“Todos devem evangelizar, especialmente com a vida!”

Catequese do Papa Francisco durante a Audiência Geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, 22 de Maio de 2013 (Zenit.org) – Publicamos abaixo a catequese que o Papa Francisco deu esta manhã durante a habitual Audiência Geral da quarta –feira, realizada na Praça de São Pedro.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia.

No Credo, depois de ter professado a fé no Espírito Santo, dizemos: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica”. Existe uma ligação profunda entre estas duas realidades da fé: é o Espírito Santo, de fato, que dá vida à Igreja, guia os seus passos. Sem a presença e a ação incessante do Espírito Santo, a Igreja não poderia viver e não poderia realizar a tarefa que Jesus ressuscitado confiou, de ir e fazer discípulos todas as nações (cf. Mt 28, 18). Evangelizar é a missão da Igreja, não só de alguns, mas a minha, a sua, a nossa missão. O Apóstolo Paulo exclamava: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho” (1 Cor 9,16). Todos devem ser evangelizadores, especialmente com a vida! Paulo VI destacava que “evangelizar… é a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. Ela existe para evangelizar “(Exortação Apostólica. Evangelii Nuntiandi, 14).

Quem é o verdadeiro motor da evangelização na nossa vida e na Igreja? Paulo VI escrevia com clareza: “É ele, o Espírito Santo que, assim como no início da Igreja, age em cada evangelizador que se deixa possuir e conduzir por Ele, que lhes sugere palavras que sozinhos não conseguiriam encontrar, preparando ao mesmo tempo a alma de quem escuta para que esteja aberta para acolher a Boa Nova e o Reino anunciado” (ibid., 75). Para evangelizar, então, é necessário abrir-se mais uma vez ao horizonte do Espírito de Deus, sem medo do que nos peça e onde nos leve. Confiemos nele! Ele nos fará capazes de viver e testemunhar a nossa fé, e iluminará o coração de quem encontrarmos. Essa foi a experiência de Pentecostes: aos Apóstolos, reunidos com Maria no Cenáculo, “apareceram línguas como de fogo, que se repartiram, e repousaram sobre cada um deles, e todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outra línguas, da forma em que o Espírito Santo lhes concedia que se exprimissem”(Atos 2, 3-4). O Espírito Santo, descendo sobre os Apóstolos, os faz sair da sala onde se encontravam fechados por temor, os faz sair de si mesmos, e os transforma em anunciadores e testemunhas das “grandes obras de Deus” (v. 11). E essa transformação operada pelo Espírito Santo se reflete na multidão que aparece no local e proveniente “de todas as nações que há debaixo do céu” (v. 5), porque cada um escuta as palavras dos Apóstolos como se fossem ditas em sua própria língua (v. 6 ).

Aqui está um primeiro efeito importante da ação do Espírito Santo que guia e inspira o anúncio do Evangelho: a unidade, a comunhão. Em Babel, de acordo com a Bíblia, tinha começado a dispersão dos povos e a confusão das línguas, resultado do gesto de soberba e de orgulho do homem que queria construir, somente com as próprias forças, sem Deus, “uma cidade e uma torre cujo cume toque o céu” (Gn 11, 4). No dia de Pentecostes, estas divisões são superadas. Não há mais orgulho contra Deus, nem o isolamente de uns com os outros, mas há a abertura com Deus, há esse sair para anunciar a sua Palavra: uma língua nova, aquela do amor que o Espírito Santo derrama nos corações (cf. Rm 5,5); uma língua que todos podem entender e que, acolhida, pode ser expressa em cada existência e em cada cultura. A língua do Espírito, a língua do Evangelho é a língua da comunhão, que convida a superar isolamentos e indiferenças, divisões e conflitos. Todos nós devemos nos perguntar: como me deixo guiar pelo Espírito Santo a fim de que a minha vida e meu testemunho de fé seja de unidade e de comunhão? Levo a palavra de reconciliação e de amor que é o Evangelho nos ambientes onde moro? Às vezes parece que hoje se repita o que aconteceu em Babel: divisões, incapacidades de compreensão, rivalidades, invejas, egoísmo. O que que eu faço com a minha vida? Crio união ao meu redor? Ou divido, com as fofocas, as críticas, as invejas? O que faço? Pensemos nisso. Levar o Evangelho é anunciar e viver, nós em primeiro lugar, o perdão, a paz, a unidade e o amor que o Espírito Santo nos doa. Lembremos das palavras de Jesus: “Nisto todos saberão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 34-35).

Um segundo elemento: no dia de Pentecostes, Pedro, cheio do Espírito Santo, se levantou “com os onze” e “em voz alta” (Atos 2, 14), e “com ousadia” (v. 29) anuncia a boa nova de Jesus, que deu a sua vida pela nossa salvação e que Deus ressuscitou dos mortos. Eis outro efeito da ação do Espírito Santo: a coragem, de anunciar a novidade do Evangelho de Jesus a todos, com franqueza (parresia), em voz alta, em todo tempo e em todo lugar. E isso acontece também hoje por meio da Igreja e de cada um de nós: do fogo de Pentecostes, da ação do Espírito Santo, saem sempre novas energias de missão, novas formas de como anunciar a mensagem de salvação, nova coragem para evangelizar. Não nos fechemos nunca a esta ação! Vivamos com humildade e coragem o Evangelho! Testemunhemos a novidade, a esperança, a alegria que o Senhor traz na vida. Sintamos em nós “a doce e reconfortante alegria de evangelizar” (Paulo VI, Exortação Apostólica. Ap. Evangelii Nuntiandi, 80). Porque evangelizar, proclamar Jesus, nos dá alegria; pelo contrário o egoísmo nos dá amargura, tristeza, nos leva para baixo; evangelizar nos levanta.

Menciono apenas um terceiro elemento, que é porém particularmente importante: uma nova evangelização, uma Igreja que evangeliza deve sempre começar pela oração, pelo pedir, como os Apóstolos no Cenáculo, o fogo do Espírito Santo. Só o relacionamento fiel e intenso com Deus permite sair dos próprios isolamentos e anunciar com parresia o Evangelho. Sem a oração o nosso agir se torna vazio e o nosso anunciar não tem alma, e não é animado pelo Espírito.

Queridos amigos, como disse Bento XVI, hoje a Igreja “sente especialmente o vento do Espírito Santo que nos ajuda, nos mostra o caminho certo; e assim, com novo entusiasmo, estamos a caminho e damos graças ao Senhor” (Palavras na Assembléia Ordinária do Sínodo dos Bispos, 27 de outubro de 2012). Renovemos a cada dia a confiança na ação do Espírito Santo, a confiança que Ele age em nós, Ele está dentro de nós, nos dá o fervor apostólico, nos dá a paz, nos dá a alegria. Deixemo-nos guiar por Ele, sejamos homens e mulheres de oração, que testemunhem  com coragem o Evangelho, tornando-se no nosso mundo instrumento da unidade e da comunhão com Deus. Obrigado.

(Tradução Thácio Siqueira)

Depois da catequese, o Papa se dirigiu aos fiéis de vários países, cumprimentando-os nos diferentes idiomas. Aos peregrinos italianos, disse:

Com íntimo afecto saúdo os grupos de fiéis vindos da diocese de Benguela (Angola), de Brasília e Carcavelos e todos os demais peregrinos de língua portuguesa, recordando a cada um a sua própria missão de ser evangelizador. O Espírito Santo tornar-vos-á capazes de viver e testemunhar a vossa fé e iluminará o coração das pessoas que encontrardes. Deixai-vos guiar por Ele, sem medo daquilo que vos peça ou aonde vos mande. O Senhor vos abençoe, para serdes em toda a parte farol de luz do Evangelho para todos. Nossa Senhora acompanhe e proteja a vós todos e aos vossos entes queridos. Força!

Cristãos guiados pela verdade inspirada pelo Espírito Santo

Catequese do Papa Francisco durante a Audiência Geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, 15 de Maio de 2013 (Zenit.org) – Publicamos a seguir a catequese realizada esta manhã pelo Papa Francisco durante a tradicional Audiência Geral da quarta-feira, tida na Praça de São Pedro.

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Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

hoje gostaria de refletir sobre a ação que o Espírito Santo realiza ao guiar a Igreja e cada um de nós à Verdade. Jesus mesmo diz aos discípulos: o Espírito Santo “vos guiará à toda a verdade” (Jo 16, 13), sendo ele mesmo “o Espírito de Verdade” (cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13).

Vivemos em uma época na qual as pessoas são céticas em relação à verdade. Bento XVI tem falado muitas vezes do relativismo, da tendência a acreditar que não há nada de definitivo e pensar que a verdade seja dada pelo consentimento ou por aquilo que nós queremos. Surge a pergunta: existe realmente “a” verdade? O que é “a” verdade? Podemos conhecê-la? Podemos encontrá-la? Aqui me vem à mente a pergunta do Procurador romano Pôncio Pilatos quando Jesus lhe revelou o sentido profundo da sua missão: “O que é a verdade?” (Jo 18,37.38). Pilatos não consegue compreender que “a” Verdade está diante dele, não consegue ver em Jesus o rosto da verdade, que é o rosto de Deus. No entanto, Jesus é justamente isso: a Verdade, que, na plenitude dos tempos, “se fez carne” (Jo 1,1.14), veio em meio a nós para que a conhecêssemos. A verdade não é compreendida como uma coisa, a verdade é encontrada. Não é uma possessão, é um encontro com uma Pessoa.

Mas quem nos faz reconhecer que Jesus é “a” Palavra de verdade, o Filho unigênito de Deus Pai? São Paulo ensina que “ninguém pode dizer” Jesus é o Senhor!” senão pela ação do Espírito Santo “(1 Cor 12, 3). É apenas o Espírito Santo, o dom de Cristo Ressuscitado, que nos faz reconhecer a Verdade. Jesus define-o “Paráclito”, ou seja “aquele que vem em nosso auxílio”, que está do nosso lado para sustentar-nos neste caminho de conhecimento; e, durante a Última Ceia, Jesus assegura aos discípulos que o Espírito Santo ensinará todas as coisas, lembrando-lhes as suas palavras (cf. Jo 14,26).

