“A relação com Deus se realiza falando com Ele”

Na primeira audiência geral após a suspensão de julho, Bento XVI recordou os importantes ensinamentos de Santo Afonso sobre a oração

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 1 de agosto de 2012 (ZENIT.org) – às 10h30 de hoje, na Praça da Liberdade em frente ao Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, o Santo Padre Bento XVI encontrou-se com os fiéis e os peregrinos reunidos para a Audiência Geral da quarta-feira, compromisso retomado hoje depois da suspensão de julho.

Em seu discurso em italiano, o Papa apresentou a figura de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja, que celebramos hoje a memória litúrgica, dando ênfase especial nos ensinamentos do santo sobre a oração.

Em seguida, dirigiu uma saudação em várias línguas aos grupos de peregrinos presentes. A Audiência foi concluída com o canto do Pater Noster e com a Bênção Apostólica.

Publicamos a seguir a catequese do Santo Padre na íntegra:

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Queridos irmãos e irmãs!

Hoje é a memória litúrgica de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentoristas, padroeiro dos estudiosos de teologia moral e dos confessores. Santo Afonso é um dos santos mais populares do século XVIII, por causa do seu estilo simples e imediato e pela sua doutrina sobre o sacramento da Penitência: em um período de grande rigorismo, resultado da influência do jansenismo, ele recomendava aos confessores administrar este Sacramento manifestando o abraço alegre de Deus Pai, que na sua infinita misericórdia nunca deixa de acolher o filho arrependido.

A celebração de hoje nos dá a oportunidade de debruçar-nos sobre os ensinamentos de Santo Afonso sobre a oração, muito preciosos e cheios de inspiração espiritual. É do 1759, aproximadamente, o seu tratado Do grande meio da Oração, que ele considerava o mais útil entre todos os seus escritos. De fato, descreve a oração como “o meio necessário e seguro para obter a salvação e todas as graças que temos necessidade de alcançar”. (Introdução). Nesta frase é sintetizado o modo afonsiano de compreender a oração. Antes de mais nada, dizendo que é um meio, nos chama a atenção para o fim que queremos alcançar; mas esta meta, esta vida em plenitude, por causa do pecado, por assim dizer, distanciou-se – todos o sabemos – e somente a graça de Deus pode torná-la acessível.

Para explicar esta verdade básica e fazer entender imediatamente como seja real para o homem o risco de “perder-se”, santo Afonso tinha inventado uma máxima famosa, muito básica, que diz: “Quem reza se salva, quem não reza é condenado”.

Comentando esta frase lapidária, acrescentava: “Salvar-se sem rezar é dificilíssimo, até mesmo impossível… mas rezando, a salvação é certa e facilíssima” (II, conclusão). E ainda diz: “Se não orarmos, não temos desculpas, porque a graça de rezar é dada a todos… se não nos salvarmos, a culpa será toda nossa, porque não teremos rezado” (ibid.).

Em seguida, dizendo que a oração é uma condição necessária, Santo Afonso queria dar a entender que em cada situação da vida não é possível fazer outra coisa a não ser rezar, especialmente no momento da prova e nas dificuldades. Sempre devemos bater com confiança na porta do Senhor, sabendo que em tudo Ele cuida dos seus filhos, de nós. Por isso, somos convidados a não termos medo de recorrer a Ele e apresentar-lhe com confiança as nossas petições, na certeza de obter as coisas que temos necessidade.

Queridos amigos, esta é a questão central: o que é realmente necessário em minha vida? Respondo com Santo Afonso: “A saúde e todas as graças que por ela necessitamos” (ibid.); naturalmente, ele entende não somente a saúde do corpo, mas antes de mais nada, também aquela da alma, que Jesus nos doa. Mais do que outra coisa temos necessidade da sua presença liberadora que nos faz plenamente humanos, e por isso cheios de alegria, o nosso existir. E somente através da oração podemos acolhê-la, a sua Graça, que, iluminando-nos em cada momento, nos faz discernir o verdadeiro bem e, fortificando-nos, faz eficaz também a nossa vontade, ou seja a faz capaz de executar o bem conhecido. Muitas vezes reconhecemos o bem, mas não somos capazes de fazê-lo. O discípulo do Senhor sabe que está sempre sendo exposto à tentação e nunca deixa de pedir ajuda a Deus na oração, para vencê-la. Santo Afonso dá o exemplo de São Filipe Neri – muito interessante -, o qual “desde o primeiro momento, quando acordava de manhã, dizia para Deus: “Senhor, mantenha as suas mãos sobre Filipe hoje, porque caso contrário, Filipe te trai” (III, 3) Grande realista! Ele pede a Deus para manter a mão sobre ele. Nós também, conscientes da nossa fraqueza, devemos pedir ajuda a Deus com humildade, confiando na riqueza da sua misericórdia. Em outra passagem, diz Santo Afonso que: “Nós somos pobres de tudo, mas se pedirmos não seremos mais pobres. Se nós somos pobres, Deus é rico” (II, 4).

E, seguindo a Santo Agostinho, convida cada cristão a não ter medo de pedir a Deus, com as orações, aquela força que não tem, e que é necessária para fazer o bem, na certeza de que o Senhor não nega a sua ajuda àqueles que oram com humildade (cf. III, 3). Caros amigos, Santo Afonso nos lembra que a relação com Deus é essencial em nossas vidas.

Sem o relacionamento com Deus falta a relação fundamental e a relação com Deus se realiza no falar com Deus, na oração pessoal cotidiana e com a participação nos Sacramentos, e assim esta relação pode crescer em nós, pode crescer em nós a presença divina que endireita o nosso caminho, o ilumina e o faz seguro e sereno, também em meio a dificuldades e perigos. Obrigado.

[Traduzido do Italiano por Thácio Siqueira]

“O maligno semeia guerra; Deus cria paz”

As palavras de Bento XVI durante o Angelus em Castel Gandolfo

Castel Gandolfo, domingo, 22 de julho de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos as palavras do Papa Bento XVI que precederam a tradicional oração do Angelus, dirigidas aos fiéis e peregrinos reunidos no pátio interno de sua Residência Apostólica de verão em Castel Gandolfo.

Queridos irmãos e irmãs!

A palavra de Deus deste domingo nos propõe novamente um tema fundamental e sempre fascinante da Bíblia: recorda-nos que Deus é o Pastor da humanidade. Isto significa que Deus quer para nós a vida, quer guiar-nos para bons prados, onde poderemos nos alimentar e repousar; não quer que nos percamos e morramos, mas que cheguemos à meta de nosso caminho, que é exatamente a plenitude da vida. É isto que deseja todo pai e mãe para os próprios filhos: o bem, a felicidade, a realização. No Evangelho de hoje Jesus se apresenta como Pastor das ovelhas perdidas da casa de Israel. O seu olhar para as pessoas é um olhar como se fosse ‘pastoral’. Por exemplo, o Evangelho deste domingo, diz que ‘Ele desembarcou, viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão por eles, pois estavam como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas’(Mc 6,34). Jesus encarna Deus Pastor em seu modo de pregar e com as suas obras, cuidando dos doentes e dos pecadores, daqueles que estão ‘perdidos’ (cfr Lc 19, 10), para reconduzi-los em segurança, na misericórdia do Pai.

