encontra cumprimento o caminho da revelação de Deus iniciado com o chamado a Abraão, Ele é a plenitude desta revelação porque é o Filho de Deus, é ao mesmo tempo “mediador e plenitude de toda a Revelação” (Const. Dogm. Dei Verbum, 2), Nele o conteúdo da Revelação e o Revelador se coincidem. Jesus nos mostra a face de Deus e nos faz conhecer o nome de Deus. Na Oração sacerdotal, na Última Ceia, Ele diz ao Pai: “Manifestei o teu nome aos homens … Eu lhes fiz conhecer o teu nome” (cf. João 17,6.26). A expressão “nome de Deus” significa Deus como Aquele que está presente entre os homens. A Moisés, na sarça ardente, Deus havia revelado o seu nome, tinha se tornado invocável, tinha dado um sinal concreto do seu “existir” entre os homens. Tudo isso em Jesus encontra cumprimento e plenitude: Ele inaugura de um modo novo a presença de Deus na história, porque que quem O vê, veja o Pai, como diz a Filipe (cf. João14,9). O Cristianismo – afirma São Bernardo – é a “religião da Palavra de Deus”, não, porém, de “uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo” (Hom. super missus est, IV, 11: PL 183, 86B). Na tradição patrística e medieval utiliza-se uma fórmula especial para expressar esta realidade: diz-se que Jesus é o Verbum abbreviatum (cf. Rm 9,28, referindo-se a Isaías 10, 23), o Verbo abreviado, a Palavra breve, breve e substancial do Pai, que nos contou tudo sobre Ele. Em Jesus toda a Palavra está presente.

Em Jesus também a mediação entre Deus e o homem encontra a sua plenitude. No Antigo Testamento há uma série de figuras que desempenham esta tarefa, em particular Moisés, o libertador, o guia, o “mediador” da aliança, como o define também o Novo Testamento (cf. Gl 3, 19; Atos 7 , 35, Jo 1:17). Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não é simplesmente um dos mediadores entre Deus e o homem, mas é “o mediador” da nova e eterna aliança (cf. Hb 8:6; 9,15, 12,24), “um só, de fato, é Deus – diz Paulo – e um só o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus” (1 Tm 2,5; Gal 3,19-20). Nele podemos ver e encontrar o Pai; Nele podemos invocar a Deus como “Abbá, Pai”; Nele nos é doada a salvação.

O desejo de conhecer a Deus realmente, isso é, de ver a face de Deus é inerente a todos os homens, até mesmo nos ateus. E nós temos talvez inconscientemente este desejo de simplesmente ver quem é Ele, o que é, quem é para nós. Mas esse desejo se realiza seguindo a Cristo, assim, vemos as costas e enfim também a Deus como um amigo, a sua face na face de Cristo. O importante é que sigamos a Cristo não somente no momento em que necessiatmos e quando encontramos um espaço em nossas ocupações diárias, mas com a nossa vida enquanto tal. Toda a nossa existência deve ser orientada ao encontro com Jesus Cristo, ao amor por Ele; e, nisso, um lugar central deve ter o amor ao próximo, o amor que, à luz do Crucifixo, nos faz reconhecer a face de Jesus nos pobres, nos fracos, nos sofredores. Isso é possível somente se a verdadeira face de Jesus tornou-se familiar para nós na escuta da sua Palavra, no falar interiormente, no entrar nesta Palavra de forma que realmente O encontremos, e, naturalmente, no mistério da Eucaristia. No Evangelho de São Lucas é significativo o passo dos dois discípulos de Emaús, que reconhecem Jesus ao partir o pão, mas preparados pelo caminho com Ele, preparados pelo convite que fizeram a Ele de permanecer com eles, preparados pelo diálogo que fez arder seus corações; assim, ao final, eles veem Jesus. Também para nós a Eucaristia é a grande escola em que aprendemos a ver a face de Deus, entramos em relacionamento íntimo com Ele e aprendemos, ao mesmo tempo, a dirigir o olhar para o momento final da história, quando Ele irá nos saciar com a luz da sua face. Sobre a terra nós caminhamos para essa plenitude, na expectativa alegre que se realiza no Reino de Deus. Obrigado.

Bento XVI dirigiu a seguinte saudação em português:

Uma saudação cordial aos peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente ao grupo de “Cantorias”, da Diocese de Viseu: me quisestes recordar em vosso canto. Agradeço-vos e, de bom grado, vos encorajo na consagração à Virgem Maria para um feliz êxito na vossa configuração a Cristo. Desçam sobre vós e vossas famílias as Bênçãos de Deus. Obrigado.

Antes da benção final o Papa fez o seguinte apelo:

Depois de amanhã, sexta-feira, 18 de janeiro, começa a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que este ano tem como tema: “O que Deus exige de nós”, inspirado em uma passagem do profeta Miquéias (cf. 06-8). Convido todos a rezarem, pedindo com insistência a Deus o grande dom da unidade entre os discípulos do Senhor. A força inesgotável do Espírito Santo nos encoraje a um compromisso sincero de busca da unidade, para que possamos professar juntos que Jesus é o Salvador do mundo.