Qual é a ação do Espírito Santo na nossa vida e na vida da Igreja para guiar-nos à verdade? Em primeiro lugar, lembra e imprime nos corações dos crentes as palavras que Jesus disse, e, precisamente por meio de tais palavras, a lei de Deus – como tinham anunciado os profetas do Antigo Testamento – é inscrita no nosso coração e se torna em nós princípio de avaliação nas escolhas e guia nas ações cotidianas, se torna princípio de vida. Realiza-se a grande profecia de Ezequiel: “Eu vos purificarei de todas as vossas impurezas e de todos os vossos ídolos, dar-lhes-ei um coração novo, colocarei dentro de vós um espírito novo… Colocarei o meu espírito dentro de vós e vos farei viver segundo as minhas leis e vos farei observar e colocar em prática os meus preceitos”(36, 25-27). De fato, é do íntimo de nós mesmos que nascem as nossas ações: é precisamente o coração que deve se converter a Deus, e o Espírito Santo o transforma se nós nos abrimos a Ele.

O Espírito Santo, então, como Jesus promete, nos guia “à toda a verdade” (Jo 16, 13); nos guia não somente ao encontro com Jesus, plenitude da Verdade, mas nos guia também “dentro” da Verdade, nos faz entrar em comunhão sempre mais profunda com Jesus, dando-nos inteligência das coisas de Deus. E esta não a podemos conseguir com as nossas forças. Se Deus não nos ilumina interiormente, o nosso ser cristãos será superficial. A Tradição da Igreja afirma que o Espírito de verdade age no nosso coração suscitando aquele “sentido da fé” (sensus fidei) por meio do qual, como afirma o Concílio Vaticano II, o Povo de Deus, sob a guia do Magistério, adere infalivelmente à fé transmitida, aprofunda nela e a aplica mais plenamente na vida (cf. Constituição dogmática. Lumen Gentium, 12). Tentemos perguntar-nos: estou aberto à ação do Espírito Santo, oro para Ele para que me dê luz, me faça mais sensível às coisas de Deus? Esta é uma oração que devemos fazer todos os dias: “Espírito Santo, faça que o meu coração seja aberto à Palavra de Deus, que o meu coração seja aberto ao bem, que o meu coração seja aberto à beleza de Deus todos os dias”. Gostaria de fazer uma pergunta a todos: quantos de vocês rezam a cada dia ao Espírito Santo? Serão poucos, mas temos que cumprir esse desejo de Jesus e orar todos os dias ao Espírito Santo, para que nos abra o coração a Jesus.

Pensemos em Maria que “guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2,19.51). A acolhida das palavras e das verdades da fé para que se tornem vida, se realiza e cresce sob a ação do Espírito Santo. Neste sentido é necessário aprender de Maria, reviver o seu “sim”, a sua disponibilidade total em receber o Filho de Deus na sua vida, que a partir daquele momento se transformou. Por meio do Espírito Santo, o Pai e o Filho fazem sua morada no meio de nós: nós vivemos em Deus e de Deus. Mas a nossa vida é verdadeiramente animada por Deus? Quantas coisas coloco na frente de Deus?

Queridos irmãos e irmãs, precisamos deixar-nos inundar pela luz do Espírito Santo, para que Ele nos introduza na Verdade de Deus, que é o único Senhor da nossa vida. Neste Ano da fé perguntemo-nos se concretamente demos algum passo para conhecer mais a Cristo e as verdades da fé, lendo e meditando a Sagrada Escritura, estudando o Catecismo, aproximando-nos com constância dos Sacramentos. Mas, perguntemo-nos ao mesmo tempo quais passos estamos dando para que a fé oriente toda a nossa existência. Não dá pra ser cristãos “por tempos”, somente em alguns momentos, em algumas circunstâncias, em algumas escolhas. Não dá para ser cristãos assim, cristão se é em todos os momentos! Totalmente! A verdade de Cristo, que o Espírito Santo nos ensina, e nos dá, interessa para sempre e totalmente a nossa vida cotidiana. Invoquemo-lo com mais frequência, para que nos guie no caminho dos discípulos de Cristo. Invoquemo-lo todos os dias. Faço-vos esta proposta: invoquemos todos os dias o Espírito Santo, assim o Espírito Santo nos aproximará de Jesus Cristo.

(Tradução do original italiano por Thácio Siqueira)

Ao final da catequese o Papa dirigiu uma saudação em diversas línguas. Em português disse:

Queridos irmãos e irmãs,

O Espírito Santo guia a Igreja e cada um de nós para a Verdade. Diante de uma época como a nossa, em que impera o relativismo, é importante lembrar que Espírito Santo é Aquele que nos permite encontrar a Verdade. Ter encontro com a Verdade que se fez carne: Jesus Cristo. De fato, a ação do Divino Paráclito consiste em recordar e imprimir no coração dos fiéis as Palavras de Jesus, fazendo com que estas se transformem em princípio e guia da vida cristã. É do íntimo de nós mesmos que nascem as nossas ações; é o coração que deve converter-se a Deus, e o Espírito Santo transforma-o se nos abrirmos a ele. Neste Ano da Fé, somos convidados, seguindo o exemplo de docilidade de Nossa Senhora, a nos deixar inundar pela luz do Espírito Santo, predispondo-nos à Sua ação, buscando conhecer mais a Cristo e as verdades da fé: meditando a Sagrada Escritura, estudando o Catecismo e aproximando-se com mais freqüência dos sacramentos.

Jesus virá para julgar vivos e mortos

Catequese do Papa Francisco na Audiência Geral da quarta-feira.

CIDADE DO VATICANO, 24 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Nesta quarta-feira, o Papa Francisco, em sua habitual catequese semanal continuou aprofundando no Símbolo da fé: o Credo. Com uma praça de São Pedro, mais uma vez, cheia de jovens e peregrinos, o Papa dirigiu-lhes estas palavras:

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Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

No Credo professamos que Jesus “virá novamente na glória para julgar os vivos e os mortos”. A história humana começa com a criação do homem e da mulher à imagem e semelhança de Deus e conclui com o juízo final de Cristo. Muitas vezes esquecemos estes dois pólos da história e, sobretudo, a fé no retorno de Cristo e no juízo final, às vezes não é assim tão clara e forte no coração dos cristãos. Jesus, durante sua vida pública, refletiu muitas vezes na realidade da sua última vinda. Hoje eu gostaria de refletir sobre três textos evangélicos que nos ajudam a entrar neste mistério: o das dez virgens, o dos talentos e o do juízo final. Todos os três fazem parte do discurso de Jesus sobre o fim dos tempos, no Evangelho de São Mateus.

Em primeiro lugar lembremos que, com a Ascensão, o Filho de Deus levou para junto do Pai a nossa humanidade assumida por Ele e quer atrair todos a si, chamar todo o mundo para ser acolhido nos braços abertos de Deus, para que no final da história, toda a realidade seja entregue ao Pai. Há, no entanto, este “tempo imediato” entre a primeira vinda de Cristo e a última, que é precisamente o momento que estamos vivendo. Neste contexto do “tempo imediato” coloca-se a parábola das dez virgens (cf. Mt 25,1-13). São dez jovens que  esperam a chegada do esposo, mas ele atrasa e elas caem no sono. Ao anúncio repentido de que Esposo está chegando, todas se preparam para acolhê-lo, mas enquanto cinco dessas, sábias, têm óleo para alimentar as próprias lâmpadas, as outras, tolas, ficam com as lâmpadas apagadas porque não o têm; e enquanto procuram chega o Esposo e as virgens tolas encontram fechada a porta que leva à festa nupcial. Batem com insistência, mas agora é tarde, o Esposo responde: não vos conheço.

O Esposo é o Senhor, e o tempo de espera da sua chegada é o tempo que Ele nos presenteia, a todos nós, com misericórdia e paciência, antes da sua vinda final; é um tempo de vigilância; tempo em que devemos ter acesas as lâmpadas da fé, da esperança e da caridade, de ter aberto o coração para o bem, para a beleza e para a verdade; tempo de viver segundo Deus, porque não conhecemos nem o dia, nem a hora da volta de Cristo. O único que nos é pedido é estarmos preparados para o encontro – preparados para um encontro, para um lindo encontro, o encontro com Jesus -, que significa saber ver os sinais da sua presença, ter viva a nossa fé, com a oração, com os Sacramentos, ser vigilantes para não dormirmos, para não esquecermos de Deus. A vida dos cristãos adormecidos é uma vida triste, não é uma vida feliz. O cristão deve ser feliz, a alegria de Jesus. Não durmamos!

A segunda parábola, a dos talentos, nos faz refletir sobre a relação entre como empregamos os dons recebidos por Deus e o seu retorno, onde nos pedirá contas de como os temos utilizado (cf. Mt 25, 14-30). Conhecemos bem a parábola: antes de partir, o patrão entrega a cada servo alguns talentos, para que sejam utilizados bem durante a sua ausência. Entregou cinco ao primeiro, dois ao segundo e um ao terceiro. No período da ausência, os primeiros dois servos multiplicam os seus talentos – moedas antigas -, enquanto que o terceiro prefere enterrar o próprio e entregá-lo intacto ao patrão. Ao seu retorno, o patrão julga o seu modo de obrar: louva os dois primeiros, mas o terceiro é lançado nas trevas exteriores, porque escondeu por medo o talento, fechando-se em si mesmo. Um cristão que se fecha em si mesmo, que esconde tudo o que o Senhor lhe deu é um cristão… não é cristão! É um cristão que não agradece a Deus por tudo o que Ele lhe deu! Isso nos diz que a espera da volta do Senhor é o tempo da ação – nós estamos no tempo da ação -, o tempo de frutificar os dons de Deus não para nós mesmos, mas para Ele, para a Igreja, para os outros, o tempo de fazer sempre crescer o bem no mundo. E especialmente neste tempo de crise, hoje, é importante não fechar-se em si mesmo, enterrando o próprio talento, as próprias riquezas espirituais, intelectuais, materiais, tudo o que o Senhor nos deu, mas abrir-se, ser solidários, ter cuidado com o outro.  Na praça, vi que há muitos jovens hoje: é verdade, isso? Há muitos jovens? Onde estão? A vocês, que estão no início do caminho da vida, pergunto: pensaram nos talentos que Deus lhes deu? Pensaram em como colocá-los ao serviço dos outros? Não enterrem os talentos! Apostem em grandes ideais, aqueles ideais que ampliam o coração, aqueles ideais de serviço que farão frutificar os vossos talentos. A vida não nos foi dada para a conservarmos cuidadosamente para nós mesmos, mas nos foi dada para que a entreguemos. Caros jovens, tenham um ânimo grande! Não tenham medo de sonhar coisas grandes!