Entre as ‘ovelhas perdidas’ que Jesus trouxe em seguro, está uma mulher de nome Maria, originária do vilarejo de Magdala, no Mar da Galileia, e por isso Madalena. Hoje é sua memória litúrgica no calendário da Igreja. Diz o Evangelista Lucas que dela Jesus fez sair sete demônios (cfr Lc8,2), ou seja, a salvou de uma total escravatura do mal. Em que consiste esta cura profunda que Deus realiza através de Jesus? Consiste em uma paz verdadeira, completa, fruto da reconciliação da pessoa consigo mesma e em todas as suas relações: com Deus, com os outros, com o mundo. De fato, o maligno procura sempre destruir a obra de Deus, semeando divisão no coração do homem, entre o corpo e a alma, entre o homem e Deus, nas relações interpessoais, sociais, internacionais, e também entre o homem e a criação. O maligno semeia guerra; Deus cria paz. Com efeito, como afirma São Paulo, Cristo ‘é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro de separação e suprimido em sua carne a inimizade’( Ef 2, 14). Para realizar esta obra de reconciliação radical Jesus, o Bom Pastor precisou tornar-se Cordeiro, ‘o Cordeiro de Deus… que tira o pecado do mundo’(Jo1, 29). Somente assim pode realizar a maravilhosa promessa do Salmo: ‘Sim, felicidade e amor me seguirão todos os dias da minha vida;minha morada é a casa de Iahweh por dias sem fim’ (22/23, 6).

Queridos amigos, estas palavras faz vibrar o coração, porque exprimem nosso desejo mais profundo, dizem para o que fomos feitos: a vida, a vida eterna! São palavras daqueles que, como Maria Madalena, experimentaram Deus na própria vida e conhecem a sua paz. Palavras mais verdadeiras do que nunca na boca da Virgem Maria, que já vive para sempre nos prados do céu, onde a conduziu o Cordeiro Pastor. Maria, Mãe de Cristo nossa paz, rogai por nós!

(Após o Angelus)

Queridos irmãos e irmãs!

Entre alguns dias terá início, em Londres, a XXX edição dos Jogos Olímpicos. As Olimpíadas são o maior evento esportivo mundial, do qual participam atletas de muitas nações e, como tal se reveste de um forte valor simbólico. Por isso a Igreja Católica o vê com particular simpatia e atenção. Rezemos para que, segundo a vontade de Deus, os Jogos de Londres sejam uma verdadeira experiência de fraternidade entre os povos da Terra.

Em seguida concedeu a todos a sua Benção Apostólica.

(Tradução:MEM)

Audiência de quarta-feira: O lugar privilegiado de Maria é a Igreja

A catequese de Bento XVI durante a Audiência Geral de hoje
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 14 de março de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos a catequese de Bento XVI realizada nesta quarta-feira, na Praça de São Pedro.

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Queridos irmãos e irmãs,

Com a Catequese de hoje gostaria de começar a falar da oração nos Atos dos Apóstolos e nas Cartas de São Paulo. São Lucas nos concedeu, como sabemos, um dos quatro Evangelhos, dedicado à vida terrena de Jesus, mas nos deixou também aquele que foi definido como primeiro livro sobre a história da Igreja, isto é, os Atos dos Apóstolos.

Em ambos este livros, um dos elementos recorrentes é justamente a oração, desde aquela de Jesus àquela de Maria, dos discípulos, das mulheres e da comunidade cristã. O caminho inicial da Igreja permaneceu, antes de tudo, é conduzido pela ação do Espírito Santo, que transforma os Apóstolos em testemunhas do Ressuscitado, até a efusão do sangue, e pela rápida difusão da Palavra de Deus no Oriente e no Ocidente.

Todavia, antes que o anúncio do Evangelho se difunda, Lucas traz o episódio da Ascenção do Ressuscitado (cfr At 1,6-9). Aos discípulos, o Senhor entrega o programa de existência deles: a dedicação à evangelização. E diz: “Descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém,em toda Judéia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8).

Em Jerusalém, os Apóstolos permaneceram em onze, por causa da traição de Judas Iscariotes, eles permaneceram em casa para rezar, e é justamente na oração que esperam o dom prometido por Cristo Ressuscitado: o Espírito Santo.

Neste contexto de espera, entre a Ascenção e o Pentecostes, São Lucas menciona por fim, Maria, a Mãe de Jesus e seus familiares (v. 14). A Maria é dedicado o início de seu Evangelho, do anúncio do Anjo ao nascimento e a infância do Filho de Deus que se fez homem. Com Maria inicia a vida terrena de Jesus e com Maria iniciam-se também os primeiros passos da Igreja; em ambos os momento,s o clima é de escuta de Deus, de recolhimento.

Hoje, portanto, queria dedicar-me a esta presença orante da Virgem no grupo dos discípulos que serão a primeira Igreja nascente. Maria seguiu com discrição todo o caminho de seu Filho durante a vida pública até os pés da cruz, e agora continua a seguir, com uma oração silenciosa, o caminho da Igreja.

Na Anunciação, na casa de Nazaré, Maria recebe o Anjo de Deus, é atenta às suas palavras, as acolhe e responde ao projeto divino, manifestando sua plena disponibilidade: “Eis aqui a serva do Senhor: faça-se em mim segundo Sua vontade” (cfr Lc 1,38).

Maria, por uma atitude interior de escuta, é capaz de ler a própria história, reconhecendo com humildade que é o Senhor a agir. Ao visitar a prima Isabel, ela exorta numa oração de louvor e alegria, de celebração pela graça divina, que encheu seu coração de vida, rendendo-a Mãe do Senhor (cfr Lc 1,46-55).
Louvor, agradecimento e alegria: no canto do Magnificat, Maria não olha só aquilo que Deus operou nela, mas também aquilo que se cumpriu e se cumpre continuamente na história.

Santo Ambrósio, em um célebre comentário sobre o Magnificat, convida a ver o mesmo espírito de oração e escreve: “Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus” (Expositio Evangelii secundum Lucam 2, 26: PL 15, 1561).
Mesmo no Cenáculo, em Jerusalém, no “quarto no piso superior, onde normalmente se reuniam”, os discípulos de Jesus (cfr At 1,13), em um clima de escuta e oração, ela estava presente, antes de abrirem-se as portas e começar a anunciar Cristo Senhor a todos os povos, ensinando a observar tudo aquilo que Ele havia ordenado (cfr Mt 28,19-20).

As etapas do caminho de Maria, da casa de Nazaré àquela de Jerusalém, passando pela Cruz onde o Filho a confia ao apóstolo João, são marcadas pela capacidade de manter um perseverante clima de recolhimento, para meditar cada acontecimento no silêncio de seu coração, diante de Deus (cfr Lc 2,19-51) e na meditação diante de Deus também compreende a vontade de Deus e a capacidade de aceitá-la interiormente.

A presença da Mãe de Deus com os Onze, depois da Ascenção, não é uma simples anotação histórica de uma coisa do passado, mas assume um significado de grande valor, porque com eles, ela partilha aquilo que para ela é mais precioso: a memória vida de Jesus, na oração; partilha a missão de Jesus, conserva a memória de Jesus e, assim, conserva sua presença.

A última referência a Maria nos dois escritos de São Lucas é colocado no dia de sábado: o dia do descanso de Deus, depois da Criação, o dia do silêncio depois da Morte de Jesus e de espera de Sua Ressurreição. É sobre este episódio que se enraíza a tradição de Santa Maria no Sábado.