(Trad.MEM)

Toda promessa se cumpre em Jesus, nele culmina a história de Deus com a humanidade

Catequese de Bento XVI durante a audiência Geral da quarta-feira, 12 de dezembro

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 12 dezembro de 2012 (ZENIT.org) – Publicamos a seguir a catequese realizada esta manhã pelo Papa Bento XVI durante a habitual audiência geral realizada na sala Paulo VI.

***

Queridos irmãos e irmãs,

na última catequese falei da Revelação de Deus, como comunicação que Ele faz de Si mesmo e do seu plano de benevolência e de amor. Esta Revelação de Deus entra no tempo e na história dos homens: história que se torna “o lugar em que podemos constatar o agir de Deus em favor da humanidade. Ele chega a nós por meio do que nos é mais familiar, e fácil de verificar, que constitui o nosso contexto cotidiano, sem o qual não conseguiríamos compreender-nos” (João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 12, Tradução Nossa).

O evangelista São Marcos – como ouvimos – relata, de forma clara e sintética, os momentos iniciais da pregação de Jesus: “O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo” (Marcos 1, 15). O que ilumina e dá sentido pleno para a história do mundo e do homem começa a brilhar na gruta de Belém; é o Mistério que contemplaremos daqui a pouco no Natal: a salvação que se realiza em Jesus Cristo. Em Jesus de Nazaré Deus mostra o seu rosto e pede a decisão do homem de reconhecê-lo e de seguí-lo. O revelar-se de Deus na história para entrar em relação de diálogo de amor com o homem, dá um novo sentido para todo o caminho humano. A história não é apenas uma sucessão de séculos, de anos, de dias, mas é o tempo de uma presença que lhe dá sentido e abre-a para uma sólida esperança.

Onde podemos ler as fases desta Revelação de Deus? A Sagrada Escritura é o melhor lugar para descobrir os acontecimentos deste caminho, e gostaria de – mais uma vez – convidar a todos, neste Ano da fé, para pegar em mãos com mais frequência a Bíblia e lê-la e meditá-la e a prestar maior atenção nas Leituras da Missa dominical; tudo isso constitui um alimento precioso para a nossa fé.

Lendo o Antigo Testamento podemos ver como as intervenções de Deus na história do povo que escolheu para si e com o qual faz aliança não são fatos que passam e caem no esquecimento, mas se tornam “memória”, tornam-se a “história da salvação”, mantida viva na consciência do povo de Israel por meio da celebração dos acontecimentos salvíficos. Assim, no Livro do Êxodo o Senhor indica a Moisés de celebrar o grande momento da libertação da escravidão do Egito, a Páscoa Hebráica, com estas palavras: “Conservareis a memória daquele dia, celebrando-o com uma festa em honra do Senhor: fareis isso de geração em geração, pois é uma instituição perpétua” (12, 14). Para todo o povo de Israel lembrar isso que Deus tem feito, torna-se uma espécie de imperativo constante para que a passagem do tempo seja marcada pela memória viva dos eventos passados, que formam assim, dia a dia, de novo, a história e permanecem presentes. No Livro do Deuteronômio, Moisés se dirige ao povo dizendo: “Guarda-te, pois, a ti mesmo: cuida de nunca esquecer o que viste com os teus olhos, e toma cuidado para que isso não saia jamais de teu coração, enquanto viveres; e ensina-o aos teus filhos, e aos filhos de teus filhos” (4, 9). E assim também nos diz: “Tenha cuidado para não esquecer as coisas que Deus fez conosco”. A fé é alimentada pela descoberta e pela memória do Deus sempre fiel, que guia a história e que é o fundamento seguro e estável sobre o qual construir a própria vida. Também o canto do Magnificat, que a Virgem Maria eleva a Deus, é um exemplo altíssimo desta história de salvação, desta memória que faz e tem presente o atuar de Deus. Maria exalta o agir misericordioso de Deus no caminho concreto do seu povo, a fidelidade às promessas de aliança feitas a Abraão e à sua descendência; e tudo isso é memória viva da presença divina que nunca falha (cf. Lc 1, 46-55).

Para Israel, o Êxodo é o acontecimento histórico central em que Deus revela a sua ação poderosa. Deus liberta os israelitas da escravidão do Egito para que possam voltar à Terra Prometida e adorá-Lo como o único e verdadeiro Senhor. Israel não se coloca à caminho por ser um povo como os outros –  por ter também ele uma independência nacional -, mas por servir a Deus no culto e na vida, por criar para Deus um lugar onde o homem está em obediência a Ele, onde Deus está presente e adorado no mundo; e, naturalmente, não somente para eles, mas para testemunhá-lo no meio dos outros povos. A celebração deste evento é um fazê-lo presente e atual, para que a obra de Deus não seja esquecida. Ele tem fé no seu plano de libertação e continua a perseguí-lo, para que o homem possa reconhecer e servir o seu Senhor e responder com fé e amor à sua ação.