Finalmente, uma palavra sobre o juízo final, no qual se descreve a segunda vinda do Senhor, quando Ele julgará todos os seres humanos, vivos e mortos (cf. Mt 25, 31-46). A imagem usada pelo evangelista é a do pastor que separa as ovelhas dos cabritos. À direita são colocados aqueles que agiram de acordo com a vontade de Deus, socorrendo o próximo faminto, com sede, estrangeiro, nú, doente, preso – disse “estrangeiro”: penso em tantos estrangeiros que estão aqui na diocese de Roma: o que fazemos por eles? – enquanto à esquerda vão aqueles que não socorreram o próximo. Isso nos diz que seremos julgados por Deus sobre a caridade, sobre como o amamos nos nossos irmãos, especialmente nos mais frágeis e necessitados. É claro, devemos sempre ter em mente que somos justificados, somos salvos pela graça, por um ato de amor gratuito de Deus que sempre nos precede; sozinhos, não podemos fazer nada. A fé é principalmente um dom que nós recebemos. Mas para dar frutos, a graça de Deus requer sempre a nossa abertura a Ele, a nossa resposta livre e concreta. Cristo vem para levar-nos à misericórdia de Deus que salva. O único que nos é pedido é confiar Nele, corresponder ao dom do seu amor com uma vida boa, feita de ações animadas pela fé e pelo amor.

Queridos irmãos e irmãs, que olhar para o juízo final nunca nos dê medo; mas nos leve a viver melhor o presente. Deus nos oferece com misericórdia e paciência este tempo para que aprendamos a reconhecê-lo a cada dia nos pobres e nos pequenos, nos comprometamos pelo bem e sejamos vigilantes na oração e no amor. O Senhor, no final da nossa existência e da história, possa reconhecer-nos como servos bons e fieis. Obrigado.

[Tradução do italiano por Thácio Siqueira]

“A Ascensão não indica a ausência de Jesus, mas nos diz que Ele está vivo no meio de nós”

Catequese do Papa Francisco na Audiência Geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, 17 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Na audiência geral desta quarta-feira, o Papa continuou com o tema das catequeses dedicadas ao Credo, no Ano da Fé. Com milhares de fieis reunidos na Praça de São Pedro, depois de cumprimentar e abençoar os assistentes, no jeep branco, Francisco comentou a verdade de fé de que Cristo “subiu ao céu e está sentado à direita do Pai”. Oferecemos as palavras do santo padre:

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Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

No Credo, nós encontramos a afirmação de que Jesus “subiu ao céu, sentou à direita do Pai”. A vida terrena de Jesus culmina com o evento da Ascensão, que é quando Ele passa deste mundo ao Pai, e é levantado à sua direita. Qual é o significado deste evento? Quais são as consequências para a nossa vida? O que significa contemplar Jesus sentado à direita do Pai? Deixemo-nos guiar pelo evangelista Lucas.

Começamos a partir do momento em que Jesus decide embarcar na sua última peregrinação a Jerusalém. São Lucas nota: “Quando se completaram os dias de sua assunção, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém” (Lc 9, 51). Enquanto “sobe” para a Cidade Santa, onde cumprir-se-á o seu “êxito” desta vida, Jesus já vê a meta, o Céu, mas sabe bem que o caminho que o leva à glória do Pai passa por meio da Cruz, por meio da obediência ao plano divino de amor pela humanidade. O Catecismo da Igreja Católica afirma que “a elevação na Cruz significa e anuncia a elevação da Ascensão ao céu” (n. 662). Também nós temos que ter claro, na nossa vida cristã, que entrar na glória de Deus exige a fidelidade cotidiana à sua vontade, também quando requer sacrifício, requer às vezes mudar os nossos programas. A Ascensão de Jesus concretamente acontece no Monte das Oliveiras, perto do lugar onde tinha se retirado em oração antes da paixão para permanecer em profunda união com o Pai: mais uma vez vemos que a oração nos dá a graça de viver fieis ao projeto de Deus.

No final do seu Evangelho, São Lucas narra o evento da Ascensão de forma muito sintética. Jesus levou  os discípulos “até Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. E enquanto os abençoava, distanciou-se deles e era elevado ao céu. Eles ficaram prostrados diante dele, e depois voltaram a Jerusalém com grande alegria, e estavam continuamente no Templo, louvando a Deus”. (24,50-53); assim fala São Lucas. Gostaria de destacar dois elementos da narrativa.

Em primeiro lugar, durante a Ascensão Jesus realiza o gesto sacerdotal da benção e certamente os discípulos expressam a sua fé com a prostração, ajoelham-se enclinando a cabeça. Este é um primeiro ponto importante: Jesus é o único e eterno Sacerdote que com a sua paixão atravessou a morte e o túmulo e ressuscitou e subiu ao Céu; está junto do Pai, onde intercede para sempre em nosso favor (cf. Hb 9,24). Como São João afirma em sua Primeira Epístola Ele é o nosso advogado: que bom ouvir isso! Quando alguém é intimado por um juiz ou é processado, a primeira coisa que faz é buscar um advogado para que o defenda. Nós temos um, que nos defende sempre, nos defende das ciladas do demônio, nos defende de nós mesmos, de nossos pecados! Queridos irmãos e irmãs, temos este advogado: não tenhamos medo de ir até Ele para pedir perdão, para pedir a benção, para pedir misericórdia! Ele nos perdoa sempre, é o nosso advogado: nos defende sempre! Não se esqueçam disso! A Ascensão de Jesus ao Céu nos faz conhecer então esta realidade tão consoladora para o nosso caminho: em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a nossa humanidade foi levada para junto de Deus; Ele nos abriu a passagem; Ele é como o Primeiro de cordada ao escalar uma montanha, que chegou ao topo e nos atrai para si, conduzindo-nos a Deus. Se confiamos a Ele a nossa vida, se nos deixamos guiar por Ele tenhamos certeza de estar em boas mãos, nas mãos do nosso salvador, do nosso advogado.

Um segundo elemento: São Lucas menciona que os apóstolos, depois de verem Jesus subir ao céu, voltaram a Jerusalém “com grande alegria”. Isto parece um pouco estranho. No geral quando somos separados dos nossos familiares, dos nossos amigos, por causa de uma partida definitiva e sobretudo por causa da morte, há em nós uma tristeza natural, porque não veremos mais o seus rostos, não escutaremos mais as suas vozes, não poderemos mais desfrutar do afeto deles, da presença deles. Em vez disso, o evangelista ressalta a profunda alegria dos Apóstolos. Mas por quê? Porque, com os olhos da fé, eles entendem que, apesar de tirado dos seus olhos, não os abandona e, na glória do Pai, sustenta-os, guia-os e intercede por eles.

São Lucas narra o fato da Ascensão também no começo dos Atos dos Apóstolos, para enfatizar que este evento é como o anel que envolve e conecta a vida terrena de Jesus com a da Igreja. Aqui São Lucas também menciona a nuvem que tirou Jesus da vista dos discípulos, os quais permanecem contemplando o Cristo que ascende para junto de Deus (cf. At 1, 9-10). Intervêm então dois homens vestidos de branco que os convida a não permanecerem imóveis olhando para o céu, mas que alimentem as suas vidas e o seu testemunho com a certeza de que Jesus voltará do mesmo modo como o viram subir ao céu (Atos 1, 10-11). É um convite a partir da contemplação do Senhorio de Cristo, para receber dele a força de levar e testemunhar o Evangelho na vida de todos os dias:contemplare e agire, ora et labora ensina São Bento, ambos são necessários para as nossas vidas de cristãos.

Queridos irmãos e irmãs, a Ascensão não indica a ausência de Jesus, mas nos diz que Ele está vivo no meio de nós; não está mais num lugar específico do mundo como estava antes da Ascensão; agora está no Senhorio de Deus, presente em todos os lugares e tempos, perto de cada um de nós. Na nossa vida nunca estamos a sós: temos este advogado que nos espera, que nos protege. Nunca estamos sozinho: o Senhor crucificado e ressuscitado nos guia; conosco estão muitos irmãos e irmãs que no silêncio e no escondimento, na sua vida de família e de trabalho, nos seus problemas e dificuldades, nas suas alegrias e esperanças, vivem cotidianamente a fé e levam, junto conosco, ao mundo o senhorio do amor de Deus, em Cristo Jesus ressuscitado, ascendido ao Céu, nosso advogado. Obrigado.

[Traduzido do original por Thácio Siqueira]

O significado da ressurreição para as nossas vidas

Catequese do Papa Francisco na Audiência Geral da quarta-feira. Texto integral


CIDADE DO VATICANO, 10 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Publicamos a seguir a catequese semanal do Papa Francisco durante a habitual Audiência Geral da quarta-feira, realizada hoje na Praça de São Pedro.

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Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Na última catequese falamos sobre o evento da Ressurreição de Jesus, no qual as mulheres tiveram um papel especial. Hoje gostaria de refletir sobre o seu significado salvífico. O que significa para as nossas vidas a Ressurreição? E por que a nossa fé é vã sem ela? A nossa fé se fundamenta na Morte e Ressurreição de Cristo, assim como uma casa que se apoia nos seus alicerces: se desabarem os alicerces, toda a casa cai. Na cruz, Jesus ofereceu a si mesmo tomando sobre si os nossos pecados e descendo ao abismo da morte, e na Ressurreição os venceu, os tirou e nos abriu o caminho para renascer a uma vida nova. São Pedro o expressa resumidamente no começo da sua Primeira Carta, como já ouvimos: “Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, em sua grande misericórdia, nos gerou de novo, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para a esperança viva, para a herança incorruptível, imaculada e imarcescível” (1,3-4).