Entre a Ascenção do Ressuscitado e o primeiro Pentecostes cristão, os Apóstolos e a Igreja se reúnem com Maria para esperar com ela pelo dom do Espírito Santo, sem o qual não se pode tornar testemunha. Ela que já o reconhece por ter gerado o Verbo encarnado, divide com toda Igreja este mesmo dom, para que no coração de cada crente “seja formado Cristo” (cfr Gal 4,19). Se não há Igreja sem Pentecostes, não há também Pentecostes sem a Mãe de Jesus, porque Ela viveu de modo único aquilo que a Igreja experimenta todos os dias sob a ação do Espírito Santo.

São Cromácio de Aquiléia comenta assim sobre o registro dos Atos dos Apóstolos: “Na verdade, a Igreja foi congregada na quarto do andar superior com Maria, que era a Mãe de Jesus e com os Seus irmãos. Não se pode, portanto, falar de Igreja se aí não estiver presente Maria, a mãe do Senhor… Na Igreja de Cristo é pregada a Encarnação de Cristo na Virgem, e onde pregam os apóstolos, que são irmãos do Senhor, lá se escuta o Evangelho”(Sermo 30,1: SC 164, 135).

O Concílio Vaticano II quis destacar, de modo particular, esta ligação que se manifesta visivelmente na oração de Maria junto aos apóstolos, no mesmo lugar, na espera pelo Espírito Santo. A Constituição dogmática Lumen gentium afirma: “Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos «perseveravam unânimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e Seus irmãos» (Act. 1,14); e vemos também Maria implorando, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já sobre si descera na anunciação” (n. 59).  “O lugar privilegiado de Maria é a Igreja, onde é “saudada como membro eminente e inteiramente singular… e modelo perfeitíssimo na fé e na caridade” (ibid., n. 53).

Venerar a Mãe de Jesus na Igreja significa ainda aprender com ela a ser comunidade que reza: é esta uma das notas essenciais da primeira descrição da comunidade cristã delineada nos Atos dos Apóstolos (cfr 2,42).

Normalmente a oração é ditada a partir de situações de dificuldade, problemas pessoais que levam a dirigir-se ao Senhor para ter luz, conforto e ajuda. Maria convida a abrir as dimensões da oração, a dirigir-se a Deus não somente na necessidade e não somente para si mesmo, mas de modo unânime, perseverante, fiel, com um “coração só e uma alma só” (cfr At 4,32).

Queridos amigos, a vida humana atravessa diversas fases de passagem, normalmente difíceis e empenhativas, que pedem escolhas obrigatórias, renuncias e sacrifícios.A Mãe de Jesus foi colocada pelo Senhor em momentos decisivos da história da salvação e ela soube responder sempre com plena disponibilidade, fruto de uma ligação profunda com Deus amadurecida na oração assídua e intensa.

Entre a Sexta-feira da Paixão e o Domingo da Ressurreição, a ela foi confiado o discípulo predileto e com ele toda a comunidade dos discípulos (cfr Jo 19,26).
Entre a Ascenção e o Pentecostes, ela se encontra com e na Igreja em oração (cfr At 1,14). Mãe de Deus e Mãe da Igreja, Maria exercita esta sua maternidade até o fim da história. Confiamos a ela cada fase da passagem da nossa existência pessoal e eclesial, até nossa passagem final. Maria nos ensina a necessidade de orar e nos indica que só com a ligação constante, íntima, plena de amor com seu Filho podemos sair da “nossa casa”, de nós mesmos, com coragem, para conquistar os confins do mundo e anunciar em qualquer lugar o Senhor Jesus Salvador do mundo.Obrigado.

(Tradução: CN notícias)

O zelo do amor que é pago pessoalmente

Angelus de Bento XVI no III Domingo da Quaresma

CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 13 de março de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos as palavras do Santo Padre Bento XVI, dirigidas aos fiéis e peregrinos reunidos neste domingo(11), na Praça de São Pedro para a oração do Angelus.

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Queridos irmãos e irmãs!

O Evangelho deste terceiro domingo da Quaresma faz referência – na redação de São João –  ao célebre episódio no qual Jesus expulsa do templo de Jerusalém os vendedores de animais e comerciantes (Jo 2,13-25). O fato, relatado por todos os Evangelistas, acontece na proximidade da festa da Páscoa e despertou grande impressão seja na multidão, seja nos discípulos. Como devemos interpretar este gesto de Jesus? Antes de tudo, vem notado que isso não provocou nenhuma repressão por parte dos tutores da ordem pública, porque foi vista como uma típica ação profética: os profetas, de fato, em nome de Deus, geralmente denunciavam os abusos, e o faziam às vezes com gestos simbólicos. O problema, era a autoridade deles. Eis porque os judeus pediram a Jesus: “Qual sinal nos mostras ao fazer essas coisas?” (Jo 2,18), demonstre-nos que ages verdadeiramente em nome de Deus.

A expulsão dos vendedores do templo foi também interpretada em sentido político-revolucionário, colocando Jesus na linha do movimento dos zelotas. Este eram, por assim dizer, “zeladores” da lei de Deus e prontos a usar a violência para que ela fosse respeitada. Nos tempos de Jesus, esperava-se um Messias que libertasse Israel do domínio dos Romanos. Mas Jesus desaponta esta expectativa, tanto que alguns discípulos o abandonaram e Judas Iscariotes ainda o traiu. Na realidade, é impossível interpretar Jesus como violento: a violência é contrária ao Reino de Deus, é um instrumento do anticristo. A violência não serve nunca a humanidade, mas a desumaniza.

Escutemos então as palavras que Jesus disse realizando este gesto: “Leveis embora estas coisas e não façais da casa do meu Pai um mercado!”. E os discípulos então se recordaram que está escrito em um Salmo: “Me devora o zelo pela tua casa” (69,10). Este salmo é uma invocação de ajuda em uma situação de extremo perigo por causa do ódio dos inimigos: a situação que Jesus viverá na sua paixão. O zelo pelo Pai e pela sua casa o levará até a cruz: o seu é o zelo do amor que é pago pessoalmente, não aquele que gostaria de servir a Deus mediante a violência. De fato, o “sinal”que Jesus dará como prova da sua autoridade será exatamente aquele da sua morte eressurreição. ” Destruais este templo – disse –  e em três dias eu o farei ressurgir. E São João diz: “Ele falava do templo do seu corpo” (Jo 2,20-21). Com a Páscoa de Jesus inicia um novo culto, o culto do amor, e um novo templo que é Ele mesmo, Cristo ressuscitado, mediante o qual todo fiel pode adorar Deus Pai “em espírito e verdade” (Jo 4,23).

Queridos amigos, o Espírito Santo começou a construir este novo templo no ventre da Virgem Maria. Pela sua intercessão, rezemos para que todo cristão se torne pedra viva deste edifício espiritual.

“A VOCAÇÃO AO AMOR É UMA VOCAÇÃO AO DOM DE SI”

Discurso de Bento XVI na Assembleia da Pontificia Academia para a Vida

CIDADE DO VATICANO, 05 de março de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos o  discurso do Papa Bento XVI aos participantes na Assembleia da Pontificia Academia para a Vida, na Sala Clementina,dia 25 de Fevereiro de 2012.