Deus, então, se revela não só no ato primordial da criação, mas entrando na nossa história, na história de um pequeno povo que não era nem o maior, nem o mais forte. E esta Revelação de Deus, que vai adiante na história, culmina em Jesus Cristo: Deus, o Logos, a Palavra criadora que está na origem do mundo, se encarnou em Jesus e mostrou o verdadeiro rosto de Deus. Em Jesus cumpre-se toda promessa, Nele culmina a história de Deus com a humanidade. Quando lemos a narração dos dois discípulos à caminho de Emaús, que chegou a nós por meio de São Lucas, vemos claramente que a pessoa de Cristo ilumina o Antigo Testamento, toda a história da salvação e mostra o grande plano unitário dos dois Testamentos, mostra o caminho da sua unicidade. De fato, Jesus explica aos dois viajantes perdidos e decepcionados ser Ele o cumprimento de todas as promessas: “E, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras as coisas referentes a Ele” (24, 27). O evangelista mostra a exclamação dos dois discípulos depois de terem reconhecido que aquele companheiro de viagem era o Senhor: “Não ardia o nosso coração enquanto ele conversava conosco ao longo do caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (V. 32).

O Catecismo da Igreja Católica resume as etapas da Revelação divina mostrando sinteticamente o seu desenvolvimento (cf. nn 54-64): Deus convidou o homem desde o início para uma íntima comunhão com Ele e também quando o homem, pela própria desobediência, perdeu a sua amizade, Deus não o abandonou ao poder da morte, mas ofereceu muitas vezes a sua aliança aos homens (cf. Missal Romano, Pregh. EUC. IV). O Catecismo traça o caminho de Deus ao homem desde a aliança com Noé, depois do dilúvio, à chamada de Abraão para deixar a sua terra e fazê-lo pai de uma multidão de nações. Deus forma Israel como o seu povo, por meio do evento do Êxodo, a Aliança do Sinai e o dom, por meio de Moisés, da Lei para ser reconhecido e servido como o único Deus vivo e verdadeiro. Com os profetas, Deus guia o seu povo na esperança da salvação. Conhecemos – por meio de Isaias – o “segundo Êxodo”, o retorno do exílio da Babilônia à própria terra, a refundação do povo; porém, ao mesmo tempo, muitos permanecem na dispersão e assim começa a universalidade desta fé. No final, não se espera somente um rei, Davi, um filho de Davi, mas um “Filho do homem”, a salvação de todos os povos. Realizam-se encontros entre culturas, primeiro com Babilônia e a Síria, depois também com a multidão grega. Assim vemos como o caminho de Deus cresce, abre-se sempre mais para o Mistério de Cristo, o Rei do universo. Em Cristo se realiza finalmente a Revelação na sua plenitude: Ele mesmo se faz um conosco.

Fixei-me mais no fazer memória do atuar de Deus na história do homem, para mostrar as etapas deste grande plano de amor testemunhado no Antigo e no Novo Testamento: um único plano de salvação para toda a humanidade, progressivamente revelado e realizado pelo poder de Deus, onde Deus sempre reage às respostas do homem e encontra novos inícios de aliança quando o homem se perde. Isso é fundamental no caminho de fé. Estamos no tempo litúrgico do Advento que nos prepara para o Santo Natal. Como todos sabemos, a palavra “Advento” significa “vinda”, “presença”, e antigamente indicava justamente a chegada do rei ou do imperador numa determinada província. Para nós cristãos a palavra indica uma realidade maravilhosa e envolvente: o mesmo Deus cruzou o seu Céu e se inclinou ao homem; fez aliança com ele entrando na história de um povo; Ele é o rei que desceu nesta pobre província que é a terra e nos fez o dom da sua visita assumindo a nosa carne, se tornando homem como nós. O Advento nos convida a percorrer o caminho desta presença e nos lembra sempre de novo que Deus não saiu do mundo, não está ausente, não nos abandonou, mas vem a nós de diferentes formas, que devemos aprender a discernir. E também nós com a nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade, somos chamados todos os dias para ver e testemunhar esta presença no mundo muitas vezes superficial e distraído, e fazer brilhar na nossa vida a luz que iluminou a gruta de Belém. Obrigado.

Após a audiência, o Papa disse aos peregrinos de língua portuguesa estas palavras:

Queridos peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! Possa a preparação para o Natal, neste tempo do Advento, vos recordar que Deus vem ao encontro de cada ser humano. Meditai a Palavra de Deus, precioso alimento da vossa fé, para assim resplandecer nas vossas vidas a luz de Cristo que iluminou a gruta de Belém. Que Ele vos abençoe!

E aos peregrinos de língua italiana o Papa lembrou a memória que celebramos hoje da virgem de Guadalupe: 

Hoje celebramos a memória de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas e também da nova evangelização. Queridos jovens, na escola de Maria aprendemos a amar e esperar; queridos doentes, a Santíssima Virgem seja vossa companhia e conforto no sofrimento; e vós, caros recém-casados, confiai à Mãe de Jesus, o vosso caminho conjugal.

(Tradução Thácio Siqueira)