O Apóstolo nos diz que com a Ressurreição de Jesus algo novo acontece: somos libertos da escravidão do pecado e nos tornamos filhos de Deus, somos gerados a uma nova vida. Quando é que isso se realiza para nós? No sacramento do Batismo. Antigamente, ele era recebido por imersão. Aquele que seria batizado descia na grande banheira do Batistério, deixando as suas roupas, e o Bispo ou o sacerdote derramava-lhe por três vezes a água sobre a cabeça, batizando-o em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Depois o batizado saia da banheira e colocava uma veste nova, branca: ou seja, tinha nascido para uma vida nova, mergulhando na Morte e Ressurreição de Cristo. Tinha se tornado filho de Deus. São Paulo na Carta aos Romanos escreve: vós “recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pai!” (Rm 8,15). É o Espírito que recebemos no batismo que nos ensina, nos leva a dizer a Deus: “Pai”, ou melhor, “Abba!”, que significa “papai”. Assim é o nosso Deus: é um papai para nós. O Espírito Santo realiza em nós esta nova condição de filhos de Deus. E isso é o maior dom que recebemos do Mistério pascal de Jesus. E Deus nos trata como filhos, nos compreende, nos perdoa, nos abraça, nos ama, mesmo quando cometemos erros. Já no Antigo Testamento, o profeta Isaías afirmava que mesmo que uma mãe esquecesse do filho, Deus não se esquece jamais de nós, em nenhum momento (cf. 49:15). E isso é lindo!

No entanto, esta relação filial com Deus não é como um tesouro que conservamos em um canto da nossa vida, mas deve crescer, deve ser alimentada todos os dias com a escuta da Palavra de Deus, a oração, a participação nos sacramentos, especialmente da Penitência e da Eucaristia, e a caridade. Nós podemos viver como filhos! E esta é a nossa dignidade – nós temos a dignidade dos filhos. Comportar-nos como verdadeiros filhos! Isso quer dizer que a cada dia devemos deixar que Cristo nos transforme e nos faça como Ele; quer dizer buscar viver como cristãos, buscar segui-lo, mesmo que vejamos os nossos limites e as nossas fraquezas. A tentação de deixar Deus de lado para colocar-nos no centro está sempre às portas e a experiência do pecado fere a nossa vida cristã, o nosso ser filhos de Deus. Por isso devemos ter a coragem da fé e não deixar-nos levar pela mentalidade que nos fala: “Deus não é necessário, não é importante para você”, e assim por diante. É exatamente o contrário: só comportando-nos como filhos de Deus, sem  desencorajar-nos por causa das nossas quedas, pelos nossos pecados, sentindo-nos amados por Ele, a nossa vida será nova, animada pela serenidade e pela alegria. Deus é a nossa força! Deus é a nossa esperança!

Queridos irmãos e irmãs, devemos ter bem firmes para nós esta esperança e devemos ser um sinal visível, claro, luminoso para todos. O Senhor Ressuscitado é a esperança que nunca falha, que não decepciona (Rm 5,5). A esperança não decepciona. Aquela do Senhor! Quantas vezes na nossa vida as esperanças desaparecem, quantas vezes as expectativas que levamos no coração não se realizam! A nossa esperança de cristãos é forte, segura, sólida nesta terra, onde Deus nos chamou para caminhar, e está aberta para a eternidade, porque está fundamentada em Deus, que sempre é fiel; Deus sempre é fiel conosco. Que Ressuscitar com Cristo por meio do Batismo, com o dom da fé, para uma herança que não se corrompe, nos leve a buscar mais as coisas de Deus, a pensar mais Nele, a orar mais. Ser cristãos não se reduz a seguir alguns mandamentos, mas quer dizer ser em Cristo, pensar como Ele, agir como Ele, amar como Ele; é deixar que Ele tome posse da nossa vida e a transforme, a liberte das trevas do mal e do pecado.

Queridos irmãos e irmãs, para aqueles que nos pedem razão da esperança que está em nós (cf. 1 Pd 3,15), indicamos o Cristo Ressuscitado. O indicamos com a proclamação da Palavra, mas especialmente com a nossa vida de ressuscitados. Mostremos a alegria de ser filhos de Deus, a liberdade que nos traz o viver em Cristo, que é a verdadeira liberdade, aquela que nos salva da escravidão do mal, do pecado, da morte! Olhemos para a Pátria celestial, teremos uma nova luz e força também no nosso compromisso e nas nossa fadigas cotidianas. É um serviço precioso, que devemos dar a este mundo, que muitas vezes não consegue mais levantar o olhar para o alto, não consegue mais levantar o olhar para Deus.

[Tradução Thácio Siqueira]

[Depois da audiência cumprimentou os peregrinos de língua portuguesa:]

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa, em particular os grupos vindos de Coimbra e de São José do Rio Preto. A todos agradeço pela presença, desejando a cada um que possa crescer sempre mais na vida nova de ressuscitados que Cristo nos conquistou. Que Deus vos abençoe!

O coração da nossa esperança é a morte e a ressurreição de Jesus

Catequese do Papa Francisco na segunda Audiência Geral do pontificado

 

ROMA, 03 de Abril de 2013 (Zenit.org) – Na sua segunda Audiência geral, com uma Praça de São Pedro amarrotada de fieis, o santo padre Francisco retomou as catequeses do Ano da Fé, começadas pelo seu predecessor Bento XVI. A ocasião foi propícia para explicar a força da mensagem que contém o artigo de fé sobre a ressurreição de Cristo. Oferecemos aos nossos leitores a tradução de ZENIT do original italiano do Papa.

***

Queridos irmãos e irmãs,

Bom dia,

hoje voltamos às catequeses sobre o Ano da fé. No Credo repetimos esta expressão: “ressuscitou no terceiro dia segundo as Escrituras”. E é este o evento que estamos celebrando: a Ressurreição de Jesus, centro da mensagem cristã, ecoado desde o princípio e transmitido para que chegasse até nós. São Paulo escreve aos cristãos de Corinto: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi; Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas e depois aos Doze” (1 Cor 15, 3-5). Esta breve confissão de fé anuncia justamente o Mistério Pascal, com as primeiras aparições do Ressuscitado a Pedro e aos Doze: a Morte e a Ressurreição de Jesus são o coração da nossa esperança. Sem esta fé na morte e na ressurreição de Jesus a nossa esperança será fraca, mas não será nem sequer esperança, e o coração da nossa esperança é a morte e a ressurreição de Jesus. O Apóstolo afirma: “Se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé; ainda estais nos vossos pecados” (v. 17). Infelizmente, muitas vezes procurou-se obscurecer a fé na Ressurreição de Jesus, e também entre os mesmos crentes insinuaram-se dúvidas. Um pouco aquela fé “água com açucar”, como dizemos; não é a fé forte. E isso por superficialidade, às vezes por indiferença, ocupados por várias coisas que são consideradas mais importantes do que a fé, ou também por uma visão só horizontal da vida. Mas, é justamente a Ressurreição que nos abre à esperança maior, porque abre a nossa vida e a vida do mundo ao futuro eterno de Deus, à felicidade plena, à certeza de que o mal, o pecado, a morte podem ser vencidos. E isto leva a viver com mais confiança as realidades cotidianas, enfrentá-las com coragem e com compromisso. A Ressurreição de Cristo ilumina com uma nova luz estas realidades cotidianas. A Ressurreição de Cristo é a nossa força!

Mas como é que nos foi transmitida a verdade de fé da Ressurreição de Cristo? Há dois tipos de testemunhos no Novo Testamento: alguns estão na forma de profissão de fé, ou seja, de fórmulas sintéticas que mostram o núcleo da fé; outros, pelo contrário, estão na forma de narração do evento da Ressurreição e dos fatos ligados a ela. A primeira: a forma da profissão de fé, por exemplo, é aquela que acabamos de escutar, como também aquela da Carta aos Romanos na qual São Paulo escreve: “Porque, se confessares com tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (10, 9). Desde os primeiros passos da Igreja é bem sólida e clara a fé no Mistério da Morte e Ressurreição de Jesus. Hoje, porém, gostaria de deter-me na segunda, nos testemunhos como forma de narração, que encontramos nos Evangelhos. Em primeiro lugar notemos que as primeiros testemunhas deste evento foram as mulheres. Na aurora, elas vão até o sepulcro para ungir o corpo de Jesus, e encontram o primeiro sinal: o túmulo vazio (Mc 16,1). Depois continua o encontro com um Mensageiro de Deus que anuncia: Jesus de Nazaré, o Crucificado, não está aqui, ressuscitou (cf. vv 5-6.). As mulheres são movidas pelo amor e sabem acolher este anúncio com fé: crêem, e rapidamente o transmitem, não o guardam para si, transmitem-no. A alegria de saber que Jesus está vivo, a esperança que enche o coração, não pode ser contida. Isto também deveria acontecer na nossa vida. Sentimos a alegria de ser cristãos! Nós cremos num Ressuscitado que venceu o mal e a morte! Temos a coragem de “sair” para levar essa alegria e essa luz a todos os lugares da nossa vida”. A Ressurreição de Cristo é a nossa maior certeza; é o tesouro mais precioso! Como não compartilhar com os outros esse tesouro, essa certeza? Não é só para nós, é para transmití-la, para dar aos outros, compartilhar com os outros. É é o nosso testemunho.