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Senhores Cardeais
venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
prezados irmãos e irmãs

É-me grato encontrar-me convosco por ocasião dos trabalhos da XVIII Assembleia Geral da Pontifícia Academia para a Vida. Saúdo-vos e agradeço-vos a todos o serviço generoso em defesa e a favor da vida, de modo particular ao Presidente, D. Ignacio Carrasco de Paula, as palavras que me dirigiu também em vosso nome. O delineamento que conferistes aos vossos trabalhos manifesta a confiança que a Igreja sempre depositou nas possibilidades da razão humana e num trabalho científico rigorosamente conduzido, que tenham sempre presente o aspecto moral. O tema por vós escolhido este ano: «Diagnóstico e terapia da infertilidade», além de ter uma relevância humana e social, possui um valor científico peculiar e expressa a possibilidade concreta de um diálogo fecundo entre dimensão ética e pesquisa biomédica. Com efeito, diante do problema da infertilidade do casal, quisestes evocar e considerar atentamente a dimensão moral, procurando os caminhos para uma avaliação diagnóstica correcta e uma terapia que corrija as causas da infertilidade. Esta abordagem nasce do desejo não só de oferecer um filho ao casal, mas de restituir aos esposos a sua fertilidade e toda a dignidade de ser responsáveis pelas próprias opções procriativas, para serem colaboradores de Deus na geração de um novo ser humano. A procura de um diagnóstico e de uma terapia representa a abordagem cientificamente mais correcta da questão da infertilidade, mas também a mais respeitadora da humanidade integral dos interessados. Com efeito, a união do homem e da mulher naquela comunidade de amor e de vida, que é o matrimónio, constitui o único «lugar» digno para a chamada à existência de um novo ser humano, que é sempre um dom.

Portanto, desejo encorajar a honestidade intelectual do vosso trabalho, expressão de uma ciência que mantém vivo o seu espírito de busca da verdade, ao serviço do bem autêntico do homem, e que evita o risco de ser uma prática meramente funcional. Com efeito, a dignidade humana e cristã da procriação não consiste num «produto», mas no seu vínculo com o acto conjugal, expressão do amor dos cônjuges, da sua união não apenas biológica, mas também espiritual. A este propósito, a Instrução Donum vitae recorda-nos que, «pela sua estrutura íntima, enquanto une os esposos com um vínculo profundíssimo, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher» (n. 126). Por conseguinte, as legítimas aspirações genitoriais do casal que se encontra numa condição de infertilidade devem obter, com a ajuda da ciência, uma resposta que respeite plenamente a sua dignidade de pessoas e de esposos. A humildade e a minuciosidade com que aprofundais estas problemáticas, consideradas obsoletas por alguns dos vossos colegas, diante do fascínio da tecnologia da fecundação artificial, merece encorajamento e apoio. Por ocasião do X aniversário da Encíclica Fides et ratio, eu recordava que «o lucro fácil ou, pior ainda, a arrogância de se substituir ao Criador desempenha às vezes um papel determinante. Esta é uma fórmula de hybris da razão, que pode assumir características perigosas para a própria humanidade» (Discurso aos participantes no Congresso internacional promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense, 16 de Outubro de 2008: aas 100 [2008], 788-789). Efectivamente, o cientismo e a lógica do lucro parecem hoje dominar o campo da infertilidade e da procriação humana, chegando a limitar também muitas outras áreas de investigação.

A Igreja presta grande atenção ao sofrimento dos casais com infertilidade, interessa-se por eles e, precisamente por isso, encoraja a pesquisa médica. Todavia, a ciência nem sempre é capaz de corresponder aos desejos de numerosos casais. Então, gostaria de recordar aos esposos que vivem a condição da infertilidade, que isto não faz malograr a sua vocação matrimonial. Pela sua própria vocação baptismal e matrimonial, os cônjuges são sempre chamados a colaborar com Deus na criação de uma humanidade nova. Com efeito, a vocação ao amor é uma vocação ao dom de si, e esta é uma possibilidade que nenhuma condição orgânica pode impedir. Portanto, onde a ciência não encontra uma resposta, a resposta que doa luz provém de Cristo.

Desejo encorajar todos vós aqui reunidos para estes dias de estudo e que às vezes trabalhais num contexto médico-científico onde a dimensão da verdade permanece ofuscada: continuai pelo caminho empreendido, de uma ciência intelectualmente honesta e fascinada pela busca contínua do bem do homem. No vosso percurso intelectual não desdenheis o diálogo com a fé. Dirijo-vos o apelo urgente, lançado na Encíclica Deus caritas est: «Para poder agir rectamente, a razão deve ser continuamente purificada porque a sua cegueira ética, derivada da prevalência do interesse e do poder que a deslumbram, é um perigo nunca totalmente eliminável […] A fé permite à razão realizar melhor a sua missão e ver mais claramente o que lhe é próprio» (n. 28). Por outro lado, precisamente a matriz cultural criada pelo cristianismo — radicada na afirmação da existência da Verdade e da inteligibilidade da realidade, à luz da Suma Verdade — digo a matriz cultural, tornou possível na Europa da Idade Média o desenvolvimento do saber científico moderno, saber que nas culturas precedentes tinha permanecido só em embrião.

Ilustres cientistas e todos vós, membros da Academia comprometidos na promoção da vida e da dignidade da pessoa humana, tende sempre presente também o papel cultural fundamental que desempenhais na sociedade e a influência que tendes na formação da opinião pública. O meu predecessor, beato João Paulo II recordava que, «precisamente porque “sabem mais”, os cientistas são chamados a “servir mais”» (Discurso à Pontíficia Academia das Ciências, 11 de Novembro de 2002: aas 95 [2003], 206). As pessoas têm confiança em vós que servis a vida, tem confiança no vosso compromisso a favor de quantos precisam de alívio e esperança. Nunca cedais à tentação de tratar o bem das pessoas, reduzindo-o a um mero problema técnico! A indiferença da consciência em relação à verdade e ao bem representa uma ameaça perigosa para um progresso científico autêntico.

Gostaria de concluir, renovando os bons votos que o Concílio Vaticano II dirige aos homens de pensamento e de ciência: «Felizes os que, possuindo a verdade, continuam a procurá-la, a fim de a renovar, de a aprofundar e de a transmitir aos outros» (Mensagem aos homens de pensamento e de ciência, 8 de Dezembro de 1965: AAS 58 [1966], 12). É com estes bons votos que vos concedo, a todos vós aqui presentes e a todos os vossos entes queridos, a Bênção apostólica. Obrigado!

BENTO XVI: A “BELEZA INTEGRAL” DA SEXUALIDADE

Reflete sobre teologia do corpo de João Paulo II

CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 16 de maio de 2011 (ZENIT.org) – Bento XVI apresentou, na última sexta-feira, a “beleza integral” da sexualidade, que pode ser compreendida ao descobrir o mistério que o corpo humano esconde.

O Papa resumiu, com estas palavras, as contribuições mais originais do pensamento de João Paulo II, em sua “teologia do corpo”.

O sucessor de Karol Wojtyla tratou deste tema ao receber em audiência os membros do Instituto Pontifício João Paulo II, centro acadêmico universitário fundado pelo Pontífice polonês na sede da Universidade Pontifícia Lateranense de Roma, por ocasião dos 30 anos de sua fundação.