Um outro elemento. Nas profissões de fé do Novo Testamento, como testemunhas da Ressurreição são lembrados somente homens, os Apóstolos, mas não as mulheres. Isto porque, de acordo com a lei judaica da época, as mulheres e as crianças não podiam dar um testemunho confiável, credível. Nos Evangelhos, no entanto, as mulheres têm um papel primordial, fundamental. Aqui podemos captar um elemento a favor da historicidade da Ressurreição: se fosse um fato inventado, no contexto daquela época não teria sido ligado ao testemunho das mulheres. Os evangelistas pelo contrário narram simplesmente o que aconteceu: as mulheres são as primeiras testemunhas. Isso diz que Deus não escolhe de acordo com os critério humanos: as primeiras testemunhas do nascimento de Jesus são os pastores, gente simples e humilde; as primeiras testemunhas da Ressurreição são as mulheres. E isso é bonito. E essa é um pouco a missão das mulheres: das mães, das mulheres! Dar testemunho aos filhos, aos netos, que Jesus está vivo, é o vivente, ressuscitou.

Mães e mulheres, adiante com este testemunho! Para Deus o que conta é o coração, o quanto estamos abertos à Ele, se somos como as crianças que confiam. Mas isso nos faz refletir também sobre como as mulheres, na Igreja e no caminho de fé, tenham tido e também hoje o tenham, um papel especial no abrir as portas para o Senhor, no seguí-lo e no comunicar o seu Rosto, porque o olhar de fé tem sempre necessidade do olhar simples e profundo do amor. Os Apóstolos e os discípulos têm mais dificuldades para crer. As mulheres não. Pedro corre ao sepulcuro, mas fica parado diante do túmulo vazio; Tomé tem que tocar com as suas mãos as feridas do corpo de Jesus. Também no nosso caminho de fé é importante saber e sentir que Deus nos ama, não ter medo de amá-lo: a fé se professa com a boca e com o coração, com a palavra e com o amor.

Depois das aparições às mulheres, acontecem outras: Jesus se faz presente de um modo novo: é o Crucificado, mas o seu corpo é glorioso; não voltou à vida terrena, mas numa nova condição. No começo não o reconhecem, e somente por meio das suas palavras e dos seus gestos que os olhos se abrem: o encontro com o Ressuscitado transforma, dá uma nova força à fé, um fundamento inabalável. Também para nós há tantos sinais em que o Ressuscitado se deixa reconhecer: a Sagrada Escritura, a Eucaristia, os outros sacramentos, a caridade, aqueles gestos de amor que trazem um raio do Ressuscitado. Deixemo-nos iluminar pela Ressurreição de Cristo, deixemo-nos transformar pela sua força, para que também através de nós os sinais de morte no mundo cedam o lugar aos sinais de vida. Vi que a praça está cheia de jovens. Eis aí! Digo a vocês: Levem adiante esta certeza: o Senhor está vivo e caminha ao nosso lado na vida. Esta é a missão de vocês! Levar adiante esta esperança. Estejam ancorados nessa esperança: esta âncora que está no céu; segurem forte a corda, estejam ancorados e levem adiante a esperança. Vocês, testemunhas de Jesus, levem adiante o testemunho de que Jesus está vivo e isto lhes dará esperança, dará esperança a este mundo um pouco envelhecido pelas guerras, pelo mal, pelo pecado. Adiante jovens!

É possível ver a Deus

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta-feira

CIDADE DO VATICANO, 16 de Janeiro de 2013 (Zenit.org) – Jesus Cristo “Mediador e plenitude de toda a Revelação”

Queridos irmãos e irmãs,

o Concílio Vaticano II na Constituição sobre a Divina Revelação Dei Verbum, afirma que a verdade íntima da revelação de Deus brilha para nós “em Cristo, que é juntamente o mediador e a plenitude de toda a Revelação” (n 2) . O Antigo Testamento nos narra como Deus, após a criação, apesar do pecado original, apesar da arrogância do homem de querer colocar-se no lugar do seu Criador, oferece novamente a possibilidade de sua amizade, sobretudo por meio da aliança com Abraão e o caminho de um pequeno povo, o de Israel, que Ele escolhe não com critérios terrenos, mas simplesmente por amor. É uma escolha que permanece um mistério e revela o estilo de Deus que chama alguns não para excluir outros, mas para fazê-los de ponte que conduza a Ele: eleição é sempre eleição para o outro. Na história do povo de Israel é possível refazer os passos de um longo caminho no qual Deus se faz conhecer, se revela, entra a história com palavras e ações. Para esta obra Ele utiliza mediadores, como Moisés, os Profetas, os Juízes, que comunicam ao povo a sua vontade, recordam a exigência da fidelidade à aliança e mantêm viva a realização plena e definitiva das promessas divinas.

E é exatamente a realização destas promessas que contemplamos no Santo Natal: a Revelação de Deus alcança o seu cume, a sua plenitude. Em Jesus de Nazaré, Deus realmente visita o seu povo, visita a humanidade de uma forma que vai além de todas as expectativas: envia o seu Filho Unigênito; faz-se homem o próprio Deus. Jesus não nos diz algo sobre Deus, não fala simplesmente do Pai, mas é a revelação de Deus, porque é Deus, e revela assim a face de Deus. No Prólogo do seu Evangelho, São João escreve: “Deus, ninguém jamais o viu: Ninguém jamais viu Deus. O Filho único que está no seio do Pai foi quem o revelou” (João 1, 18).

Gostaria de deter-me sobre este “revelar a face de Deus”. A este respeito, São João, no seu Evangelho, relata um fato significativo que ouvimos então. Aproximando-se a Paixão, Jesus tranqüiliza seus discípulos, exortando-os a não terem medo e a ter fé, e depois, começa um diálogo com eles no qual fala de Deus Pai (cf. João 14,2-9). Em um determinado momento, o apóstolo Filipe pede a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta” (João 14, 8). Filipe é muito prático e concreto, diz também o que nós queremos dizer: “queremos ver, mostra-nos o Pai”, pede para “ver” o Pai, para ver a sua face. A resposta de Jesus é respondida não só a Felipe, mas também a nós e nos introduz no coração da fé cristológica; o Senhor diz: “Quem me viu, viu o Pai” (João 14, 9). Esta expressão contém em síntese a novidade do Novo Testamento, aquela novidade que apareceu na gruta de Belém: é possível ver a Deus, Deus manifestou a sua face, é visívelem Jesus Cristo.

Em todo o Antigo Testamento é muito presente o tema da “busca da face de Deus”, o desejo de conhecer essa face, o desejo de ver Deus como Ele é, tanto que o termo hebraico pānîm, que significa “face”, é nomeado nada menos que 400 vezes, e 100 delas são referentes a Deus: 100 vezes refere-se a Deus, deseja-se ver a face de Deus. No entanto a religião judaica proíbe todas as imagens, porque Deus não pode ser representado, como faziam os povos vizinhos com a adoração de ídolos; então, com esta proibição das imagens, o Antigo Testamento parece excluir totalmente o “ver” do culto e da devoção. O que significa, então, para o israelita piedoso, buscar a face de Deus, sabendo que não pode haver imagem alguma? A questão é importante: por um lado, se quer dizer que Deus não pode ser reduzido a um objeto, como uma imagem que se toma em mãos, nem mesmo se pode colocar algo no lugar de Deus; por outro lado, afirma-se que Deus tem uma face, um “Tu” que pode entrar em relação, que não está fechadoem seu Céu a olhar do alto a humanidade. Deus está certamente acima de todas as coisas, mas se dirige a nós, escuta-nos, vê-nos, fala, estabelece aliança, é capaz de amar. A história da salvação é a história de Deus com a humanidade, é a história deste relacionamento de Deus que se revela progressivamente ao homem, que faz conhecer a si mesmo, a sua face.

Logo no início do ano, em 1° de janeiro, ouvimos na liturgia a bela oração de benção sobre o povo: “O Senhor te abençõe e te guarde. O Senhor te mostre a sua face e conceda-te a sua graça. O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz” (Nm 6,24-26). O esplendor da face divina é a fonte de vida, é o que nos permite ver a realidade; a luz da sua face é o guia da vida. No Antigo Testamento, há uma figura que está ligada de forma muito especial ao tema da “face de Deus”; trata-se de Moisés, a quem Deus escolhe para libertar o povo da escravidão do Egito, doa-lhe a Lei da aliança e o conduz à Terra prometida. Bem como, no capítulo 33 do Livro do Êxodo, diz-se que Moisés tinha um relacionamento estreito e confidencial com Deus: “O Senhor falava com Moisés face a face, como um homem fala com seu amigo” (v. 11). Em virtude dessa confiança, Moisés pede a Deus: “Mostra-me a tua glória”, e a resposta de Deus é clara:

“Farei passar diante de ti todo o meu esplendor e proclamarei o meu nome… Mas tu não poderás ver a minha face, porque nenhum homem pode me ver e permanecer vivo…Eis um lugar perto de mim…Tu me verás por detrás, mas a minha face não pode ser vista” (vv. 18-23). Por um lado, há agora um diálogo face a face como entre amigos, mas por outro há a impossibilidade, nesta vida, de ver a face de Deus, que permanece escondida; a visão é limitada. Os Padres dizem que estas palavras, ” tu me verás por detrás”, querem dizer: tu podes somente seguir a Cristo e seguindo vê por trás o mistério de Deus; Deus pode ser seguido vendo as suas costas.

Algo novo acontece, porém, com a Encarnação. A busca da face de Deus recebe uma mudança incrível, porque agora é possível ver essa face: é aquela de Jesus, do Filho de Deus que se fez homem. Nele encontra cumprimento o caminho da revelação de Deus iniciado com o chamado a Abraão, Ele é a plenitude desta revelação porque é o Filho de Deus, é ao mesmo tempo “mediador e plenitude de toda a Revelação” (Const. Dogm. Dei Verbum, 2), Nele o conteúdo da Revelação e o Revelador se coincidem. Jesus nos mostra a face de Deus e nos faz conhecer o nome de Deus. Na Oração sacerdotal, na Última Ceia, Ele diz ao Pai: “Manifestei o teu nome aos homens … Eu lhes fiz conhecer o teu nome” (cf. João 17,6.26). A expressão “nome de Deus” significa Deus como Aquele que está presente entre os homens. A Moisés, na sarça ardente, Deus havia revelado o seu nome, tinha se tornado invocável, tinha dado um sinal concreto do seu “existir” entre os homens. Tudo isso em Jesus encontra cumprimento e plenitude: Ele inaugura de um modo novo a presença de Deus na história, porque que quem O vê, veja o Pai, como diz a Filipe (cf. João14,9). O Cristianismo – afirma São Bernardo – é a “religião da Palavra de Deus”, não, porém, de “uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo” (Hom. super missus est, IV, 11: PL 183, 86B). Na tradição patrística e medieval utiliza-se uma fórmula especial para expressar esta realidade: diz-se que Jesus é o Verbum abbreviatum (cf. Rm 9,28, referindo-se a Isaías 10, 23), o Verbo abreviado, a Palavra breve, breve e substancial do Pai, que nos contou tudo sobre Ele. Em Jesus toda a Palavra está presente.

Em Jesus também a mediação entre Deus e o homem encontra a sua plenitude. No Antigo Testamento há uma série de figuras que desempenham esta tarefa, em particular Moisés, o libertador, o guia, o “mediador” da aliança, como o define também o Novo Testamento (cf. Gl 3, 19; Atos 7 , 35, Jo 1:17). Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não é simplesmente um dos mediadores entre Deus e o homem, mas é “o mediador” da nova e eterna aliança (cf. Hb 8:6; 9,15, 12,24), “um só, de fato, é Deus – diz Paulo – e um só o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus” (1 Tm 2,5; Gal 3,19-20). Nele podemos ver e encontrar o Pai; Nele podemos invocar a Deus como “Abbá, Pai”; Nele nos é doada a salvação.

O desejo de conhecer a Deus realmente, isso é, de ver a face de Deus é inerente a todos os homens, até mesmo nos ateus. E nós temos talvez inconscientemente este desejo de simplesmente ver quem é Ele, o que é, quem é para nós. Mas esse desejo se realiza seguindo a Cristo, assim, vemos as costas e enfim também a Deus como um amigo, a sua face na face de Cristo. O importante é que sigamos a Cristo não somente no momento em que necessiatmos e quando encontramos um espaço em nossas ocupações diárias, mas com a nossa vida enquanto tal. Toda a nossa existência deve ser orientada ao encontro com Jesus Cristo, ao amor por Ele; e, nisso, um lugar central deve ter o amor ao próximo, o amor que, à luz do Crucifixo, nos faz reconhecer a face de Jesus nos pobres, nos fracos, nos sofredores. Isso é possível somente se a verdadeira face de Jesus tornou-se familiar para nós na escuta da sua Palavra, no falar interiormente, no entrar nesta Palavra de forma que realmente O encontremos, e, naturalmente, no mistério da Eucaristia. No Evangelho de São Lucas é significativo o passo dos dois discípulos de Emaús, que reconhecem Jesus ao partir o pão, mas preparados pelo caminho com Ele, preparados pelo convite que fizeram a Ele de permanecer com eles, preparados pelo diálogo que fez arder seus corações; assim, ao final, eles veem Jesus. Também para nós a Eucaristia é a grande escola em que aprendemos a ver a face de Deus, entramos em relacionamento íntimo com Ele e aprendemos, ao mesmo tempo, a dirigir o olhar para o momento final da história, quando Ele irá nos saciar com a luz da sua face. Sobre a terra nós caminhamos para essa plenitude, na expectativa alegre que se realiza no Reino de Deus. Obrigado.

Bento XVI dirigiu a seguinte saudação em português:

Uma saudação cordial aos peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente ao grupo de “Cantorias”, da Diocese de Viseu: me quisestes recordar em vosso canto. Agradeço-vos e, de bom grado, vos encorajo na consagração à Virgem Maria para um feliz êxito na vossa configuração a Cristo. Desçam sobre vós e vossas famílias as Bênçãos de Deus. Obrigado.

Antes da benção final o Papa fez o seguinte apelo:

Depois de amanhã, sexta-feira, 18 de janeiro, começa a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que este ano tem como tema: “O que Deus exige de nós”, inspirado em uma passagem do profeta Miquéias (cf. 06-8). Convido todos a rezarem, pedindo com insistência a Deus o grande dom da unidade entre os discípulos do Senhor. A força inesgotável do Espírito Santo nos encoraje a um compromisso sincero de busca da unidade, para que possamos professar juntos que Jesus é o Salvador do mundo.

(Trad.MEM)

Toda promessa se cumpre em Jesus, nele culmina a história de Deus com a humanidade

Catequese de Bento XVI durante a audiência Geral da quarta-feira, 12 de dezembro

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 12 dezembro de 2012 (ZENIT.org) – Publicamos a seguir a catequese realizada esta manhã pelo Papa Bento XVI durante a habitual audiência geral realizada na sala Paulo VI.

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Queridos irmãos e irmãs,

na última catequese falei da Revelação de Deus, como comunicação que Ele faz de Si mesmo e do seu plano de benevolência e de amor. Esta Revelação de Deus entra no tempo e na história dos homens: história que se torna “o lugar em que podemos constatar o agir de Deus em favor da humanidade. Ele chega a nós por meio do que nos é mais familiar, e fácil de verificar, que constitui o nosso contexto cotidiano, sem o qual não conseguiríamos compreender-nos” (João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 12, Tradução Nossa).

O evangelista São Marcos – como ouvimos – relata, de forma clara e sintética, os momentos iniciais da pregação de Jesus: “O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo” (Marcos 1, 15). O que ilumina e dá sentido pleno para a história do mundo e do homem começa a brilhar na gruta de Belém; é o Mistério que contemplaremos daqui a pouco no Natal: a salvação que se realiza em Jesus Cristo. Em Jesus de Nazaré Deus mostra o seu rosto e pede a decisão do homem de reconhecê-lo e de seguí-lo. O revelar-se de Deus na história para entrar em relação de diálogo de amor com o homem, dá um novo sentido para todo o caminho humano. A história não é apenas uma sucessão de séculos, de anos, de dias, mas é o tempo de uma presença que lhe dá sentido e abre-a para uma sólida esperança.

Onde podemos ler as fases desta Revelação de Deus? A Sagrada Escritura é o melhor lugar para descobrir os acontecimentos deste caminho, e gostaria de – mais uma vez – convidar a todos, neste Ano da fé, para pegar em mãos com mais frequência a Bíblia e lê-la e meditá-la e a prestar maior atenção nas Leituras da Missa dominical; tudo isso constitui um alimento precioso para a nossa fé.

Lendo o Antigo Testamento podemos ver como as intervenções de Deus na história do povo que escolheu para si e com o qual faz aliança não são fatos que passam e caem no esquecimento, mas se tornam “memória”, tornam-se a “história da salvação”, mantida viva na consciência do povo de Israel por meio da celebração dos acontecimentos salvíficos. Assim, no Livro do Êxodo o Senhor indica a Moisés de celebrar o grande momento da libertação da escravidão do Egito, a Páscoa Hebráica, com estas palavras: “Conservareis a memória daquele dia, celebrando-o com uma festa em honra do Senhor: fareis isso de geração em geração, pois é uma instituição perpétua” (12, 14). Para todo o povo de Israel lembrar isso que Deus tem feito, torna-se uma espécie de imperativo constante para que a passagem do tempo seja marcada pela memória viva dos eventos passados, que formam assim, dia a dia, de novo, a história e permanecem presentes. No Livro do Deuteronômio, Moisés se dirige ao povo dizendo: “Guarda-te, pois, a ti mesmo: cuida de nunca esquecer o que viste com os teus olhos, e toma cuidado para que isso não saia jamais de teu coração, enquanto viveres; e ensina-o aos teus filhos, e aos filhos de teus filhos” (4, 9). E assim também nos diz: “Tenha cuidado para não esquecer as coisas que Deus fez conosco”. A fé é alimentada pela descoberta e pela memória do Deus sempre fiel, que guia a história e que é o fundamento seguro e estável sobre o qual construir a própria vida. Também o canto do Magnificat, que a Virgem Maria eleva a Deus, é um exemplo altíssimo desta história de salvação, desta memória que faz e tem presente o atuar de Deus. Maria exalta o agir misericordioso de Deus no caminho concreto do seu povo, a fidelidade às promessas de aliança feitas a Abraão e à sua descendência; e tudo isso é memória viva da presença divina que nunca falha (cf. Lc 1, 46-55).

Para Israel, o Êxodo é o acontecimento histórico central em que Deus revela a sua ação poderosa. Deus liberta os israelitas da escravidão do Egito para que possam voltar à Terra Prometida e adorá-Lo como o único e verdadeiro Senhor. Israel não se coloca à caminho por ser um povo como os outros –  por ter também ele uma independência nacional -, mas por servir a Deus no culto e na vida, por criar para Deus um lugar onde o homem está em obediência a Ele, onde Deus está presente e adorado no mundo; e, naturalmente, não somente para eles, mas para testemunhá-lo no meio dos outros povos. A celebração deste evento é um fazê-lo presente e atual, para que a obra de Deus não seja esquecida. Ele tem fé no seu plano de libertação e continua a perseguí-lo, para que o homem possa reconhecer e servir o seu Senhor e responder com fé e amor à sua ação.

Deus, então, se revela não só no ato primordial da criação, mas entrando na nossa história, na história de um pequeno povo que não era nem o maior, nem o mais forte. E esta Revelação de Deus, que vai adiante na história, culmina em Jesus Cristo: Deus, o Logos, a Palavra criadora que está na origem do mundo, se encarnou em Jesus e mostrou o verdadeiro rosto de Deus. Em Jesus cumpre-se toda promessa, Nele culmina a história de Deus com a humanidade. Quando lemos a narração dos dois discípulos à caminho de Emaús, que chegou a nós por meio de São Lucas, vemos claramente que a pessoa de Cristo ilumina o Antigo Testamento, toda a história da salvação e mostra o grande plano unitário dos dois Testamentos, mostra o caminho da sua unicidade. De fato, Jesus explica aos dois viajantes perdidos e decepcionados ser Ele o cumprimento de todas as promessas: “E, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras as coisas referentes a Ele” (24, 27). O evangelista mostra a exclamação dos dois discípulos depois de terem reconhecido que aquele companheiro de viagem era o Senhor: “Não ardia o nosso coração enquanto ele conversava conosco ao longo do caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (V. 32).