Aquele centro foi criado em 13 de maio de 1981, mas João Paulo II não pôde pronunciar suas palavras de anúncio, devido ao atentado provocado pelo terrorista Ali Agca.

A lição de Michelangelo

Joseph Ratzinger começou recordando que, pouco depois da morte de Michelangelo, o pintor Paolo Veronese foi chamado diante da Inquisição, com a acusação de ter pintado figuras inapropriadas ao redor da Última Ceia.

“O pintor respondeu que também na Capela Sistina os corpos estavam representados nus, com pouca reverência. Foi o próprio inquisidor quem defendeu Michelangelo com uma resposta que se tornou famosa: ‘Você não sabia que nestas figuras não há nada que não seja espírito?'”.

“Atualmente, é difícil para nós entender estas palavras – reconheceu o Papa – porque o corpo aparece como matéria inerte, pesada, oposta ao conhecimento e à liberdade próprios do espírito. Mas os corpos pintados por Michelangelo estão repletos de luz, vida, esplendor.”

“Ele queria mostrar, dessa maneira, que nossos corpos escondem um mistério – reconheceu o Papa. Neles, o espírito se manifesta e age. Estão chamados a ser corpos espirituais.”

“Se o nosso corpo está chamado a ser espiritual, sua história não deveria ser a da aliança entre o corpo e o espírito? De fato, longe de opor-se ao espírito, o corpo é o lugar em que o espírito habita. À luz disso, é possível entender que nossos corpos não são matéria inerte, pesada, mas que falam – se soubermos escutar – com a linguagem do amor verdadeiro.”

Beleza integral

O corpo, prosseguiu, “nos fala de uma origem que nós não conferimos a nós mesmos”. “Podemos afirmar que o corpo, ao revelar-nos a Origem, carrega consigo um significado filial, porque nos recorda nossa geração, que mostra, através dos nossos pais que nos deram a vida, Deus Criador.”

“Somente quando reconhece o amor original que lhe deu a vida, o homem pode aceitar a si mesmo, pode se reconciliar com a natureza e com o mundo. À criação de Adão segue a de Eva. A carne, recebida de Deus, está chamada a tornar possível a união de amor entre o homem e a mulher e a transmitir a vida. Os corpos de Adão e Eva aparecem, antes da Queda, em perfeita harmonia.”

“Há neles uma linguagem que não criaram, um eros radicado em sua natureza, que os convida a receber-se mutuamente do Criador, para poder, dessa maneira, doar-se.”

“A verdadeira fascinação da sexualidade nasce da grandeza desse horizonte que se abre: a beleza integral, o universo da outra pessoa e do ‘nós’ que nasce da união, a promessa de comunhão que lá se esconde, a fecundidade nova, o caminho que o amor abre a Deus, fonte de amor.”

“A união em uma só carne se torna, então, união de toda a vida, até que o homem e a mulher se convertam também em um só espírito. Abre-se, assim, um caminho no qual o corpo nos ensina o valor do tempo, do lento amadurecimento no amor.”

Sim” ao amor

A partir desta perspectiva, concluiu o Papa, “a virtude da castidade recebe um novo sentido. Não é um ‘não’ aos prazeres e à alegria da vida, mas o grande ‘sim’ ao amor como comunicação profunda entre as pessoas, que exige tempo e respeito, como caminho rumo à plenitude e como amor que se converte em capaz de gerar a vida e de acolher generosamente a vida nova que nasce”.

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA QUARESMA DE 2012

Vaticano, 3 de Novembro de 2011 (Sala de Imprensa da Santa Sé)

«Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24)

Irmãos e irmãs!

A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.

Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor «com um coração sincero, com a plena segurança da fé» (v. 22), de conservarmos firmemente «a profissão da nossa esperança» (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, «o amor e as boas obras» (v. 24). Na passagem em questão afirma-se também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24, que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal.

1. «Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.

O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e, todavia, são objeto de solícita e cuidadosa Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc 6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o fato de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66).

A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.

O fato de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje se é muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9, 8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo usado para exprimir a correção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem. Entretanto a advertência cristã nunca há de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da correção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais retamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.

2. «Uns aos outros»: o dom da reciprocidade.

O fato de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de considerá-la na sua perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10, 33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.

Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –, porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e onipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).

3. «Para nos estimularmos ao amor e às boas obras»: caminhar juntos na santidade.

Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, «como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia» (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta perspectiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.

Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de «pôr a render os talentos» que nos foram dados para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua.

Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10).

Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.

Benedictus PP XVI

Angelus de Bento XVI – 11/12/2011

Domingo, 11 de dezembro de 2011, 12h52
Boletim da Santa Sé
Tradução de Nicole Melhado – equipe CN Notícias

Queridos irmãos e irmãs!

Os textos litúrgicos deste período de Advento nos renova ao convite de viver a espera de Jesus, a não parar de esperar para a sua vinda, de modo a manter uma atitude de abertura e vontade de se encontrar com Ele.

A vigília de coração, que o cristão é chamado a exercitar sempre, na vida de todos os dias, caracteriza de modo particular este tempo no qual nos preparamos com alegria para o mistério do Natal (cfr Prefácio do Advento II).

O ambiente exterior propõe mensagens usuais de natureza comercial, mesmo que não tão forte por causa da crise econômica. O cristão é convidado a viver o Advento sem deixar-se distrair pelas luzes, mas sabendo dar o valor correto às coisas, fixando seu olhar interior sob Cristo. Se, de fato, perseveramos “vigiantes na oração e exultantes na glória” (ibid.), os nossos olhos serão capazes de reconhecer Nele a verdadeira luz do mundo, que vem clarear as nossas trevas.

Em particular, a liturgia deste domingo, chamado “Gaudete”, nos convida à alegria, não a uma vigília triste, mas satisfeita. “Gaudete in Domino semper” – escreve São Paulo: “Regozijai-vos sempre no Senhor” (Fil 4,4). A verdadeira alegria não é fruto do divertimento, entendida no sentido etimológico da palavra di-vertir, isto é ir além dos deveres da vida e suas responsabilidades. A verdadeira alegria está ligada a algo mais profundo. Certo, no ritmo cotidiano, muitas vezes frenético, é importante encontrar espaço para um tempo de descanso, para distração, mas a alegria verdadeira está ligada a um relacionamento com Deus. Quem encontrou Cristo na própria vida experimenta no coração uma serenidade e uma alegria que ninguém e nenhuma situação pode tirar.

Santo Agostinho expressou isso muito bem, em sua busca pela verdade, pela paz, pela alegria, depois de ter buscado em vão em muitas coisas, conclui com uma célebre expressão que o coração do homem é inquieto, não encontra serenidade e paz até que repousa em Deus (cfr As Confissões, I,1,1).

A verdadeira alegria não é simplesmente um estado de animo passageiro, nem qualquer coisa que se consegue com os próprios esforços, mas é um dom, nasce do encontro com a pessoa vida de Jesus, ao dar espaço a Ele em nós, ao acolher o Espírito Santo que guia nossa vida. É o convite que faz o apóstolo Paulo, que diz: “o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5,23).

Neste tempo de Advento reforcemos a certeza que o Senhor veio em meio a nós e continuamente renova a sua presença de consolação, de amor e de alegria. Tenhamos confiança Nele, como afirma ainda Santo Agostinho, a luz da esperança: o Senhor é mais próximo a nós do que nós somos de nós mesmos – “interior intimo meo et superior summo meo” (As Confissões, III,6,11).

Confiemos o nosso caminho à Virgem Imaculada, no qual o Espírito exultou em Deus Salvador. Seja ela a guiar os nossos corações na espera feliz da vinda de Jesus, na espera rica de oração e de boas obras.

Catequese do Papa: “Tu estás comigo” é nossa certeza

Intervenção na audiência geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 5 de outubro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, a catequese que o Papa Bento XVI dirigiu hoje aos fiéis reunidos para a audiência geral.

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Queridos irmãos e irmãs:

Dirigir-se ao Senhor na oração implica em um ato de confiança, com a consciência de entregar-se a um Deus que é bom, “misericordioso, lento à ira, rico em amor e fidelidade” (Ex 34,6-7; Sal 86,15; cf. Jl 2,13; Gn 4,2; Sal 103,8; 145,8; Ne 9,17). Por isso, hoje eu gostaria de refletir com vocês sobre um salmo impregnado de confiança em sua totalidade, no qual o salmista expressa sua serena certeza de que é guiado e protegido, posto a salvo de todo perigo, porque o Senhor é o seu pastor. Trata-se do Salmo 23 (segundo a tradição greco-latina, número 22), um texto familiar para todos e amado por todos. “O Senhor é o meu pastor, nada me falta”: assim começa esta bela oração, evocando o ambiente nômade do pastoreio e a experiência de conhecimento recíproco que se estabelece entre o pastor e as ovelhas que compõem o seu pequeno rebanho. A imagem recria uma atmosfera de confiança, intimidade, ternura: o pastor conhece as suas ovelhas, uma a uma, chama-as pelo seu nome e elas o seguem porque o reconhecem e se fiam dele (cf. Jn 10,2-4). Ele cuida delas, protege-as como bens preciosos, está preparado para defendê-las, para garantir seu bem-estar, para fazê-las viver em tranquilidade. Nada pode faltar-lhes se o pastor está com elas. A esta experiência se refere o salmista, chamando Deus de seu pastor e deixando-se guiar por Ele rumo a campos seguros:

“Ele me faz descansar em verdes prados,

a águas tranquilas me conduz.

Restaura minhas forças,

guia-me pelo caminho certo,

por amor do seu nome.” (vv. 2-3)

A visão que se abre aos nossos olhos é o dos prados verdes e fontes de água límpida, oásis de paz rumo aos quais o pastor acompanha seu rebanho, símbolos de lugares de vida aos quais o Senhor conduz o salmista, que se sente como as ovelhas recostadas no campo, ao lado de um manancial, em situação de repouso, não em tensão ou em estado de alarme, mas confiadas e tranquilas, porque o lugar é seguro, a água é fresca e o pastor vela por elas. Não nos esqueçamos de que a cena evocada pelo salmo está ambientada em uma terra em grande parte desértica, tostada pelo sol abrasador, onde o pastor semi-nômade do Oriente Médio mora com o seu rebanho nas estepes áridas que se estendem ao redor dos povoados. Mas o pastor sabe onde encontrar capim e água, essenciais para a vida, sabe guiar em direção ao oásis, onde a alma se “refresca” e é possível recuperar as forças e extrair novas energias para retomar o caminho.

Como diz o salmista, Deus o guia a “verdes prados” e “águas tranquilas”, onde tudo é abundante, onde tudo se dá copiosamente. Se o Senhor é o pastor, inclusive no deserto, lugar de carestia e de morte, não diminui a certeza de uma radical presença de vida, até o ponto de se poder dizer: “Nada me falta”. O pastor, de fato, tem no coração o bem do seu rebanho, adapta seus próprios ritmos e suas próprias exigências às das suas ovelhas, caminha e mora com elas, guiando-as por caminhos “certos”, isto é, adaptados a elas, com atenção às suas necessidades e não às próprias. A segurança do seu rebanho é a sua prioridade e a isso obedece a sua orientação.

Queridos irmãos e irmãs, também nós, como o salmista, se caminharmos seguindo o “Bom Pastor”, ainda que possam parecer difíceis, tortuosos ou longos os caminhos da vida, inclusive muitas vezes em regiões desérticas espiritualmente, sem água e com um sol de racionalismo abrasador, sob a orientação do Senhor deveremos estar seguros de que estes são os “certos” para nós e de que o Senhor nos guia, está sempre perto de nós e de que não nos faltará nada. Por isso, o salmista pode declarar uma tranquilidade e uma segurança sem dúvidas nem preocupações:

“Se eu tiver de andar por vale escuro,

não temerei mal nenhum,

pois comigo estás.

O teu bastão e teu cajado me dão segurança.” (v. 4)

Quem caminha com o Senhor nos vales escuros do sofrimento, das dúvidas e de todos os problemas humanos, sente-se seguro. “Tu estás comigo”: esta é a nossa certeza, a que nos sustenta. A escuridão da noite dá medo, com suas sombras mutáveis, a dificuldade de distinguir os perigos, seu silêncio cheio de barulhos indecifráveis. Se o rebanho se mover depois do pôs do sol, quando a visibilidade não é boa, é normal que as ovelhas se inquietem, pois existe o risco de cair, afastar-se ou perder-se, e também há o temor de possíveis agressores que se escondem na escuridão. Para falar do vale “escuro”, o salmista usa uma expressão hebraica que evoca as trevas da morte; portanto, o vale que precisamos atravessar é um lugar de angústia, de ameaças terríveis, de perigos de morte. No entanto, o orante caminha seguro, sem medo, porque sabe que o Senhor está com ele. Esse “comigo estás” é uma declaração de confiança inquebrantável, que resume uma experiência de fé radical; a proximidade de Deus transforma a realidade, o vale escuro perde toda a sua periculosidade, esvazia-se toda ameaça. O rebanho pode caminhar tranquilo, acompanhado pelo som familiar do cajado que bate no chão e indica a presença tranquilizadora do pastor.

Esta imagem confortante fecha a primeira parte do salmo e dá lugar a uma cena diferente. Estamos ainda no deserto, onde o pastor vive com o seu rebanho, mas agora estamos sob a sua barraca, que se abre para acolher:

“Diante de mim preparas uma mesa

aos olhos de meus inimigos;

unges com óleo minha cabeça,

meu cálice transborda.” (v. 5)

Agora, o Senhor se apresenta como aquele que acolhe o orante, com os sinais de uma hospitalidade generosa e repleta de atenções. O anfitrião divino prepara o alimento na “mesa”, um termo que, em hebraico, significa – em seu sentido primitivo – a pele do animal que se estendia na terra e onde se colocavam os víveres para uma refeição em comum. É um gesto de partilhar não só o alimento, mas também a vida, uma oferenda de comunhão e de amizade que cria vínculos e que expressa solidariedade. Depois está o generoso dom do óleo perfumado sobre a cabeça, que alivia o calor do sol do deserto, refresca e suaviza a pele, animando o espírito com sua fragrância. Finalmente, o cálice transbordante acrescenta uma nota de festa, com seu vinho saboroso, compartilhado com uma generosidade abundante. Refeição, óleo, vinho: são os dons que fazem viver e que dão alegria, porque vão além do que é estritamente necessário e expressam a gratuidade e a abundância do amor. O Salmo 104 proclama, celebrando a bondade que vem do Senhor: “Fazes crescer o feno para o gado, e a erva útil ao homem, para que tire da terra o seu pão: o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que realça o brilho do rosto e o pão que sustenta o seu vigor” (v.14 e 15). O salmista é objeto de muitas atenções, pelas quais se vê um viajante que encontra refúgio em uma barraca acolhedora, enquanto seus inimigos devem olhar, sem poder intervir, porque aquele que era considerado sua presa recebeu refúgio, tornou-se hóspede sagrado, intocável. O salmista somos nós, quando somos realmente crentes em comunhão com Cristo. Quando Deus abre a sua barraca para nos acolher, nada pode nos causar dano.