O Catecismo da Igreja Católica resume as etapas da Revelação divina mostrando sinteticamente o seu desenvolvimento (cf. nn 54-64): Deus convidou o homem desde o início para uma íntima comunhão com Ele e também quando o homem, pela própria desobediência, perdeu a sua amizade, Deus não o abandonou ao poder da morte, mas ofereceu muitas vezes a sua aliança aos homens (cf. Missal Romano, Pregh. EUC. IV). O Catecismo traça o caminho de Deus ao homem desde a aliança com Noé, depois do dilúvio, à chamada de Abraão para deixar a sua terra e fazê-lo pai de uma multidão de nações. Deus forma Israel como o seu povo, por meio do evento do Êxodo, a Aliança do Sinai e o dom, por meio de Moisés, da Lei para ser reconhecido e servido como o único Deus vivo e verdadeiro. Com os profetas, Deus guia o seu povo na esperança da salvação. Conhecemos – por meio de Isaias – o “segundo Êxodo”, o retorno do exílio da Babilônia à própria terra, a refundação do povo; porém, ao mesmo tempo, muitos permanecem na dispersão e assim começa a universalidade desta fé. No final, não se espera somente um rei, Davi, um filho de Davi, mas um “Filho do homem”, a salvação de todos os povos. Realizam-se encontros entre culturas, primeiro com Babilônia e a Síria, depois também com a multidão grega. Assim vemos como o caminho de Deus cresce, abre-se sempre mais para o Mistério de Cristo, o Rei do universo. Em Cristo se realiza finalmente a Revelação na sua plenitude: Ele mesmo se faz um conosco.

Fixei-me mais no fazer memória do atuar de Deus na história do homem, para mostrar as etapas deste grande plano de amor testemunhado no Antigo e no Novo Testamento: um único plano de salvação para toda a humanidade, progressivamente revelado e realizado pelo poder de Deus, onde Deus sempre reage às respostas do homem e encontra novos inícios de aliança quando o homem se perde. Isso é fundamental no caminho de fé. Estamos no tempo litúrgico do Advento que nos prepara para o Santo Natal. Como todos sabemos, a palavra “Advento” significa “vinda”, “presença”, e antigamente indicava justamente a chegada do rei ou do imperador numa determinada província. Para nós cristãos a palavra indica uma realidade maravilhosa e envolvente: o mesmo Deus cruzou o seu Céu e se inclinou ao homem; fez aliança com ele entrando na história de um povo; Ele é o rei que desceu nesta pobre província que é a terra e nos fez o dom da sua visita assumindo a nosa carne, se tornando homem como nós. O Advento nos convida a percorrer o caminho desta presença e nos lembra sempre de novo que Deus não saiu do mundo, não está ausente, não nos abandonou, mas vem a nós de diferentes formas, que devemos aprender a discernir. E também nós com a nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade, somos chamados todos os dias para ver e testemunhar esta presença no mundo muitas vezes superficial e distraído, e fazer brilhar na nossa vida a luz que iluminou a gruta de Belém. Obrigado.

Após a audiência, o Papa disse aos peregrinos de língua portuguesa estas palavras:

Queridos peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! Possa a preparação para o Natal, neste tempo do Advento, vos recordar que Deus vem ao encontro de cada ser humano. Meditai a Palavra de Deus, precioso alimento da vossa fé, para assim resplandecer nas vossas vidas a luz de Cristo que iluminou a gruta de Belém. Que Ele vos abençoe!

E aos peregrinos de língua italiana o Papa lembrou a memória que celebramos hoje da virgem de Guadalupe: 

Hoje celebramos a memória de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas e também da nova evangelização. Queridos jovens, na escola de Maria aprendemos a amar e esperar; queridos doentes, a Santíssima Virgem seja vossa companhia e conforto no sofrimento; e vós, caros recém-casados, confiai à Mãe de Jesus, o vosso caminho conjugal.

(Tradução Thácio Siqueira)

“Deixar-se prender pela Verdade que é Deus”

Catequese de Bento XVI : O Ano da fé. Deus revela o seu grande desígnio de benevolência

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 05 de dezembro de 2012(ZENIT.org) – Apresentamos a seguir a cataquese de Bento XVI intitulada -O Ano da fé. Deus revela o seu grande desígnio de benevolência- realizada nesta quarta-feira durante a Audiência Geral na Sala Paulo VI.

Queridos irmãos e irmãs,

No início de sua Carta aos cristãos de Efésios (cfr 1, 3-14), o apóstolo Paulo eleva uma oração de louvor a Deus, Pai de Senhor Nosso Jesus Cristo, que nos introduz a viver o tempo do Advento, no contexto do Ano da Fé. Tema deste hino de louvor é o projeto de Deus para o homem, definido com termos plenos de alegria, de admiração e de gratidão, como um “desígnio de benevolência” (v.9), de misericórdia e de amor.

Por que o Apóstolo eleva a Deus, do fundo do seu coração, este agradecimento? Porque olha para seu agir na história da salvação, culminado na encarnação, morte e ressurreição de Jesus, e contempla como o Pai celeste nos tenha escolhido antes mesmo da criação do mundo, para sermos seus filhos adotivos, no seu Filho Unigênito, Jesus Cristo (cfr Rm 8,14s.; Gal 4,4s.). Existimos, desde a eternidade em Deus, em um grande projeto que Deus tem mantido em si mesmo e que decidiu implementar e revelar “na plenitude dos tempos” (cfr Ef 1,10). São Paulo nos faz compreender, então, como toda a criação e, em particular, o homem e a mulher não são frutos do acaso, mas respondem a um desígnio de benevolência da razão eterna de Deus que com o poder criador e redentor da sua Palavra dá origem ao mundo. Esta primeira afirmação nos recorda que a nossa vocação não é simplesmente existir no mundo, estar inserido em uma história, e nem somente ser criatura de Deus; é alguma coisa maior: é ser escolhido por Deus, mesmo antes da criação do mundo, no Filho, Jesus Cristo. Nele, então, nós existimos, por assim dizer, desde sempre. Deus nos contempla em Cristo, como filhos adotivos. O “desígnio de benevolência” de Deus, que vem qualificado pelo Apóstolo Paulo também como “desígnio de amor” (Ef 1,5), é definido “o mistério” da vontade divina (v. 9), escondido e ora manifestado na Pessoa e na obra de Cristo. A iniciativa divina antecede cada resposta humana: é um dom gratuito de seu amor que nos envolve e nos transforma.

Mas qual é o objetivo último deste desígnio misterioso? Qual é o centro da vontade de Deus? É aquele – nos diz São Paulo – de “reunir em Cristo” (v. 10). Nesta expressão encontramos uma das formulações centrais do Novo Testamento que nos faz compreender o desígnio de Deus, o seu projeto de amor para toda a humanidade, uma formulação que, no segundo século, Santo Irineu di Lione colocou como núcleo da sua cristologia: “recapitular” toda a realidade em Cristo. Talvez alguns de vós se recordam da fórmula usada pelo Papa São Pio X para a consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus: “Estabelecer todas as coisas em Cristo”, fórmula que se refere a esta expressão paulina e que era também o lema deste Pontífice. O Apóstolo, porém, fala mais precisamente da recapitulação do universo em Cristo, e isso significa que no grande desígnio da criação e da história, Cristo permanece como o dentro de todo o caminho do mundo, a espinha dorsal de tudo, que atrai para Si toda a realidade, para superar a dispersão e o limite e conduzir tudo à plenitude desejada por Deus (cfr Ef 1,23).

Este “desígnio de benevolência” não tem permanecido, por assim dizer, no silêncio de Deus, na altura de seu Céu, mas Ele o fez conhecer entrando em relação com o homem, ao qual não revelou só algo, mas a Si mesmo. Ele não comunicou simplesmente um conjunto de verdade, mas se autocomunicou a nós, até ser um de nós, a encarnar-se. O Concílio Ecumênico Vaticano II, na Constituição Apostólica dogmática Dei Verbum diz: “Quis Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar a si mesmo [não somente algo de si, mas a si mesmo] e fazer conhecer o mistério da sua vontade, mediante o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, tiveram acesso ao Pai e tornaram-se, assim, participantes da natureza divina” (n. 2). Deus não só diz qualquer coisa, mas Si comunica, nos atrai para a natureza divina de forma que nós estamos envolvidos nela, divinizados. Deus revela o seu grande desígnio de amor entrando em relação com o homem, aproximando-se dele até o ponto de fazer-se Ele mesmo homem. O Concílio continua: “O Deus invisível no seu grande amor fala aos homens como aos amigos (cfr Es 33,11; Gv 15,14-15) e vive entre esses (cfr Bar 3,38) para convidá-los e levá-los à comunhão consigo” (ibidem). Apenas com a inteligência e as suas habilidades o homem não poderia ter chegado a esta revelação tão brilhante do amor de Deus; foi Deus que abriu o seu Céu e se abaixou para conduzir o homem ao abismo de seu amor.

Ainda São Paulo escreve aos cristãos de Corinto: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Todavia, Deus no-las revelou pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus” (2,9-10). E São João Crisóstomo, em uma célebre obra de comentário do início da Carta aos Efésios, convida a apreciar toda a beleza desse “desígnio de benevolência” de Deus revelado em Cristo, com estas palavras: “O que te falta? Tu te tornastes imortal, te tornastes livre, te tornastes filho, te tornastes justo, te tornastes irmãos, te tornastes co-herdeiro, com Cristo reinas, com Cristo és glorificado. Tudo nos foi doado e – como está escrito – ‘como não nos dará cada coisa junto com ele?” (Rm 8,32). Tuas primícias (cfr 1 Cor 15,20.23) foram adorados pelos anjos […]: o que te falta?” (PG 62,11).