Ao partir novamente o viajante, a proteção divina continua e o acompanha em sua viagem:

“Felicidade e graça vão me acompanhar

todos os dias da minha vida

e vou morar na casa do Senhor

por muitíssimos anos.” (v. 6)

A bondade e a fidelidade de Deus são a escolta que acompanha o salmista que sai da barraca e se coloca em caminho novamente. Além disso, é um caminho que adquire um novo sentido, tornando-se peregrinação rumo ao Templo do Senhor, o lugar santo no qual o orante quer “habitar” para sempre e ao qual quer “regressar”. O verbo hebraico que se utiliza aqui tem o sentido de “voltar”, mas, com uma pequena modificação vocálica, pode ser entendido como “morar”, e assim está traduzido nas versões antigas e na maior parte das traduções modernas. Ambas podem ser mantidas: voltar ao Templo e morar nele é o desejo de todo israelita, e morar perto de Deus, em sua proximidade e bondade, é o anseio e a nostalgia de todo crente: poder habitar realmente onde está Deus, perto d’Ele.

O rastro do pastor leva à sua casa, é a metade de todo caminho, oásis desejado no deserto, tenda de refúgio na fuga dos inimigos, lugar de paz onde experimentar a bondade e o amor fiel de Deus, dia a dia, na alegria serena de um tempo sem fim.

As imagens deste salmo, com sua riqueza e profundidade, acompanharam toda a história e a experiência religiosa o povo de Israel e acompanham os cristãos. A figura do pastor, em especial, evoca o tempo do Êxodo, o longo caminho no deserto, como um rebanho sob a guia do Pastor divino (cf. Is 63,11-14; Sal 77,20-21; 78,52-54). E, na Terra Prometida, era o rei quem tinha o dever de apascentar o rebanho do Senhor, como Davi, pastor escolhido por Deus e figura do Messias (cf. 2Sam 5,1-2; 7,8; Sal 78,70-72). Depois, no exílio na Babilônia, quase um novo Êxodo (cf. Is 40,3-5.9-11; 43,16-21), Israel é reconduzido à pátria como ovelhas dispersas e reencontradas, reconduzidas por Deus aos exuberantes pastos e lugares de repouso (cf. Ez 34,11-16.23-31). Mas é no Senhor Jesus que toda a força evocadora do nosso salmo chega à sua plenitude, encontra o cume do seu significado: Jesus é o “Bom Pastor” que vai buscar a ovelha perdida, que conhece suas ovelhas e que dá a vida por elas (cf. Mt 18,12-14; Lc 15,4-7; Jn 10,2-4.11-18). Ele é a via, o caminho justo que leva à vida (cf. Jn 14,6), a luz que ilumina o vale escuro e que vence os nossos medos (cf. Jn 1,9; 8,12; 9,5; 12,46). Ele é o anfitrião generoso que nos acolhe e nos coloca a salvo dos inimigos, preparando-nos a mesa do seu Corpo e do seu Sangue (cf. Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,19-20), a definitiva do banquete messiânico no Céu (cf. Lc 14,15ss; Ap 3,20; 19,9). Ele é o Pastor real, rei na doçura e no perdão, entronizado no lenho glorioso da cruz (cf. Jn 3,13-15; 12,32; 17,4-5).

Queridos irmãos e irmãs, o Salmo 23 nos convida a renovar a nossa confiança em Deus, abandonando-nos totalmente em suas mãos. Peçamos com fé que o Senhor nos conceda caminhar para sempre pelos seus caminhos como rebanho dócil e obediente; que nos acolha na sua casa, em sua mesa e nos conduza a “águas tranquilas”, para que, ao acolher o dom do seu Espírito, possamos beber nas suas fontes, mananciais dessa água viva que “jorra para a vida eterna” (Jn 4,14; cf. 7,37-39).

Obrigado!

Catequese do Papa: Deus dá sentido à vida

Intervenção na audiência geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 28 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, a catequese que o Papa Bento XVI dirigiu hoje aos fiéis reunidos para a audiência geral.

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Queridos irmãos e irmãs:

Como vocês sabem, da quinta-feira passada até domingo, realizei uma visita pastoral à Alemanha; estou contente, portanto, por acolher a ocasião da presente audiência para percorrer com vocês os intensos e maravilhosos dias transcorridos no meu país de origem. Atravessei a Alemanha de norte a sul, de leste a oeste: de Berlim a Erfurt e deEichsfeld a, finalmente, Freiburg, cidade próxima da fronteira com a França e a Suíça. Agradeço, em primeiro lugar, ao Senhor, pela possibilidade que me ofereceu de reunir-me com as pessoas e falar de Deus, de rezar unidos e de confirmar os irmãos e irmãs na fé, segundo o especial mandato que o Senhor confiou a Pedro e aos seus sucessores. Esta visita, desenvolvida sob o lema “Onde há Deus, há futuro”, foi realmente uma festa da fé: nos diversos encontros e conversas, nas celebrações, especialmente nas solenes Missas com o povo de Deus. Estes momentos foram um belíssimo presente que nos fez perceber, novamente, como Deus dá à nossa vida o sentido profundo, a verdadeira plenitude, que só Ele nos dá, concedendo a todos um futuro.

Com profunda gratidão, recordo o acolhimento caloroso e entusiasta, como também a atenção e o carinho que me demonstraram nos diversos lugares que visitei. Agradeço de coração os bispos alemães, especialmente aqueles cujas dioceses me acolheram, pelo seu convite e por tudo o que fizeram, junto aos seus colaboradores, para preparar esta viagem. Um profundo agradecimento também ao presidente federal e às demais autoridades políticas e civis, no âmbito federal e regional. Estou profundamente agradecido a todos os que contribuíram, de várias formas, para o bom resultado da visita, sobretudo aos numerosos voluntários. Assim, esta foi um grande presente para mim e suscitou alegria, esperança e um novo impulso na fé, de compromisso para com o futuro.

Na capital federal de Berlim, o presidente me acolheu em sua residência e me deu as boas-vindas em seu nome e em nome dos seus compatriotas, expressando a estima e o carinho por um Papa natural da terra alemã. Da minha parte, pude fazer uma pequena reflexão sobre a relação recíproca entre religião e liberdade, recordando a frase do grande bispo e reformador socialWilhelm von Ketteler: “Como a religião precisa da liberdade, também esta tem necessidade da religião”.

Muito contente, aceitei o convite a ir ao Budestag, que foi um dos momentos mais importantes da minha viagem. Pela primeira vez, um Papa deu um discurso diante dos membros do Parlamento alemão. Nesta ocasião, eu quis expor o fundamento do direito e do livre estado do direito, isto é, a medida de todo direito, inscrito pelo Criador no próprio ser da sua criação. É necessário ampliar o nosso conceito de natureza, compreendendo-a não somente como um conjunto de funções, mas sim muito além disso, como uma linguagem do Criador para ajudar-nos a discernir o bem e o mal. Sucessivamente, teve lugar o encontro com alguns representantes da comunidade judaica da Alemanha. Recordando nossas raízes comuns na fé do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, destacamos os frutos obtidos pelo diálogo entre a Igreja Católica e o Judaísmo na Alemanha. Tive também a oportunidade de reunir-me com alguns membros da comunidade muçulmana, falando com eles sobre a importância da liberdade religiosa para um desenvolvimento pacífico da humanidade.

A Santa Missa no estádio olímpico de Berlim, como conclusão do primeiro dia da visita, foi uma das grandes celebrações litúrgicas que me deram a possibilidade de rezar com fiéis e incentivá-los na fé. Alegrou-me muito a numerosa participação das pessoas! Nesse momento festivo e impressionante, meditamos sobre a imagem evangélica da videira e dos ramos, ou seja, sobre a importância de estar unidos a Cristo para a nossa vida pessoal de crentes e para o nosso ser de Igreja, seu corpo místico.

A segunda etapa da minha visita se realizou na Turíngia. A Alemanha, e de maneira especial a Turíngia, é a terra da reforma protestante. Portanto, desde o início, eu quis ardentemente dar uma particular importância ao ecumenismo dentro dessa viagem, e foi meu forte desejo viver um momento ecumênico em Erfurt, porque, nessa cidade, Martinho Lutero entrou na comunidade dos Agostinianos e foi ordenado sacerdote. Por isso, alegrei-me muito pelo encontro com os membros do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha e pelo ato ecumênico no ex-convento dos agostinianos: um encontro cordial que, no diálogo e na oração, levou-nos de forma mais profunda a Cristo. Vimos novamente a importância do nosso testemunho comum da fé em Jesus Cristo no mundo atual, que muitas vezes ignora Deus e não se interessa por Ele. É necessário nosso esforço comum no caminho rumo à total unidade, mas somos muito conscientes de que não podemos “fazer” nem a fé nem a unidade tão esperada. Uma fé criada por nós mesmos não tem nenhum valor e a verdadeira unidade é sobretudo um dom do Senhor, o qual rezou e reza sempre pela unidade dos seus discípulos. Somente Cristo pode nos dar esta unidade e estaremos cada vez mais unidos na medida em que voltemos a Ele e nos deixemos transformar por Ele.

Um momento particularmente emocionante foi, para mim, a celebração das Vésperas marianas no santuário de Etzelsbach, onde fui acolhido por uma multidão de peregrinos. Quando era jovem, ouvi falar da região de Eichsfeld – área que continuou sendo católica nas diversas vicissitudes da história – e dos seus habitantes, que se opuseram corajosamente às ditaduras do nazismo e do comunismo. Por isso, alegrei-me muito por poder visitar Eichsfeld e sua gente em uma peregrinação à imagem milagrosa de Nossa Senhora das Dores de Etzelsbach, onde, durante séculos, os fiéis confiaram a Maria suas próprias petições, preocupações, sofrimentos, onde receberam consolo, graças e bênçãos.

Também foi muito impactante a Missa celebrada na praça do Duomo em Erfurt. Recordando os santos padroeiros da Turíngia – Santa Isabel, São Bonifácio e São Kilian – e o exemplo luminoso dos fiéis que testemunharam o Evangelho durante os sistemas totalitários, convidei os fiéis a ser os santos de hoje, testemunhas válidas de Cristo, e a contribuir para a construção da nossa sociedade. Sempre foram, os santos e as pessoas imbuídas de Cristo, os que transformaram verdadeiramente o mundo. Comovente também foi o breve encontro com Hermann Scheipers, o último sacerdote alemão sobrevivente do campo de concentração de Dachau. Em Erfurt, também tive a oportunidade de reunir-me com algumas vítimas dos abusos sexuais por parte de religiosos, a quem quis mostrar minha dor e proximidade diante do seu sofrimento.

A última etapa da minha viagem me levou ao sudoeste da Alemanha, à arquidiocese de Freiburg. Os habitantes dessa bela cidade, os fiéis da arquidiocese e os numerosos peregrinos vindos das vizinhas França e Suíça, bem como de outros países, dedicaram-me um acolhimento especialmente festivo. Pude experimentar isso também na vigília de oração com milhares de jovens. Senti-me feliz ao ver que a fé na minha pátria alemã tem um rosto jovem, que está viva e tem um futuro. Nesse estupendo rito da luz, entreguei aos jovens a chama do círio pascal, símbolo da luz que é Cristo, exortando-os: “Vós sois a luz do mundo”. Eu lhes repeti que o Papa confia na colaboração ativa dos jovens: com a graça de Cristo, eles são capazes de levar ao mundo o fogo do amor de Deus.

Um momento singular foi o encontro com os seminaristas no Seminário de Freiburg. Respondendo de alguma maneira à comovente carta que me enviaram umas semanas antes, eu quis mostrar aos jovens a beleza e grandeza do chamado do Senhor e oferecer-lhes alguma ajuda para seguir o seu caminho com alegria e em profunda comunhão com Cristo. Ainda no seminário, pude me reunir, em uma atmosfera fraterna, com alguns representantes das igrejas ortodoxas e ortodoxas orientais, as quais nós, católicos, nos sentimos muito próximos. Dessa ampla comunhão deriva também o dever comum de ser fermento para a renovação da nossa sociedade. Um amigável encontro com os representantes dos leigos católicos alemães concluiu a série de eventos programados no seminário.

A grande Celebração Eucarística dominical, no aeroporto turístico de Freiburg, foi outro momento culminante da visita pastoral, bem como uma oportunidade para agradecer a todos os que se comprometem em todos os âmbitos da vida eclesial, sobretudo os numerosos voluntários e colaboradores das iniciativas caritativas. São estes que tornam possíveis as múltiplas ajudas que a Igreja alemã oferece à Igreja universal, especialmente nas terras de missão. Recordei também que o seu precioso serviço será sempre fecundo quando vier de uma fé autêntica e viva, em união com os bispos e o Papa, em união com a Igreja. Finalmente, antes de voltar, falei com cerca de mil católicos comprometidos com a Igreja e com a sociedade, sugerindo algumas reflexões sobre a ação da Igreja em uma sociedade secularizada, sobre o convite a ser livres de cargas materiais e políticas para ser mais transparentes diante de Deus.

Queridos irmãos e irmãs, esta viagem apostólica à Alemanha me ofereceu a oportunidade propícia para encontrar-me com os fiéis da minha pátria alemã, para confirmá-los na fé, na esperança e no amor, e compartilhar com eles a alegria de ser católicos. Mas a minha mensagem estava dirigida a todo o povo alemão, para convidá-lo a olhar com confiança para o futuro. É verdade, “onde há Deus, há futuro”. Agradeço novamente os que tornaram essa visita possível e aos que me acompanharam com a oração. Que o Senhor abençoe o povo de Deus na Alemanha e abençoe todos vocês.

Obrigado.