Esta comunhão em Cristo por obra do Espírito Santo, oferecida por Deus a todos os homens com a luz da Revelação, não é algo que se sobrepõe com a nossa humanidade, mas é o cumprimento das aspirações mais profundas, daquele desejo de infinito e de plenitude que habita no íntimo do ser humano, e o abre a uma felicidade não momentânea e limitada, mas eterna. São Boaventura de Bagnoregio, referindo-se a Deus que se revela e nos fala por meio das Escrituras para conduzir-nos a Ele, afirma assim: “A sagrada Escritura é […] o livro no qual estão escritas palavras de vida eterna para que, não só acreditemos, mas também possuamos a vida eterna, na qual veremos, amaremos e serão realizados todos os nossos desejos” (Breviloquium, Prol.; Opera Omnia V, 201s.). Finalmente, o beato João Paulo II recordava que “a Revelação coloca na história um ponto de referência do qual o homem não pode prescindir, se quer chegar a compreender o mistério da sua existência; por outro lado, porém, este conhecimento remete constantemente para o mistério de Deus, que a mente não pode esgotar, mas só acolher na fé” (Enc. Fides et ratio, 14).

Nesta perspectiva, o que é então o ato da fé? É a resposta do homem à Revelação de Deus, que se faz conhecer, que manifesta o seu desígnio de benevolência; é, para usar uma expressão agostiniana, deixar-se prender pela Verdade que é Deus, uma Verdade que é Amor. Por isto São Paulo salienta como a Deus, que revelou o seu mistério, deve-se “a obediência da fé” (Rm 16,26; cfr 1,5; 2 Cor 10, 5-6), a atitude com a qual “o homem livremente se abandona inteiro a Ele, prestando a plena adesão do intelecto e da vontade a Deus que revela e assentindo voluntariamente à revelação que Ele dá” (Cost dogm. Dei Verbum, 5). Tudo isso leva a uma mudança fundamental do modo de relacionar-se com toda a realidade; tudo aparece em uma nova luz, trata-se então de uma verdadeira “conversão”, fé é uma “mudança de mentalidade”, porque o Deus que se revelou em Cristo e fez conhecer o seu desígnio de amor, nos prende, nos atrai para Si, transforma o sentido que sustenta a vida, a rocha sobre a qual essa pode encontrar estabilidade. No Antigo Testamento encontramos uma densa expressão sobre a fé, que Deus confia ao profeta Isaías a fim de que a comunique ao rei de Judá, Acaz. Deus afirma: “Se não crerdes –isto é, se não vos mantiver fiéis a Deus – não subsistireis” (Is 7,9b). Existe então uma ligação entre o estar e o compreender, que exprime bem como a fé seja um acolher na vida a visão de Deus sobre a realidade, deixar que seja Deus a conduzir-nos com a sua Palavra e os Sacramentos no entender o que devemos fazer, qual é o caminho que devemos percorrer, como viver. Ao mesmo tempo, porém, é o próprio compreender segundo Deus, o ver com os seus olhos que faz sólida a vida, que nos permite de “estar em pé”, de não cair.

Queridos amigos, o Advento, o tempo litúrgico que apenas começamos e que nos prepara ao Santo Natal, nos coloca diante do luminoso mistério da vinda do Filho de Deus, ao grande “desígnio de benevolência” com o qual Ele quer atrair-nos para Si, para fazer-nos viver em plena comunhão de alegria e de paz com Ele. O Advento nos convida, mais uma vez, em meio a tantas dificuldades, a renovar a certeza de que Deus é presente: Ele entrou no mundo, fazendo-se homem como nós, para trazer a plenitude do seu plano de amor. E Deus pede que também nós nos tornemos sinal da sua ação no mundo. Através da nossa fé, da nossa esperança, da nossa caridade, Ele quer entrar no mundo sempre de novo e quer sempre de novo fazer resplandecer a sua luz na nossa noite.

(Trad.CN Notícias)

“O que significa crer hoje?”

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta- feira

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de outubro de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos as palavras de Bento XVI dirigidas aos fiéis e peregrino reunidos na Praça de São Pedro para a tradicional audiência de quarta-feira.

Queridos irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada, com o início do Ano da Fé, comecei uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de refletir com vocês sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda há um sentido para a fé em um mundo cuja ciência e a técnica abriram horizontes até pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? De fato, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua um conhecimento das suas verdades e dos eventos da salvação, mas que sobretudo nasça de um verdadeiro encontro com Deusem Jesus Cristo, de amá-lo, de confiar Nele, de modo que toda a vida seja envolvida.

Hoje, junto a tantos sinais do bem, cresce ao nosso redor também um certo deserto espiritual. Às vezes, tem-se a sensação, por certos acontecimentos dos quais temos notícia todos os dias, que o mundo não vai em direção à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as mesmas ideias de progresso e de bem estar mostram também as suas sombras. Apesar da grandeza das descobertas da ciência e dos sucessos da técnica, hoje o homem não parece verdadeiramente mais livre, mais humano; permanecem tantas formas de exploração, de manipulação, de violência, de abusos, de injustiça…Um certo tipo de cultura, então, educou a mover-se somente no horizonte das coisas, do factível, a crer somente no que se vê e se toca com as próprias mãos. Por outro lado, cresce também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão somente horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto, surgem algumas perguntas fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Em que direção orientar as escolhas da nossa liberdade para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas insuprimíveis perguntas emergem como o mundo do planejamento, do cálculo exato e do experimento, em uma palavra o saber da ciência, mesmo sendo importante para a vida do homem, sozinho não basta. Nós precisamos não apenas do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá exatamente isto: é um confiante confiar em um “Tu”, que é Deus, o qual me dá uma certeza diferente, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência.A fé não é um simples consentimento intelectual do homem e da verdade particular sobre Deus; é um ato com o qual confio livremente em um Deus que é Pai e me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Certamente esta adesão a Deus não é privada de conteúdo: com essa sabemos que Deus mesmo se mostrou a nós em Cristo, mostrou a sua face e se fez realmente próximo a cada um de nós. Mais, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é sem medida: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito homem, nos mostra do modo mais luminoso a que ponto chega este amor, até a doação de si mesmo, até o sacrifício total. Com o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até o fundo na nossa humanidade para trazê-la de volta a Ele, para elevá-la à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, diante do mal e da morte, mas é capaz de transformar cada forma de escravidão, dando a possibilidade da salvação.Ter fé, então, é encontrar este “Tu”, Deus, que me sustenta e me concede a promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas a doa; é confiar-se em Deus como a atitude de uma criança, que sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão seguros no “Tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Acho que deveríamos meditar com mais frequência –na nossa vida cotidiana, caracterizada por problemas e situações às vezes dramáticas –sobre o fato de que crer de forma cristã significa este abandonar-me com confiança ao sentido profundo que sustenta a mim e ao mundo, aquele sentido que nós não somos capazes de dar, mas somente de receber como dom, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem medo. E esta certeza libertadora e tranquilizante da fé devemos ser capazes de anunciá-la com a palavra e de mostrá-la com a nossa vida de cristãos.

Ao nosso redor, porém, vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes ou recusam-se a acolher este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado que diz: “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 16), perde a si mesmo. Gostaria de convidá-los a refletir sobre isso. A confiança na ação do Espírito Santo, nos deve impulsionar sempre a andar e anunciar o Evangelho, ao corajoso testemunho da fé; mas além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé, há também o risco de rejeição ao Evangelho, do não acolhimento ao encontro vital com Cristo.Santo Agostinho já colocava este problema em seu comentário da parábola do semeador: “Nós falamos – dizia – lançamos a semente, espalhamos a semente. Existem aqueles que desprezam, aqueles que reprovarão, aquelas que zombam. Se nós temos medo deles, não temos mais nada a semear e no dia da ceifa ficaremos sem colheita. Por isso venha a semente da terra boa” (Discurso sobre a disciplina cristã, 13, 14: PL 40, 677-678). A recusa, portanto, não pode nos desencorajar. Como cristãos somos testemunhas deste terreno fértil: a nossa fé, mesmo com nossos limites, mostra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, existe a semente boa, e traz fruto.

Mas perguntamo-nos: de onde atinge o homem aquela abertura do coração e da mente para crer no Deus que se fez visível em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de forma que Ele e seu Evangelho sejam o guia e a luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. A fé então é primeiramente um dom sobrenatural, um dom de Deus.O Concílio Vaticano II afirma: “Para que se possa fazer este ato de fé, é necessária a graça de Deus que previne e socorre, e são necessários os auxílios interiores do Espírito Santo, o qual mova o coração e o volte a Deus, abra os olhos da mente, e doe ‘a todos doçura para aceitar e acreditar na verdade’” (Cost. dogm. Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé tem o Batismo, o sacramento que nos doa o Espírito Santo, fazendo-nos tornar filhos de Deus em Cristo, e marca o ingresso na comunidade de fé, na Igreja: não se crê por si próprio, sem a vinda da graça do Espírito; e não se crê sozinho, mas junto aos irmãos. A partir do Batismo cada crente é chamado a re-viver e fazer própria esta confissão de fé, junto aos irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica o diz com clareza: “É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade e nem à inteligência do homem” (n. 154). Mas, as implica e as exalta, em uma aposta de vida que é como um êxodo, isso é, um sair de si mesmo, das próprias seguranças, dos próprios esquemas mentais, para confiar na ação de Deus que nos indica a sua estrada para conseguir a verdadeira liberdade, a nossa identidade humana, a verdadeira alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar com toda a liberdade e com alegria no desenho providencial de Deus na história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. A fé, então, é um consentimento com o qual a nossa mente e o nosso coração dizem o seu “sim” a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este “sim” transforma a vida, abre a estrada para uma plenitude de significado, a torna nova, rica de alegria e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo requer cristãos que foram apreendidos por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustenta no caminho e nos abre à vida que nunca terá fim. Obrigado.

Ao final o Santo Padre dirigiu a seguinte saudação em português:

Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projeto de Deus a vosso respeito. Acompanha-vos a minha oração e a minha Bênção.

(Trad.MEM)